"A Mulher do Lavrador" / "The Farmer's Wife"
(Inglaterra – 1928) – (94 min. / Mudo)
Lillian Hall-Davis, James Thomas, Maud Gill, Gordeon Harker.
O período mudo de Alfred Hitchcock é um perfeito desconhecido da maioria dos cinéfilos, já que este “género cinematográfico”, que vigorou durante cerca de trinta anos até ao nascimento do sonoro com o célebre “Cantor de Jazz” / “Jazz Singer”, possui no seu interior a construção da linguagem cinematográfica, essa mesma linguagem que ainda hoje vigora na Sétima Arte e será olhando o passado que compreendemos o presente. Recorde-se que Alfred Hitchcock foi o primeiro cineasta cujo nome foi fixado pelo público, numa época em que só as estrelas tinham direito a permanecer na memória dos espectadores.
Ao olharmos para o período mudo de Alfred Hitchcock, encontramos os mais diversos géneros, incluindo filmes encomenda, alguns até renegados pelo próprio cineasta como sucedeu com a sua obra de estreia “The Pleasure Garden”, mas também é possível descobrir um género pouco habitual no seu cinema, a comédia, embora o cineasta tenha feito duas obras perfeitas no interior deste género cinematográfico, “Ladrão de Casaca” / “To Catch a Thief” e “O Terceiro Tiro” / The Trouble With Harry”.
Com “The Farmer’s Wife” / “A Mulher do Lavrador”, Alfred Hitchcock invade esse território, trocando de início as voltas ao espectador, entrando só depois no género em si. Por outro lado este filme, ao contrário de “The Ring” que possuía argumento do próprio cineasta, parte de uma peça teatral, tendo o realizador afirmado “é verdade que o facto de filmar uma peça teatral estimulou o meu desejo de expressão por meios propriamente cinematográficos” e todos sabemos como ele estruturava os seus filmes até ao pormenor, usando as “storyboards” de forma mais que perfeita ao longo da sua carreira.
Ao entrarmos pela porta deste filme, no ano de 1928, deparamos de imediato com a tragédia, já que a mulher do protagonista acaba de morrer e o drama parece instalado, mas Alfred Hitchcock troca-nos as voltas quando nos informa que o último desejo dela foi que o marido se voltasse a casar, pedindo à jovem criada para tomar conta dele, damos um passo em frente e saímos deste género para entrarmos pela porta grande da comédia.
Minta (a bela Lillian Hall-Davis) decide ajudar o patrão na busca de uma nova esposa e, de imediato, ambos fazem uma lista partindo das senhoras presentes no velório. Poderá parecer um pouco macabro, mas é pura comédia, porque as três eleitas irão recusar os diversos pedidos. Como número par é sempre sinónimo de sorte nesta área, Minta decide acrescentar ao trio o nome da rapariga que trabalha no Pub da aldeia.
Iremos assim assistir à transformação do austero lavrador num verdadeiro pinga-amor, mas com muito pouco jeito na matéria, já que sempre que as suas propostas são recusadas perde a cabeça terminando qualquer tipo de relação possível; se a primeira lhe diz que tem mais que fazer, já a segunda confessa preferir viver só a estar com ele, para a terceira lhe chamar velho.
Ao longo destas declarações, vamos assistir ao desenvolvimento de diversos “gags” que irão obrigar o mais empedernido dos espectadores a rir. Samuel Sweetland (James Thomas) irá passar a ser o tema preferido das conversas na aldeia e quando chega, num dia de caça à raposa, ao povoado e se dirige ao Pub numa tentativa desesperada de conquistar a empregada, que sempre gostou de conversar com ele, apercebe-se que vive nas bocas do mundo: no “Garden-Party” eram as bocas femininas que troçavam dele; no Pub são os seus amigos que, incrédulos com a situação, se riem dele.
Voltando um pouco atrás, convém referir que toda a sequência da “Garden-Party” é perfeita, atingindo a comédia o ponto mais alto com o seu empregado Ash (Gordon Harker), que faz de mordomo improvisado, a ter uma interpretação fabulosa.
Como não poderia deixar de ser, Samuel Sweetland é novamente derrotado pelas mulheres e ao regressar a casa desiste de procurar a mulher (im)perfeita e sentado olha a cadeira onde a sua esposa conversava com ele e vai vendo as respectivas mulheres que recusaram o seu pedido de casamento, até que encontra a imagem da sua fiel criada Minta ali sentada, com o seu olhar cândido e belo a conversar com ele.
Ao longo do filme, Alfred Hitchcock vai-nos oferecendo os sentimentos de Minta pelo patrão através da forma carinhosa como ela o trata e também através do seu olhar cândido, até que Samuel Sweetland se apercebe que o novo amor da sua vida sempre esteve ao seu lado, no interior daquela casa.
Descobrir esta obra do cineasta é uma verdadeira surpresa, porque nela encontramos uma excelente adaptação cinematográfica de uma comédia teatral, sendo todas as cenas de exteriores filmadas de forma perfeita, onde o naturalismo respira, seja nas incursões a cavalo de Samuel Sweetland ou na sequência da caça à raposa.
Chegou o momento de começarmos a olhar o cinema mudo não como simples curiosidade, mas sim como as verdadeiras fundações desse espantoso edifício que é a Sétima Arte.
Rui Luís Lima
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