"Pamplinas Maquinista" / "The General"
(EUA – 1927) – (75 min. - P/B - Mudo)
Buster Keaton, Marion Mack, Glen Cavender,
Frank Barnes, Charles Smith, Jim Farley, Frederick Weoon.
Essa difícil Arte da Comédia ou se preferirem Burlesco teve, na época do mudo, dois nomes incontornáveis: Charlie Chaplin e Buster Keaton. E se o primeiro é o mais famoso, o segundo não lhe fica atrás em genialidade e rigor estético. Mas nada melhor do que dar a palavra a um grande cineasta e crítico chamado Eric Rohmer para definir estas duas personalidades: “Vemos Charlot como uma criança insuportável e cujas travessuras nos encantam, o que não nos impede que as suas infelicidades possam comover. O riso crítico é dirigido aos outros. Pelo contrário o riso que suscita Buster Keaton é da mesma natureza que o que provoca uma jovem criança que leva a sério uma tarefa aparentemente inadequada à sua idade e às suas capacidades. Uma certa condescendência, mas também uma verdadeira admiração misturam-se com esse riso. Buster só executa os movimentos exigidos pela acção e cuja eficácia é comprovada a qualquer momento.” E na verdade basta reparar nesse rosto sempre (in)expressivo que transporta consigo para ficar tudo dito, o sorriso nunca aflorou ao seu rosto, ao longo da sua extraordinária carreira cinematográfica.
Quando nos falam nos filmes de Buster Keaton, de imediato nos vem à memória essa obra impar intitulada “Sherlock Jr”, do qual já aqui falei, onde Woody Allen foi beber toda a magia para criar a sua “Rosa Púrpura do Cairo”, recorde-se que em “Sherlock Jr.”, Keaton é um projeccionista numa sala de cinema que um dia mergulha literalmente no interior do écran, navegando de filme para filme, numa viagem perfeitamente louca e genial. Mas a obra de Buster Keaton possui outras preciosidades ou melhor obras-primas absolutas, que nunca deverão cair no esquecimento. É o caso deste “Pamplinas Maquinista” (nome dado à personagem criada por ele, em terras lusas, da mesma forma que durante algum tempo se chamou Carlitos a Charlot).
“The General”, título original da película, não trata de uma individualidade militar, mas sim de uma famosa locomotiva que fez história durante a sangrenta guerra civil norte-americana que opôs o Norte ao Sul. E aqui temos o relato verídico de um acontecimento e não de ficção, já que o filme nos conta o roubo/assalto que um grupo de militares nortistas faz de uma célebre locomotiva sulista estacionada na Geórgia, acontecimento esse mais tarde narrado no livro “The Great Locomotive Chase”, por um dos intervenientes no desvio, William Pittenger, precisamente o capitão que chefiava o grupo de espiões que tentou o roubo da locomotiva, partindo depois com ela ao encontro das tropas nortistas que avançavam no terreno, enquanto ia destruindo as pontes por onde passavam. Mas o que não estava previsto, no engenhoso plano militar, era que o condutor da locomotiva decidisse persegui-los numa outra locomotiva para recuperar a poderosa “The General” e resgatar a sua amada Annabelle (Marion Mack) que, infelizmente, se encontrava a bordo do comboio quando este foi desviado, sendo assim também ela raptada.
Iremos assistir a uma das mais genuínas perseguições da história do cinema, pela mão de Buster Keaton, que não olhou a meios para atingir os seus fins. Recorde-se que numa das sequências é destruída uma ponte construída para o efeito e uma das locomotivas. Uma sequência espectacular filmada com seis câmaras e que custou a quantia de 42.000 dollars, transformando-a na mais cara sequência do cinema mudo.
Por outro lado, as filmagens da perseguição (sempre em movimento) foram obtidas através de um comboio que seguia em paralelo à locomotiva do filme, sendo de um rigor absoluto. Aliás nada é descurado, repare-se na planificação de todo o filme, o raccord é simplesmente perfeito e depois temos uma reconstituição de época de uma veracidade que nos deixa a todos espantados. As filmagens foram efectuadas no estado do Oregon embora, inicialmente, Buster Keaton pretendesse usar a região da Geórgia para o efeito.
Buster Keaton, sempre imperturbável, não recorre ao riso fácil optando por nos oferecer as atribulações do seu herói Johnny Gray como fruto do simples acaso, construindo gags destinados inteiramente ao espectador, repare-se na forma como a locomotiva passa pelos dois exércitos, o do norte e do sul, sem ele dar por nada, porque se encontra ocupado a colocar madeira na caldeira. Depois, quando assistimos à famosa batalha de Rock River, descobrimos a forma realista como ela nos é apresentada, com largas centenas de figurantes e onde as cenas de humor surgem como “fruto do acaso”, por exemplo a forma como ele mata o atirador nortista emboscado com a sua espada.
Estamos assim perante uma obra construída com um saber e um rigor absolutos, repare-se que Buster Keaton ou Johnny Gray se preferirem, após recuperar os seus dois amores, a locomotiva The General e Annabelle Lee, irá fugir das forças nortistas usando precisamente os mesmos estratagemas do capitão Andersen (Glenn Cavender), obstruindo a linha com tudo o que possui e encontra pelo caminho, como se estivéssemos perante uma segunda versão da perseguição. No final Johnny Gray irá ser recompensado de duas maneiras, recupera o amor de Annabelle (Marion Mack) que desconhecia que ele tinha sido preterido na guerra devido à importância da sua profissão e vê o seu esforço recompensado, ao ser-lhe finalmente dada a oportunidade de envergar o uniforme sulista e logo graduado em Tenente e não nos esqueçamos da sua réplica quando foi recusado na recruta, “ depois não me venham dizer que perderam a guerra”.
“The General” / “Pamplinas Maquinista” é uma das maiores obras-primas do cinema e um marco incontornável do período mudo, e embora na época da sua estreia nem o público nem a crítica conseguissem descobrir a genialidade que vivia em cada fotograma, felizmente hoje ninguém tem dúvidas da Arte e engenho desse grande cineasta chamado Buster Keaton.
Uma última palavra para a cópia restaurada em alta definição, imagem por imagem, que faz do DVD “The General” uma obra indispensável em qualquer dvdteca e onde nunca é demais destacar o contributo dado por Joe Hisaishi, que constrói uma banda sonora de tal forma poderosa que transforma este filme mudo numa obra sonora, fruto de um saber e amor único que aqui é de uma visibilidade maravilhosa.
“Pamplinas Maquinista” / “The General” é uma obra-prima que nos deixa fascinados perante a genialidade desse grande cineasta chamado Buster Keaton.
Rui Luís Lima
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