Salas de Cinema - Cinema Europa!
Tenho de confessar que tenho uma estima muito particular pelo Cinema Europa e já vão perceber porquê! Mas vamos primeiro aos factos ou seja o seu nascimento em 1930, quando a zona de Campo de Ourique até parecia estar na periferia da capital, sendo o seu responsável o Arquitecto Raul Martins, que também iria assinar o nascimento do famoso Jardim Cinema, tendo a sala do Cinema Europa uma plateia e um balcão, os quais irão desaparecer quando em 1958, foram efectuadas enormes alterações na sua estrutura pelo Arquitecto Carlos Antero Ferreira, criando o a célebre e sublime Plateia em rampa, que proporcionava ao espectador condições únicas de visibilidade para o écran, especialmente para aqueles que, como eu, tinham apenas um digito terrestre na idade.
“O Gendarme de Saint-Tropez”
Jean Girault
Foi assim no Cinema Europa que descobri esse célebre comediante chamado Louis de Funés e “O Gendarme de Saint-Tropez” / “Le Gendarme de Saint-Tropez”, realizado por Jean Girault, tornando-me de imediato fan deste memorável actor francês. Mas seria também aqui que a minha mãe e avó e o senhor do bar do cinema perceberam que não valia a pena tentarem dar-me gato por lebre ou seja, durante a minha infância nunca fui menino de doces, mas gostava de um chocolate chamado “Candy-Bar”, mas já não havia nesse dia no bar do cinema e se não havia, também não queria outro. Então estes três amáveis adultos tentaram “oferecer-me” um outro chocolate, mas mantive-me firme na recusa e foi a minha mãe que comeu o chocolate que o cavalheiro lhe recomendou e depois lá fomos continuar a ver "Les Charlots"!
"Os 4 Malucos Mosqueteiros" / "Les Charlots"
André Hunebelle
Les Charlots eram os Malucos, um grupo de jovens franceses que só faziam asneiras, sendo um dos actores o português Luís Rego, que sempre trabalhou em França e que ainda recentemente vimos num dos episódios da série “Candice Renoir”, esta troupe que andou nas salas de cinema na década de setenta teve enorme sucesso nas bilheteiras, incluindo no nosso país, mas hoje neste século amnésico, quem se lembra deles? Possivelmente só um executivo de um Estúdio de Hollywood para lhes copiar os gags!
“As Sandálias do Pescador”
Michael Anderson
Um dos filmes mais marcantes que vi no Cinema Europa foi “As Sandálias do Pescador” / “The Shoes of The Fisherman” de Michael Andersen, em que aprendi que o mundo estava dividido por um muro e um dia um homem oriundo desse outro lado chamado Kiril Pavlovich Lakota, um simples Arcebispo, iria chegar a Papa, embora na realidade ele se chamasse Antonio Rudolfo Oaxaca Quinn, fosse mexicano e se tornasse célebre em Hollywood com o nome de Anthony Quinn e nos meios mais populares, com o cognome de Zorba, o Grego! Este filme que me marcou bastante, contava também com o célebre “Fugitivo” da série de televisão, conhecido por David Janssen, e abriu-me os horizontes.
“A Solteirona”
Jean-Pierre Blanc
Quem me conhece, sabe que tenho uma profunda admiração pelo cinema francês e pela cultura francesa, especialmente no que diz respeito ao Cinema, Literatura e Belas-Artes, porque podemos continuar a ver o Jean-Paul Belmondo a fumar aqueles cigarros todos no “Acossado” de Godard e não temos as pistolas no “E.T.” de Spielberg a serem substituídas por telemóveis. Mas vamos ao que interessa ou seja essa bela película intitulada “A Solteirona” / “La vieille fille” de Jean-Pierre Blanc, com a Anne Girardot, a Marthe Keller, a Edith Scob e a Maria Schneider, porque neste filme o cinema e a vida respiram pelos fotogramas e aqui já começava a cultivar essa estranha “coisa” hoje em dia tão fora de moda que é a cinefilia.
Cinema Europa
O Cinema Europa foi uma das minhas salas favoritas, com a sua plateia em rampa, possivelmente já perceberam que não sou fan de balcões, mas se gostava tanto de ir ao cinema Europa, porque andava na Manuel da Maia, no Ciclo Preparatório, também foi aqui que cometi esse pecado, pela primeira vez, tantas vezes repetido, nos meus tempos de estudante, de faltar às aulas para ir ao cinema!
“Lawrence da Arábia”
David Lean
Nessa tarde só tinha duas aulas e então decidi ir conhecer o deserto. ou melhor ir ver o “Lawrence da Arábia” / “Lawrence of Arabia” de David Lean, mas como só tinha entrado nos dois dígitos da idade terrestre à pouco tempo, não percebi como esse filme iria ser longo e assim, quando aqueles árabes todos começaram a decidir a divisão do Médio-Oriente, sentados a uma mesa com todos a discutirem e sem ninguém se entender (discussão essa que continua nos dias de hoje, sem fim à vista), comecei a olhar para as horas e desde esse momento até terminar o filme tinha dois “écrans” no meu ângulo de visão: o da tela e o do relógio! E quando o filme terminou, saí disparado da sala, conseguindo descer a Calçada da Estrela mais depressa que o 28 da Carris e quando cheguei a casa a minha avó disse:
- Vens cansado por onde andaste?
- Decidi vir a pé pelo Jardim da Estrela e só depois reparei nas horas.
No dia seguinte a minha avó deu-me o bilhete do cinema que tinha esquecido no bolso das calças e recomendou-me que nada dissesse à minha mãe.
O magnífico Cinema Europa fechou as portas como Templo da Sétima Arte em 1981, foi transformado em Estúdio de gravação de televisão e recentemente viu nascer ali uma Biblioteca, fazendo parte da rede de Bibliotecas Municipais de Lisboa.
Rui Luís Lima
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