domingo, 29 de setembro de 2024

Salas de Cinema - Cinema Paris!


Salas de Cinema - Cinema Paris!

Ao entrar no Ciclo Preparatório, fui estudar para a Escola Manuel da Maia, perto dos Prazeres e inevitavelmente comecei a passar pela Rua Domingues Sequeira, no eléctrico 28, que rapidamente deixei de usar na vinda, para ficar com o dinheiro do bilhete, para comprar os livros de bolso, que então foram lançados no mercado, nesse ano em que se mudou de década e se entrou nos célebres anos 70.

Cinema Paris

Como não podia deixar de ser, parava sempre no Cinema Paris para ir espreitar os cartazes e as fotografias dos filmes, embora nessa época fosse com regularidade aos cinemas de Estreia e ao “palhinhas”, o famoso Jardim Cinema, do qual já falei aqui, porque a minha mãe trabalhava ali perto.

"O Homem Que Veio do Futuro"
Franklin Schaffner

Mas um dia, numas férias, entrei finalmente no Cinema Paris para ver “O Homem Que Veio do Futuro” / “Planet of The Apes”, realizado pelo Franklin Schaffner, com o Charlton Heston no protagonista (nessa época em que já fixava o nome dos actores, mas não ligava ao nome dos cineastas) e nunca mais me esqueci dessa sombra que, no final da película, surge na praia e quando a câmara, num movimento subtil de grua, me diz que o herói afinal estava na Terra, pois tratava-se da Estátua da Liberdade enterrada na areia, fixei para sempre na minha memória esse filme e o cinema onde o vi.

"Não Sou Digno de Ti"
Ettore Maria Fizzarotti

No entanto só irei regressar ao Cinema Paris, que foi inaugurado em 1931, nascido de um projecto do Arquitecto Victor Manuel Carvalho Piloto, quando fui para o liceu e na companhia de dois colegas de turma, uma vez por semana ali estávamos encostados ao lado do café em frente do Cinema Paris, desde as duas e meia da tarde, esperando pela abertura de uma porta lateral, para entrarmos discretamente, após termos deixado os 25 tostões no simpático porteiro e escutado a recomendação de não sairmos do lugar no intervalo, porque os filmes eram para maiores de 18 anos e o ano de 1974 ainda vinha longe.

"O Último Tango em Paris"
Bernardo Bertolucci

Era assim que passávamos as tardes de sábado e num dia em que a famosa porta lateral não deu sinais de vida, tivemos de entrar pela principal e um colega não habitual destas andanças cinematográficas ficou à porta e teve que se vir embora, porque nesta época ainda havia o polícia e o bombeiro sempre presentes, mas também os filmes com o Gianni Morandi e mais uma canção a temperar o melodrama, recordo-me do jovem na tropa mais a moça grávida e ela a dar à luz e ele a fugir do quartel e depois são abençoados com uma bela criança!

"O Dragão Ataca"
Robert Clouse

Com a chegada de Abril de 74, a censura terminou e nós corríamos a ver todos os filmes e foi precisamente no Paris que vimos o tão badalado “Último Tango em Paris” / “Ultimo tango in Parigi” do Bernardo Bertolucci, porque no S. Jorge, que estava sempre cheio com as excursões de espanhóis, a entrada seria barrada de certeza. Foi também por lá que vimos “O Dragão Ataca” / “Enter the Dragon”, com um “Bruce Lee” nacional, que estava na plateia e decidiu imitar o actor e caiu meio desamparado entre as cadeiras da plateia.

"Julieta dos Espirítos"
Federico Fellini

São estas gratas memórias cinéfilas que gosto de partilhar, incluindo esse dia em que um casal se aproximou de nós, que nos encontrávamos como sempre a fumar do outro lado da rua, à espera que a porta da entrada lateral se abrisse, e nos perguntou se os filmes eram bons e nós com ar de entendidos respondemos, claro é um Fellini (tínhamos começado a decorar os nomes dos cineastas e a ler revistas de cinema), mas à saída da sala, pareceu-nos que o casal não adorou nada a “Julieta dos Espíritos” / ´”Giulietta degli spiriti” quando passou por nós e nos fuzilou com o olhar, quanto à primeira película já não me recordo do nome.

"A Grande Farra"
Marco Ferreri

Assim, lá fomos fazendo a nossa escola de cinema até que chegou esse sábado em que vimos a professora de História a entrar no Cinema Paris para ver “A Grande Farra” / “La grande bouffe” do Marco Ferreri, refugiámo-nos no café em frente e só depois entrámos na sala pelo sítio do costume e confesso que, quando saímos, só falávamos nela e não no filme. Na segunda-feira seguinte percebemos que as aulas de História nunca mais seriam as mesmas.


Quando o Cinema Paris encerrou as portas a 20 de Outubro de 1981, já me encontrava a trabalhar e andava por outras salas de cinema, mas recordo-me dele com imenso carinho, porque faz parte das minhas memórias, tal como o café em frente e aquele pequeno muro ao pé das escadas, onde estávamos sempre encostados. Hoje, sempre que passo pelo Jardim da Estrela recordo-me do magnífico Cinema Paris, cujo edifício meio-arruinado teima em permanecer de pé, para que alguém se lembre dele e decida o seu destino.

Rui Luís Lima

1 comentário:

  1. O cinema Paris era um cinema de Bairro situado próximo do Jardim da Estrela em Lisboa e tinha duas sessões diárias às 15h30 e 21h30 onde eram exibidos sempre dois filmes em continuação de estreias e reprises. Tinha uma população da zona que enchia quase sempre a sala que tinha plateia e balcão.

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