Agnès Jaoui / Jean-Pierre Bacri
“O Gosto dos Outros” / “Le Gout des Autres”
(França – 2000) – (112 min. / Cor)
Anne Alvaro, Jean-Pierre Bacri, Alain Chabat, Agnès Jaoui, Gerard Larvin, Christiane Millet.
O cinema francês, muitas vezes, oferece-nos obras que são uma verdadeira lufada de ar fresco e que nos convidam a amar um filme, como sucedeu com este “O Gosto dos Outros” / “Le Gout des autres” de Agnès Jaoui, que na época da sua estreia em Portugal era praticamente desconhecida, o que já não sucede hoje em dia, já passaram 20 anos sobre a estreia deste filme no cinema Nimas Estamos assim perante uma película profundamente inteligente, que aborda de forma discreta o relacionamento das pessoas e os seus gostos.
Agnès Jaoui começou como actriz no Teatro, tendo até sido dirigida pelo célebre Patrice Chéreau no Teatro de Amandiers, em Nanterre, mas seria o seu encontro com o actor Jean-Pierre Bacri, recentemente falecido, nas audições para a peça “O Aniversário” de Harold Pinter, que irá dar origem a uma dupla de argumentistas única na história do cinema francês, tendo em conta a forma como eles usam os diálogos, aliás não nos podemos esquecer que eles são os argumentistas de “Smoking" / "No Smoking” / “Fumar/Não Fumar” e de “On Connait La Chanson” / “Uma Canta a Outra Não”, realizados pelo cineasta Alain Resnais.
Este casal de argumentistas, que se encontrava sempre nos filmes dirigidos por Agnès Jaoui, não possuia curiosamente uma grande paixão pelas novas tecnologias, escrevendo os seus argumentos usando papel e caneta, às vezes até um lápis, quando surge aquela ideia fantástica, para depois utilizarem a velhinha máquina de escrever, para passar os textos como ela confessou numa entrevista. Naturalmente os quatro filmes iniciais realizados por Agnès Jaoui contam com argumentos da dupla, sendo os outros três: “Olhem Para Mim” / “Comme une image”, “Deixem Chover” / “Parlez-moi de la pluie” de (2008) e “E Viveram Felizes Para Sempre…?” / “Au Bout du conte”.
Logo no início de “O Gosto dos Outros” encontramos dois homens sentados num café, a falar de algo que parece, à primeira vista, ser muito importante, mas depois iremos perceber que eles estão simplesmente a falar de futebol e que são o motorista e o guarda-costas de Monsieur Jean-Jacques Castella (Jean-Pierre Bacri), um industrial de província, que está a efectuar negócios com um grupo iraniano e cuja Companhia de Seguros exigiu a presença de um guarda-costas ao longo do processo negocial, para sua segurança. Contrariado, Castella aceita a presença de Frank Moreno (Gerard Lanvin), um ex-polícia que deixou a instituição porque não conseguia ver os corruptos presos, apesar de todas as provas recolhidas. Porém este negócio vai também exigir a Castella voltar a aprender inglês e então é obrigado a contratar uma professora de inglês (Anne Álvaro), que como boa professora de línguas começa de imediato a falar a língua anglo-saxónica com Castella, que não acha nada divertido esse método e está pronto a desistir.
Mas nessa mesma noite ele irá ao teatro ver a sobrinha a actuar e acabará por descobrir que a actriz principal da peça é Clara Devaux (Anna Álvaro), a sua professora de inglês, decidindo então recomeçar as lições.
Iremos assim entrar nos momentos mais hilariantes da película, com a aulas no salão de chá, entre Castella e Clara, ao mesmo tempo que todos compreendemos que o industrial se começa a apaixonar por ela, mas também por esse círculo de intelectuais onde ela se movimenta, fazendo-se encontrado e terminando sempre por lhes fazer companhia, até que essa trupe decide gozar e colocar a ridículo o industrial, num dos momentos mais dolorosos de “O Gosto dos Outros”.
Enquanto vamos assistindo à história de Castella, iremos também conhecer a vida de Bruno Deschamps (Alain Chabat), o motorista de Castella e de Frank (Gerard Lanvin), o guarda-costas. Se o primeiro é um homem permanentemente usado pelas mulheres, veja-se o que se passa com a namorada que está nos Estados Unidos, já Frank Moreno (Gerard Lanvin) é um homem que sabe demasiado da vida e que irá encontrar em Marie (Agnès Jaoui), a empregada do bar, frequentado pelo grupo de Clara, a sua possível alma-gêmea. No entanto irá nascer uma barreira invisível entre eles, quando Frank percebe que ela também vende haxixe, para ganhar algum dinheiro extra para as despesas do dia-a-dia, o que para ele, um ex-polícia, é matéria mais que proibida e impossível de "conviver".
Regressando a Castella (Jean-Pierre Bacri), descobrimos ao longo da película que ele é um homem dominado pela mulher, que intitulando-se decoradora leva sempre a sua avante, basta olhar para a forma como está decorada a casa que habitam e um sorriso de imediato surge nos nossos lábios. E nesse dia em que ele compra um quadro de que gosta, a um pintor amigo de Clara e o pendura na parede, Angélique (Christianne Millet), que gosta muito mais de animais do que pessoas, irá fazer uma tempestade num copo de água, para no dia seguinte tirar o quadro da parede porque ela não suporta o gosto dele.
Já Clara, a professora de inglês, é uma mulher na casa dos quarenta que vive sempre com um pé dentro e fora dos palcos, porque também por ali o Teatro passa as suas dificuldades com a falta de espectadores, recorde-se que a acção se passa nos subúrbios de Paris, vendo os anos a passarem a uma velocidade vertiginosa e o amor com que sempre sonhou a passar-lhe ao lado da vida.
Ao longo de "O Gosto dos Outros" vamos mergulhar nas pequenas vidas destas personagens, que nos irão fascinar ao longo de duas horas, porque por ali passa um belo retrato da sociedade francesa, ao mesmo tempo que descobrimos como são simples, mas também complicadas as relações entre os seres humanos. Veja-se a relação de Castella com o seu assistente ou a de Marie com Frank, sendo todos estes aspectos oferecidos de forma perfeita por Agnès Jaoui, sempre com um sentido de "mise-en-scéne" extraordinário: o argumento não possui uma palavra a mais ou uma palavra a menos e as imagens também falam por si, por vezes de forma dolorosa, como sucede na relação entre Marie e Frank.
Ao optar pelo “scope”, Agnès Jaoui comunga o gosto dos cineastas franceses por este formato, que respira cinema por todos os poros. "O Gosto dos Outros" foi galardoado em 2001, com os Cesars de Melhor Filme, Melhor Argumento Original (Agnès Jaoui/Jean-Pierre Bacri), Melhor Actor Secundário (Gerard Lanvin) e Melhor Actriz Secundária (Anne Álvaro).
"O Gosto dos Outros" / “Le Goût des autres” oferece-nos assim, uma comédia divertida e inteligente, que nos convida a meditar sobre o pequeno mundo que nos rodeia e os inevitáveis gostos dos outros. Tenho de confessar que sempre que revejo este filme, me divirto imenso, mas também termino a pensar neste pequeno mundo que habitamos.
Rui Luís Lima
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