"Agent secret (Traits et portraits)"
Páginas: 200
Mercure de France
Ano: 2021
«Contrairement aux apparences, je suis plutôt un homme sauvage, fleurs, papillons, arbres, îles. Ma vie est dans les marais, les vignes, les vagues. Qu'importe ici qui dit je. Écrire à la main, nager dans l'encre bleue, voir le liquide s'écouler sont des expériences fondamentales. Je vis à la limite d'une réserve d'oiseaux, mouettes rieuses, goélands, faucons, sternes, bécasseaux, canards colverts, hérons. Ah être un oiseau ! Dans la maison, tous les matins, je laisse Richter jouer Haydn, on pourrait l'écouter sans cesse, ré mineur, concert public de Mantoue, notes vives et détachées, j'aime le futur immédiat, je ne crains pas la répétition, jeu enfantin, cercle qui ne va nulle part, on écrit toujours pour une voix disait Beckett, pas de voix, pas de notes ni de mots. Le bonheur est possible. Je répète. Le bonheur est possible.»
Philippe Sollers
Philippe Sollers
(1936 - 2023)
Um dia destes irei contar como "conheci" o Philippe Sollers, mas hoje dedico estes fotogramas ao seu livro "Agent secret (Traits et portraits)", que surgiu no Mercure de France, numa edição bem cuidada e com inúmeras fotografias.
Ao receber este livro como prenda de anos comecei a desfolhá-lo e embora não me viesse à memória a canção da Simone de Oliveira, recordei-me de um livro escrito com o mesmo espírito intitulado "Roland Barthes por Roland Barthes" e como alguns sabem eles foram dois grandes amigos, que escreveram um sobre o outro e publicaram na famosa "revista "Tel Quel".
Roland Barthes e Philippe Sollers
Philippe Sollers, tal como Barthes, possui uma ligação muito especial com a mãe e dos seus tempos de criança, nasceu em 1936, recorda-se ainda dos alemães a entrarem em Bordeaux e depois a ocupação das casas por eles; o oficial austríaco que ouvia Schubert, enquanto ele na cave com a mãe escutavam a Radio Londres e as famosas mensagens em código "adoro as raparigas de azul", mas já nessa idade foi um resistente porque, seguindo o conselho da mãe, nunca cantou na escola o hino ao Marechal Pétain, refugiava-se na parte de trás e ficava calado.
Depois mergulhamos num conjunto de memórias escritas num ritmo verdadeiramente aliciante, desde acompanharmos a sua recusa a ir para a guerra de Argel, recorde-se que era proibido a expressão "guerra de Argel" referindo-se o governo a ela como os "acontecimentos de Argel". Philippe Sollers, desesperado, fez greve da fome, recusava-se a falar e a olhar para as pessoas e terminou preso. Depois um dos oficiais intercedeu por ele e explicou-lhe que as baixas eram apenas de 2%, mas ele não foi na conversa e um dia, em que estavam 10 graus negativos, andou durante mais de uma hora de tronco nú em busca da milagrosa febre e caiu gravemente doente. O exército farto dele e ele farto do exercito enviaram-no para um psiquiatra que num teste "dito psicotécnico" o mandou desenhar um homem e uma mulher e ele assim fez com todo o cuidado e pormenor, destacando o sexo de ambos e não desenhando os braços. O psiquiatra olhou demoradamente para o desenho e diagnosticou esquizofrenia.
E assim Philippe Sollers se viu livre "dos acontecimentos de Argel", sem direito a pensão! Por falarmos em Argel recordei-me desse filme de Gillo Pontecorvo, intitulado "A Batalha de Argel" que era dado a ver às tropas portuguesas antes de elas partirem para África. com intuitos "pedagógicos". Passa regularmente na RTP Memória.
Mais adiante Philippe Sollers irá apresentar-nos as três mulheres da sua vida: Eugenia, Dominique e Julia. Confessa que é um homem de amores, ao mesmo tempo que nos narra um episódio bem curioso passado com o filho ainda criança, na ilha de Ré, o escritor tem um anexo onde se refugia para escrever (continua a usar papel e caneta) e um dia o filho foi ter com ele para lhe perguntar algo, mas Sollers estava tão absorvido com a escrita que nem deu por ele e a criança ao regressar para junta da mãe disse: "o pai é como Deus, fala-se com ele e não responde".
Philippe Sollers e Julia Kristeva
Já o episódio do casamento de Philippe Sollers e Julia Kristeva, que era a mais brilhante aluna de Roland Barthes, foi aliás através dele que se conheceram, revela-se inesquecível porque nenhum deles se lembrou das alianças. Temos por aqui um Sollers de Viva Voz, mas também o Philippe Sollers amargurado com a morte de Rolland Barthes e esse estranho ou fortuito atropelamento que viria a vitimar Barthes, depois de este ter estado numa reunião de intelectuais com François Mitterand. Este assunto já deu "pano para mangas" e sinceramente não me interessa nada a história da agente búlgara.
Philippe Sollers em Veneza
Philippe Sollers - "Agent secret (Traits et portraits)" é um livro inesquecível e talvez uma bela porta de entrada para conhecer esse escritor que trabalhou longos anos na famosa editora Gallimard e que um dia deitou fogo ao seu local de trabalho, após ter deitado a beata acesa para o caixote, um episódio contado por ele numa entrevista ao "Petit Journal". Poderia estar horas a escrever sobre este livro em que se fala de Picasso, Rimbaud, a ilha de Ré, a China, a bela Veneza que lhe foi dada a conhecer por Dominique Rolin que tinha quase o dobro da sua idade, enfim um mundo de pequenos prazeres, cuja leitura me deliciou e recomendo.
Rui Luís Lima
Classificação: 5 estrelas (*****)
ResponderEliminarPhilippe Sollers - (1936 - 2023)
O célebre escritor francês oferece-nos uma auto-biografia de uma enorme beleza neste livro inesquecível, que bem merece uma edição em Portugal. Recordo que já foi editada uma edição de bolso deste livro na famosa colecção Folio da editora Gallimard.