quarta-feira, 31 de julho de 2024

Eberhard Weber - "The Colours of Chlöe"


Eberhard Weber
"The Colours of Chlöe"
ECM 1042
ECM Records
1974

Eberhard Weber – bass, cello, ocarina, voice.
Rainer Bruninghaus – piano, synthesizer.
Peter Giger – drums, percussion.
Ralf Hubner – drums.
Ack van Rooyen – flugelhorn.
Geisela Schauble – voice.
Membros da Sudfunk Symphony Orchestra, Stuttgart.

“The Colours of Chlöe” de Eberhard Weber possui uma beleza profundamente cativante, explorando territórios musicais e sonoridades desconhecidos de muitos e que vale a pena descobrir.


Foi em Abril de 1974 que a editora ECM Records, do alemão Manfred Eicher, que dava os primeiros passos na criação de um dos mais originais e influentes universos musicais (conhecido na gíria como “o som ECM”), irá subverter por completo os géneros musicais criando novas sonoridades sem fronteiras, fruto de um trabalho de produção verdadeiramente talentoso. Em “The Colours of Chloe”, do contrabaixista Eberhard Weber, temos o pianista Rainer Brüninghaus, que também usa o sintetizador, os violoncelos da Südfunk Symphony Orchestra, ao qual se juntam as vozes de Gisela Schäuble e Eberhard Weber, nos coros, para além do característico som do contrabaixo do músico e compositor alemão (o instrumento foi construído segundo as suas próprias indicações para ter um som único), e ainda a bateria de Peter Giger e o fliscorne de Ack van Rooyen.

"The Colours of Chlöe” inicia-se com o tema “More Colours” surgindo logo a abrir a sonoridade dos violoncelos da Südfunk Symphony Orchestra, que irão preparar o terreno para a entrada dos restantes instrumentos. Já na faixa que dá nome ao álbum, iremos assistir a um diálogo sugestivo entre o famoso contrabaixo de Eberhard Weber e a bateria de Ralf Hübner, que só participa neste tema. Ao entrarmos em “An Evening with Vincent van Ritz”, descobrimos não só a voz como puro instrumento, mas também o som saído do fliscorne de Ack van Rooyen, cujas tonalidades envolventes surpreendem de imediato o ouvinte.


Chegamos assim ao último tema do disco, uma espécie de longa suite, que ocupa a totalidade do lado B do álbum de vinil, intitulada “No Motion Picture”, com uma introdução magnifica de Rainer Brüninghaus, sempre devidamente pontuada pelo contrabaixo de Eberhard Weber e da precursão de Peter Giger, até sermos envolvidos pela doçura da voz de Gisela Schäuble, num percurso onde não irão faltar os solos melodiosos, assim como a prestação dos violoncelos da Südfunk Symphony Orchestra, pintando de cores românticas este delicioso tema.

Por tudo o que ficou aqui escrito, fica bem patente como a música de Eberhard Weber revolucionou o jazz no verdadeiro sentido da palavra, abrindo caminhos até então por explorar, fazendo uma fusão verdadeiramente romântica de diversos estilos, que bem merece ser descoberto por todos, porque a sua música é universal. E numa altura em que o músico e compositor foi obrigado a abandonar os palcos devido a um insuperável problema de saúde, nunca é demais recordar a brilhante obra musical que nos deixou, tanto como intérprete como compositor.

Gravado em Dezembro de 1973 no Tonstudio Bauer, Ludwigsburg, por Kurt Rapp e Martin Wieland. Produzido por Manfred Eicher. Capa de Maja Weber (pintora e esposa de Eberhard Weber, que irá ser uma presença constante na feitura das capas dos álbuns em que o marido surge como líder). Layout de B & B Wojirsch. Fotografia de Kira Tolkmitt. Os músicos Ralf Hubner e Ack von Rooyen tocam apenas no tema “The Colours of Chloe”. Todas as composições são da autoria de Eberhard Weber.

Rui Luís Lima

terça-feira, 30 de julho de 2024

Marguerite Yourcenar - “Mishima ou a Visão do Vazio” / “Mishima ou La vision du vide”


Marguerite Yourcenar
“Mishima ou a Visão do Vazio”
Páginas: 100
Relógio D’Água

Marguerite Yourcenar
“Mishima ou La vision du vide”
Páginas: 128
Folio / Gallimard


Marguerite Yourcenar, a célebre escritora de “Memórias de Adriano”, que foi responsável pelo belo prefácio da edição francesa da célebre tetralogia “O Mar da Fertilidade” (4. Vols.) do escritor japonês Yukio Mishima, oferece-nos neste belo ensaio dedicado à sua vida e obra uma viagem inesquecível e fundamental, para conhecermos melhor este fabuloso escritor japonês, que bem merece não ser esquecido, aliás no fabuloso diário de Philippe Sollers “L’année du Tigre – Journal” (1998) ele refere, a dado passo, ter sido surpreendido ao saber que no Japão já ninguém lia Yukio Mishima, mas sim Kenzaburo Oe. Passado quase meio-século sobre a morte de Yukio Mishima (1970) talvez seja possível afirmar que Murakami é o escritor mais lido actualmente no Japão.


Mas regressando ao que nos interessa, como muitos da minha geração, descobri Yukio Mishima através de um texto pulicado por António Mega Ferreira no JL, aquando da edição de “O Marinheiro Que Perdeu as Graças do Mar”(Assírio e Alvim) e neste livro de Marguerite Yourcenar encontramos inicialmente uma abordagem à obra literária de Mishima, para assim melhor compreendermos o Escritor e só depois o Homem, revelando-se fundamental a leitura/conhecimento dos quatro volumes de “O Mar da Fertilidade”, obra derradeira do escritor e terminada por este na véspera do seu suicídio.

Yukio Mishima & Yoko Sugiyama

Iremos assim viajar pela obra de Yukio Mishima através das palavras de Marguerite Yourcenar que, em certos momentos, é verdadeiramente poética, desde os primeiros tempos em que optou por ser escritor, recusando seguir os conselhos do pai, que pretendia que ele seguisse a carreira de funcionário público, até chegar a esse momento capital em que “Confissões de uma Máscara” lhe oferecem a fama no Japão. Já os célebres romances populares, que escreveu ao longo do tempo e que foram uma das suas fontes de sobrevivência económica, nunca foram traduzidos fora do Japão, como nos confirma Marguerite Yourcenar. Pessoalmente, durante alguns anos, ainda alimentei a esperança de os encontrar em versão francesa.


De referir ainda a obra teatral de Yukio Mishima, que até é bem considerável, mas que nunca teve tradução portuguesa, que eu saiba, embora esteja disponível em francês, assim como esse volume, fundamental para o conhecermos ainda melhor, que reúne a sua correspondência com Yasunari Kawabata, que tal como Mishima se irá suicidar, precisamente um ano depois, embora tenha optado por uma morte bem diferente e “tranquila” (inalação de gaz), tendo confessado dias antes que tinha sido “visitado” por Yukio Mishima.

Marguerite Yourcenar
(1903 - 1987)

“Mishima ou Uma Visão no Vazio” revela-se uma verdadeira pintura de cores bem vivas da vida do célebre escritor Japonês, que ambicionava que o reconhecimento literário obtido no seu país transpusesse as fronteiras do Japão, mas as suas visitas a Paris e à América, revelaram-se bastante frustrantes para Yukio Mishima e depois também descobrimos que certos biógrafos ocidentais, referidos por Marguerite Yourcenar, fizeram leituras bem desastrosas da sua vida, fazendo-me recordar uma inenarrável biografia de Sartre assinada por uma senhora americana, que tive a infelicidade de ler.

Yukio Mishima
(1925 - 1970)

Este livro de Marguerite Yourcenar é fundamental para conhecermos Yukio Mishima e a sua obra literária, verdadeiramente incontornável, no universo das letras e a sua leitura é mais do que recomendável, tal como o filme que Paul Schrader lhe dedicou e sobre o qual já escrevemos aqui. Por outro lado, se sofrer desse célebre complexo do politicamente correcto, recordo-lhe, para seu alívio, que um conhecido elemento da extrema-direita japonesa ameaçou o escritor de morte, após se ver retratado no livro “Depois do Banquete” (Relógio D’Água).


Marguerite Yourcenar transforma este ensaio sobre Yukio Mishima num belo romance contemporâneo, sobre um dos maiores nomes do universo literário.

Rui Luís Lima

segunda-feira, 29 de julho de 2024

Alfred Hitchcock - “Janela Indiscreta” / Rear Window”


Alfred Hitchcock
“Janela Indiscreta” / Rear Window”
(EUA - 1954) – (112 min. / Cor)
James Stewart, Grace Kelly, Raymond Burr.

Janela Indiscreta” / “Rear Window”, possui o mais belo beijo da História do Cinema, melhor ainda que o beijo apaixonadamente cínico de Cary Grant a Ingrid Bergman em “Notorius” / ”Difamação” e do que esse beijo, profundamente carnal, dado por Sean Connery a Tippi Hedren em “Marnie”.


Vamos fechar, para já, esta janela indiscreta e voltar um pouco atrás no tempo… no último ano do século xix, nasceu num bairro londrino, o terceiro filho de uma família modesta e católica, que foi baptizado de Alfred Hitchcock.

Desde muito cedo começou a interessar-se pelo cinema, principalmente o americano (Griffith, Chaplin) e por histórias policiais. Iniciou-se na Sétima Arte a desenhar os cartazes e os célebres intertítulos. Mais tarde, passou a argumentista e a assistente de realização. Quando o produtor Michael Bacon lhe perguntou se gostava de realizar um filme, o jovem Hitch respondeu que nunca tinha pensado nisso. Algumas semanas depois nascia "The Pleasure Garden”.


Como sabemos, todos os filmes nascidos do seu olhar são portadores da sua marca e um dia, com uma certa graça definiu desta forma a sua Arte, afirmando que “um cinema é um écran diante de uma quantidade de cadeiras que é preciso encher. Sou obrigado a fazer suspense. Sem isso as pessoas ficavam desapontadas”.

Nunca desapontou ninguém, mesmo quando trocou o Velho Continente pelo Novo Mundo, obtendo imediatamente o “Oscar” de Melhor Filme com o seu primeiro filme americano, produzido por David O’Selznick, o célebre “Rebecca”.


As suas películas sempre tiveram a adesão do público, mas algumas estiveram ausentes do circuito comercial, durante cerca de vinte anos, devido a questões de direitos. Foram elas “Janela Indiscreta”, “A Corda”, “O Terceiro Tiro”, “O Homem Que Sabia Demais” e “Vertigo”/”A Mulher Que Viveu Duas Vezes” e como James Stewart dizia no "trailer" de relançamento destes cinco filmes, “Rear Window é o meu preferido!”


Janela Indiscreta”/”Rear Window”, data de 1954, tinha como protagonistas James Stewart e Grace Kelly, a quem Alfred Hitchcock chamava “o vulcão debaixo do gelo”. Nesta película, figura o mais belo beijo da História do Cinema como já dissemos, quando Grace Kelly entra em casa de James Stewart e se debruça para o beijar num grande plano em ralenti; enquanto os seus lábios se tocam ardentemente, o cabelo dela desce docemente sobre o rosto dele.


Jefferies (James Stewart), fotógrafo de profissão, encontra-se imobilizado numa cadeira de rodas, com uma perna partida e o seu único passatempo é observar as casas dos vizinhos do prédio em frente. O seu instrumento de trabalho são uns binóculos e posteriormente uma teleobjectiva possuidora de um zoom quase mortal. Os seus jogos de olhar conduzem-nos ao desaparecimento de Mrs. Thorwald, o qual tinha sido cuidadosamente planeado pelo marido.


Devido ao seu estado de imobilidade é Lisa (Grace Kelly) a sua companheira inseparável, o agente no terreno, de toda a acção. E o olhar do espectador confunde-se com o da câmara, residindo aqui o segredo de Alfred Hitchcock. A questão que se coloca não é descobrir o autor do crime, mas sim como o apanhar na rede e encontrar o corpo desaparecido.


Lars Thorwald (Raymond Burr) é apanhado mas Jefferies (James Stewart), em vez de uma perna partida passa a ter duas, ao mesmo tempo que é “forçado” a conquistar uma esposa feliz, chamada inevitavelmente Lisa (Grace Kelly), que não resiste a continuar a ler a fascinante “Bazaar”!


Grace Kelly fez três filmes com Alfred Hitchcock: o primeiro "Chamada para a Morte" / "Dial M for Murder", em que representava a loura inocente vítima de uma tentativa de assassínio orquestrada pelo próprio marido (recorde-se que a obra baseada numa peça teatral possui uma versão em três dimensões), depois foi a consagração com este "Janela Indiscreta", até chegar a esse momento mágico intitulado "Ladrão de Casaca" / "To Catch a Thief", a mais divertida comédia de Hitchcock, onde a actriz surge possuidora de uma sensualidade perturbante, trazida já do anterior filme e depois foi esse desejo fatal de passear nas ruas do pequeno Principado do Mónaco, que a fez passar de Estrela de Cinema a Princesa.


Durante muito tempo, Grace Kelly desejou protagonizar um "come-back" cinematográfico e Alfred Hitchcock também o esperava, o filme eleito foi "Marnie" e os preparativos foram feitos, até que a voz do Príncipe falou mais alto. Grace Kelly foi obrigada a desistir do seu regresso à Sétima Arte. Ainda se falou numa consulta aos habitantes do Principado, para se saber se gostariam de ver a sua Princesa de regresso ao cinema, num filme de Alfred Hitchcock, mas tudo não passou de um desejo por realizar. Tippi Hedren foi a escolhida para protagonista, revelando-se como a fórmula mais próxima de Alfred Hitchcock rever Grace Kelly num filme seu. Desta forma Grace Kelly que inicialmente dissera que sim, acabaria por dizer não a uma das suas paixões; a mais célebre loura de Hitchcock terminava assim a carreira cinematográfica.


Hoje, tal como ontem, nenhum espectador de cinema fica indiferente a "Janela Indiscreta" / “Rear Window” considerado por muitos a obra-prima de Alfred Hitchcock ou uma das obras-primas do cineasta. Como todos sabemos é sempre difícil decidir entre este filme e "Vertigo" ou "Difamação" / "Notorius", embora a película preferida do cineasta seja "Mentira" / "Shadow of a Doubt".


Todos nos recordamos das inúmeras vezes que "Janela Indiscreta" / ”Rear Window” foi citado no cinema (Brian de Palma), ou os "falsos remakes" da película como sucede com "Olhos Indiscretos", mas a todos eles faltam os actores, porque James Stewart e Grace Kellysão foram únicos e depois há sempre esse saber, mais-que-perfeito, do Mestre do Suspense.

Rui Luís Lima

domingo, 28 de julho de 2024

Rádio - Os Cantores do Rádio!

Rádio - Os Cantores do Rádio!

A minha memória do José Nuno Martins na radio vem primeiro de um programa ao fim-de-semana no FM intitulado “A Cidade Eléctrica”, habitado pela música rock e só depois este fabuloso programa de rádio dedicado à Música Popular Brasileira e bem conhecido do público em geral: “Os Cantores do Radio”, que nos envia de imediato para a célebre canção do Chico Buarque com a Maria Bethânia e a Nara Leão.

José Nuno Martins

Nesses anos a Música Popular Brasileira estava em alta no nosso país com os nomes mais que cimentados de Chico Buarque, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Vinicius e Toquinho, Gal Costa, Elis Regina, Simone e Fáfá de Belém a terem uma enorme audiência na rádio, mas José Nuno Martins tinha muito mais para oferecer, ou seja Milton Nascimento, Wagner Tiso, Hermeto Pascoal, Egberto Gismonti, Airto Moreira, Taiguara, Joyce, Flora Purim e falo aqui apenas nos nomes que me entraram em casa através das ondas hertzianas da rádio e me alegraram as tardes de fim-de-semana.

Nos dias de hoje quando escuto Música Popular Brasileira, recordo-me sempre do célebre programa de rádio “Os Cantores do Rádio” de José Nuno Martins.

Rui Luís Lima

Chico Buarque / Nara Leão / Maria Bethânia
Tema: Os Cantores do Rádio
Indicativo do programa
"Os Cantores do Rádio"

sábado, 27 de julho de 2024

Graham Nash - “Chicago” / “Simple Man”


Graham Nash
“Chicago” / “Simple Man”
Single / 45 RPM
Atlantc
Ano: 1971

Graham Nash

Um dos maiores grupos de folk rock norte-americanos foram os “Crosby, Stills, Nash And Young”, considerado um verdadeiro “Super Grupo”, sendo os seus quatro membros verdadeiras Instituições Musicais deste Planeta. Mas os quatro iniciaram as suas carreiras noutras bandas também elas célebres. David Crosby era oriundo dos “The Byrds”, Stephen Stills e Neil Young pertenciam aos famosos “Buffalo Springfield” e Graham Nash era o vocalista dos “The Hollies”.

The Hollies

Para aqueles que não sabem, temos nesta banda um britânico (Graham Nash), um canadiano (Neil Young) e dois americanos (David Crosby e Stephen Stills) e recorde-se que Graham Nash abandonou os The Hollies no auge da fama para constituir com o seu amigo David Crosby os célebres “Crosby, Stills & Nash”, que depois irão receber de braços abertos Neil Young, como todos vimos no Festival de Woodstock, no filme montado por Martin Scorsese e realizado por Michael Waldleigh.

Crosby, Stills & Nash

Ao longo da sua extensa carreira Graham Nash também formou um duo com David Crosby, conhecido simplesmente como “Crosby & Nash”, da mesma forma que Neil Young e Stephen Stills, irão constituir a “Stills and Young Band” para nos oferecerem o fabuloso álbum “Long May You Run”, tendo também todos eles encetado e gravado ao longo dos anos uma carreira a solo com diversas pérolas discográficas.

Crosby, Stills, Nash & Young

Foi assim que eu descobri na Radio este fabuloso “Chicago”, incluído no primeiro álbum a solo de Graham Nash, intitulado “Songs For Beginners” (1971), tinha eu uma dúzia de anos, para depois, já na idade adulta, ir adquirir este álbum, mas então, nessa época, estava a dar os primeiros passos na matéria musical e foi com a minha avó que na Discoteca do Grandela em Lisboa fui comprar o single, recordo-me que era no último andar que se situava a discoteca; quando cheguei a casa fiquei fascinado pelo tema do lado B do disco, que me era totalmente desconhecido e que considero uma das mais belas baladas de Graham Nash intitulada “Simple Man”!

Crosby & Nash

Ao longo da minha passagem por este triste planeta azul, continuo a seguir a extraordinária carreira musical destes quatro enormes poetas e compositores chamados Graham Nash, David Crosby, Stephen Stills e Neil Young!

Nota: A capa reproduzida é a do single comprado em 1971.

Rui Luís Lima

sexta-feira, 26 de julho de 2024

Fernando Pessoa - "O Banqueiro Anarquista"


Fernando Pessoa
"O Banqueiro Anarquista"
Páginas:112
Assírio & Alvim

O conto “O Banqueiro Anarquista” foi publicado em 1922 na Revista Contemporânea, sendo assinado por Fernando Pessoa e não por nenhum dos seus heterónimos. Ao longo dos anos têm surgido diversas edições da obra e uma das mais recentes foi dada à estampa pela “Assírio e Alvim”, sendo a responsável pela edição Manuela Parreira da Silva, que nos apresenta o texto tal como foi publicado na época, juntando em anexo os diversos acrescentos feitos pelo escritor, numa tentativa posterior de desenvolver mais o texto, para uma possível edição em Inglaterra, o que não veio a suceder. Recorde-se que na época em que foi escrito o Movimento Anarquista tinha grande influência nos meios operários portugueses, editando-se o famoso jornal diário “A Batalha”.

Este belo livro de Fernando Pessoa (tão actual) oferece-nos o diálogo entre duas personagens que, ao lermos os textos em anexo, iremos descobrir que se encontram num restaurante, possivelmente na Rua dos Douradores, essa célebre rua onde um dia se irão cruzar Fernando Pessoa e o seu heterónimo Bernardo Soares.


Apresentando-se como um texto reflexivo e satírico no verdadeiro sentido da palavra, já que ninguém imagina ser possível haver um banqueiro a defender o anarquismo, iremos acompanhar o raciocínio do banqueiro que nos irá contar a sua história de sucesso, desde os tempos em que nasceu numa família humilde, passando pela época em que acompanhou os anarquistas, até perceber que o verdadeiro anarquismo só poderia ser encontrado por si próprio numa luta contra o capital, usando os mesmos expedientes do capitalismo para obter sucesso e dinheiro, podendo assim defender em tranquilidade a verdadeira doutrina anarquista, sem chefes nem patrões.

Fernando Pessoa por Almada Negreiros

Ao longo da conversa, o banqueiro anarquista com o seu charuto e cognac irá desenvolver a sua teoria, em contraponto às doutrinas existentes na época, já que o socialismo começava a ter os seus adeptos e os acontecimentos da revolução russa faziam inevitavelmente eco no nosso país e aqui o banqueiro anarquista irá desmontar tanto o capitalismo como o socialismo, usando o primeiro para demonstrar como subiu na escala social, enquanto o segundo só irá atrasar a libertação do homem, porque também ele possui os seus patrões em torno de uma doutrina, que necessita de ter sempre essa voz de comando, tão contrária ao movimento anarquista.

Fernando Pessoa por Costa Pinheiro

O leitor deste conto percebe como Fernando Pessoa se encontra bem informado politicamente usando o humor com imenso saber, à medida que vai desmontando as reflexões do seu interlocutor.

“O Banqueiro Anarquista”, que possui um excelente posfácio da responsabilidade de Manuela Parreira da Silva, ao ser lido nos dias de hoje, continua a possuir um enorme fascínio, esse mesmo fascínio que a incontornável obra de Fernando Pessoa transmite a quem a lê.

Rui Luís Lima

quinta-feira, 25 de julho de 2024

François Truffaut - "O Último Metro" / "Le Dernier Metro"


François Truffaut
"O Último Metro" / "Le Dernier Metro"
(França – 1980) – (123 min. / Cor)
Catherine Deneuve, Gérard Depardieu, Heinz Bennet, Jean Poiret, Richard Bohringer.

François Truffaut é um nome incontornável do cinema francês e “O Último Metro” / “Le Dérnier Metro” um dos seus maiores sucessos comerciais, a abrir a sua última década de trabalho no grande écran. Mais uma vez iremos ter uma das suas musas de sempre, a bela Catherine Deneuve, a surgir num dos seus melhores registos ao lado de Gerard Depardieu. E desta vez Truffaut decidiu analisar o período da ocupação e a resposta que os franceses deram à invasão.


Como todos estamos recordados, após a chegada das tropas alemãs a Paris, a França ficou de certa forma dividida até 1942, quando os alemães decidiram entrar na famosa zona de Vichi, dando por terminada uma paz dúbia e colaboracionista do Marechal Pétain, que deixou muito más recordações na memória de todos.


Em “O Último Metro” / “Le Dérnier Metro” entramos nessa Paris ocupada, através do mundo do Teatro, mais concretamente o “Teatro de Montmarte” dirigido por Lucas Steiner (Heinz Bennett), que é obrigado a refugiar-se na cave do seu Teatro e ali permanecer até à libertação, em virtude de ser judeu, passando a direcção do Teatro para as mãos da sua mulher Marion (Catherine Deneuve), ao mesmo tempo que vamos assistindo ao anti-semitismo que então vivia no coração de muitos franceses, representados aqui pela figura do crítico teatral Jean-Louis Cottins (Jean Poiret) que pretende denunciar, através das suas crónicas no jornal que dirige, todos os judeus que ainda existem na capital, num acto de colaboracionismo com as novas autoridades do Terceiro Reich.


Marion prepara a fuga do marido mas, a pouco e pouco, compreende que essa fuga está devotada ao fracasso já que muitos dos que ajudam os fugitivos, depois de receberem o dinheiro destes, os entregam aos nazis para estes serem enviados para esses campos de concentração de má memória. Por esta razão, a única solução será Lucas Steiner permanecer na cave do Teatro por tempo indeterminado, sendo ela a única a conhecer o seu paradeiro.


Nessa época, o Teatro era um dos poucos locais de refúgio dos franceses de um quotidiano que se apresentava cada vez mais negro, com as diversas investidas da Gestapo que prendiam todos os suspeitos. E será durante esse período que ela irá aceitar no elenco de uma nova peça o actor Bernard Granger (Gerard Depardieu), que possui uma admiração infinita por ela e pelo trabalho do marido.


François Truffaut irá apostar num filme em que o Teatro é o tema, assim como a relação entre os seus componentes, numa época onde o medo e o terror andavam de mãos dadas, oferecendo-nos a visão de uma França ocupada e da sua luta, vista de um grande palco.


Se Bernard Granger é um daqueles actores mulherengos, sempre a fazer a corte à primeira mulher que lhe surge pela frente, bastando ver o seu comportamento com a responsável pelo guarda-roupa do Teatro, ele é também um daqueles homens inconformados, com laços à resistência, essa mesma resistência tão débil e heróica, como um dia nos demonstrou Jean-Pierre Melville no seu magnifico filme “O Exército das Sombras” / “L’armée des ombres”, mas que não vira a cara à luta, enfrentando o adversário de cara descoberta como sucede no restaurante em que Bernard enfrenta o crítico teatral, depois deste ter escrito mais uma das suas crónicas anti-semitas, denegrindo a figura de Marion Steiner (Catherine Deneuve).


François Truffaut oferece-nos, mais uma vez, um dos seus segredos cinematográficos: a fabulosa direcção de actores, ao mesmo tempo que o “raccord” é perfeito, não havendo um plano a mais nem um plano a menos.

O amor de sempre de Marion vive refugiado na cave, mas com o passar do tempo esta descobre um outro ser para amar na figura de Bernard e os sinais começam a nascer entre a directora do Teatro e o jovem actor numa comovente história de amor.


Lucas Steiner, a pouco e pouco, começa a sentir a mudança na mulher que o protege, terminando por confessar a Bernard que sabe que ela o respeita, embora tenha conhecimento que os seus afectos se dirigem cada vez mais para o jovem actor e assim nasce um daqueles triângulos apaixonantes do qual só o espectador poderá decidir o resultado final quando, após a libertação, é revelado ao público presente na sala que Lucas Steiner sempre se manteve escondido no interior do Teatro e nesse preciso momento vemos Marion e Bernard de mãos dadas a agradecer os aplausos do público, para depois ela se colocar entre os dois homens, dando as mãos a ambos, num dos mais belos gestos de amor pelo teatro da vida.


“Le Dérnier Metro” / “O Último Metro” é uma das mais belas e comoventes obras desse cineasta que amou perdidamente o cinema e os seus actores, chamado François Truffaut.

Rui Luís Lima

quarta-feira, 24 de julho de 2024

Bill Evans - "You Must Believe in Spring"


Bill Evans
"You Must Believe in Spring"
Warner Bros Records
1981

Bill Evans – piano
Eddie Gomez – bass
Elliot Zigmund - drums

1 – B Minor Waltz (For Elaine)
2 – You Must Believe In Spring
3 – Gary’s Theme
4 – We Will Meet Again (For Harry)
5 – The Peacocks
6 – Sometime Ago
7 – Theme From M*A*S*H* (aka Suicide Is Painless)
8 – Without a Song
9 – Freddie Freeloader
10 – All Of You

Bill Evans
(1929 - 1980)

Bill Evans começou a estudar piano clássico aos 6 anos, através da forte influência da sua mãe, tendo também aprendido a tocar flauta e violino. Revelando toda a sua índole de criança precoce e genial na Arte da Música, estudou composição no Mannes College of Music, revelando sempre um certo carinho pela denominada música erudita, ao enveredar pelo jazz, não tendo complexos quando abordou de forma brilhante o universo de Bach.


Como não podia deixar de ser, em finais dos anos 50 (séc.xx), Bill Evans irá integrar o sexteto de Miles Davis, (foram várias as gerações que tocaram com o Mestre do Trompete) para depois formar com Scott LaFaro e Paul Motian um dos trios mais inventivos e brilhantes da história do jazz, mas que irá ter um fim abrupto com a morte de Scott LaFaro num acidente de automóvel. Tanto em trio como em piano solo Bill Evans explorou como ninguém essa magnifica Enciclopédia que é o “Great American Song Book”, ao mesmo tempo que criava em nome próprio melodias inesquecíveis, como a célebre “Waltz for Debbie”, que se irá tornar um eterno clássico do jazz.

A sua forma de abordar a música influenciou os maiores nomes da geração que se lhe seguiram na arte do piano e estamos a falar de nomes como Keith Jarrett, Chick Corea, Herbie Hancock e Brad Mehldau, só para referir alguns, ao mesmo tempo que o célebre guitarrista John McLaughlin confessava a influência de Bill Evans na sua música mais intimista, tendo-lhe até dedicado um magnífico álbum.


Ao longo dos anos foram inúmeros os músicos que com ele trabalharam, mas o seu encontro com o contrabaixista Eddie Gomez foi fundamental para superar esse enorme vazio deixado pela morte de Scott LaFaro, com quem tinha uma empatia perfeita nesse formato clássico do trio de jazz. E o belo e genial “You Must Believe in Spring”, derradeiro trabalho de Bill Evans, conta precisamente com a participação de Eddie Gomez no contrabaixo e Elliot Zigmund na bateria.

“You Must Believe in Spring” é o tema que dá título a este álbum gravado em Agosto de 1977, da autoria do célebre compositor francês Michel Legrand, que Bill Evans nos oferece neste seu derradeiro trabalho discográfico, cativando de imediato o ouvinte, mal se escutam os primeiros acordes do seu piano, mas o tema de abertura do álbum, da autoria do próprio pianista e intitulado “B Minor Waltz (For Ellaine)” é de uma beleza indescritível, uma verdadeira pérola. Depois temos mais cinco temas que se irão revelar como o mais belo testamento que um músico de jazz deixou para a posteridade, porque ao escutarmos a serenidade da sua Arte mergulhamos no conhecido universo melódico de um dos maiores pianistas de sempre da história do jazz.


A primeira edição de “You Must Believe in Spring”, oferece-nos sete temas, todos eles em trio, sendo dois deles da autoria do próprio Bill Evans e os restantes de Michel Legrand, Sergio Mihanovich, Jimmy Rowles e Johnny Mandel (com o famoso “Theme From Mash)”, tendo sido incluído na contracapa do álbum um magnifico poema de Bill Zavansty intitulado “Elegy (For Bill Evans, 1920 – 1980) numa homenagem a este génio do piano.

Quando foi lançada a reedição de “You Must Believe in Spring”, em cd, a editora Warner Bros. Ofereceu-nos mais três temas extras da autoria de Miles Davis (“Freddie Freeloader”), Cole Porter (o célebre “All of You”) e Edward Eliscu (“Without a Song”), em que Bill Evans troca o piano clássico pelo piano eléctrico, oferecendo-nos da mesma forma todo o seu saber, ao mesmo tempo que a cumplicidade do trio permanece bem viva, revelando assim essa famosa empatia que sempre os caracterizou ao longo dos anos.


“You Must Believe in Spring” de Bill Evans, revela-se o testamento perfeito da maravilhosa Arte deste genial pianista e compositor norte-americano. Estamos perante um álbum incontornável para todos os que amam a arte musical.

Rui Luís Lima

Bill Evans
Tema: You Must Belive in Spring
Álbum: You Must Believe in Spring
Ano: 1981