quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Michael Curtiz - “Casablanca”


Michael Curtiz
“Casablanca”
(EUA – 1943) – (101 min. - P/B)
Humphrey Bogart, Ingrid Bergman, Paul Henreid, Claude Rains, Peter Lorre.

Quem é que não viu “Casablanca”? Esta interrogação, nos dias de hoje, parece reunir um número cada vez mais elevado de pessoas. O nome da película e a sua história todos conhecem, os intérpretes também, estando os nomes de Ingrid Bergman e Humphrey Bogart perfeitamente associados ao filme, já o nome do realizador húngaro Michael Curtiz como responsável pelo filme (entre tantos que deixaram a sua marca) é desconhecido de muitos e se dissermos que “Casablanca” foi rodado durante a Guerra e que na estreia muito pouco se falou e escreveu sobre ele, poucos irão acreditar mas é verdade.


“Casablanca” no início da sua produção era mais um filme patriótico, naquilo a que se chamou o esforço de guerra da Indústria de Hollywood. O argumento foi baseado numa peça de teatro que nunca foi publicada ou levada ao palco. Quanto aos actores para protagonizarem as figuras de Rick e Ilsa, as primeiras escolhas foram George Raft e Hedy Lamarr; o primeiro não aceitou, embora o papel não fosse de gangster, sua especialidade e mais tarde a sua cruz, já a Hedy estava virada para outros palcos, assim nasceu uma nova dupla para encarnar o mais famoso par amoroso da história do cinema composta por Ronald Reagan e Ann Sheridan, estamos a ver os “takes” a serem repetidos porque o Ronald se esquecia das suas linhas (sucedia com frequência segundo Ida Lupino nos conta na sua biografia). Escolher um par para mais um filme sobre a guerra parecia ser extremamente difícil, por fim chegou-se à terceira escolha e os nomes foram Humphrey Bogart e Ingrid Bergman e nunca o cinema teve par tão mágico como o criado em “Casablanca”. Quando nos referimos a eles são sempre as luzes do "Rick’s Café", que brilham na entrada da nossa memória. Essa entrada majestosa, não para um filme de guerra, mas sim para uma das mais belas histórias de amor de sempre.


Como podemos verificar, o nascimento de “Casablanca” foi um parto muito problemático, mas com ele nasceram os mais célebres diálogos do cinema, tantas vezes citados ao longo da história do cinema como o “here’s looking at you, Kid”. “Casablanca” nasce em plena guerra e nele se fala de refugiados aos nazis que vêm no voo para Lisboa, a tão desejada salvação, porque depois só lhes resta esperar pelo avião para a América e assim iniciar uma nova vida, onde o terror e o medo não terão lugar. Porém “Casablanca” está sobre a autoridade de Vichi e do seu líder esse Marechal Pétain, que de herói na Primeira Guerra Mundial, passou a traidor na Segunda Guerra Mundial, essa administração francesa fiel colaboradora e aliada dos nazis e o “Rick’s Café” irá servir de palco à sua luta.


Conhecido de todos os refugiados à espera de visto, o capitão Renault (Claude Rains), todas as noites vai até ao "Rick's Cafe" buscar os seus dividendos do jogo clandestino e mesmo quando Ugarte (Peter Lorre) é apanhado, o criado não se esquece de lhe entregar a sua percentagem.


“Casablanca” começa a ser uma história em que dois vistos são o desejo mais ambicionado de um casal célebre pela sua luta contra o poder alemão, constituído por Ilsa e Victor Laszlo (Ingrid Bergman e Paul Henreid), que curiosamente é húngaro, tal como Mihaly Kertesz, o cineasta deste filme, que "americanizou" o nome para Michael Curtiz. Mas nestas coisas de pares “perfeitos” há sempre um passado que se esconde por detrás de uma música e ela é “as time goes by” e quando Sam (Dooley Wilson) começa a tocá-la e Rick (Humphrey Bogart) surge irritado a mandar que ele termine imediatamente a canção, um sinal do pianista indica-lhe a autora do pedido e nesse preciso instante nasce perante nós a mais bela história de amor do cinema, composta por Ilsa e Rick.


E esta bela história, em que o amor e a lealdade entram em guerra, deu a maior dor de cabeça a toda a equipa do filme, desde o realizador aos actores, passando pela produção, tudo porque os irmãos Epstein, (os cavalheiros até eram gémeos) não se decidiam qual o melhor final para “Casablanca”. As filmagens continuavam e mesmo nos últimos dias a incógnita permanecia. Ao viverem tão intensamente essa incerteza, Humphrey Bogart e Ingrid Bergman transportaram para o écran o mais belo olhar de sempre, aqueles olhos falavam e diziam sim quando pretendiam dizer não, partiam quando pretendiam ficar e por fim davam origem a uma das mais maravilhosas sequências da Sétima Arte.


Rever “Casablanca” como ele foi feito é um dos momentos mais gratificantes da vida de um cinéfilo, esquecendo esse momento em que Ted Turner decidiu apresentar a sua versão a cores do filme. Na época a revista “American Film” mostrou os diversos resultados e todos vimos depois essa versão na televisão, mas não passou de uma experiência, porque só podemos rever “Casablanca” no seu fabuloso preto e branco.


Mas nem só do par ou trio amoroso vive “Casablanca”, porque nele temos o inesquecível capitão Renault (Claude Rains), cínico, quanto basta, para sobreviver entre nazis e refugiados e com uma moral em que a célebre frase “prendam os suspeitos do costume” acabaria por fazer escola e no célebre final ofereceu a Rick a sua amizade e partiram juntos, atirando fora a garrafa de água de Vichi que tinha na mão, os ventos da guerra estavam a mudar e Vichi iria cair como a garrafa no caixote do lixo da História, muitos na época mudaram de casaco e passaram de colaboracionistas ou simples espectadores para valorosos resistentes fazendo sucesso, mas isso já é a repetição da história da humanidade através dos séculos.


Depois temos Ugarte (Peter Lorre), o homem que matou o correio alemão, colocando a sua vida em risco simplesmente por dinheiro. Quando vimos Sam, o pianista (Dooley Wilson), encontramos o fiel amigo de Rick desde os tempos de Paris, que é “vendido” por Rick aquando da transacção do café. Já Ferrari (Sidney Greenstreet) representa a concorrência e domina o mercado negro, sempre presente, mas muitas vezes invisível. Por fim o Major Strasser, que viu o hino alemão a ser derrotado pela “Marselhesa”, num daqueles momentos que fez vibrar o público de então. Não nos esquecemos de Victor Laszlo (Paul Henreid), o resistente fugido de um campo de concentração e marido de Ilsa, ele é o herói da história, só que sem a ajuda de Rick ele seria apenas uma figura sem personagem, porque os heróis desta história são Rick e Ilsa, porque foram eles que tudo perderam por uma causa, embora o amor os mantenha vivos, esperando por um reencontro num café qualquer de uma rua de Nova Iorque, ou quem sabe, nessa Paris dos apaixonados.


“Casablanca” é hoje um filme intemporal, embora a sua acção se passe num período específico, apresentando-se como um dos momentos mágicos do cinema, porque se Rick e Ilsa terão sempre Paris, nós os amantes de cinema teremos sempre “Casablanca” para viver o amor e imaginar aquela noite passada no café entre Rick e Ilsa, que a célebre elipse nos escondeu do olhar, mas que não foi capaz de nos tirar do imaginário. “Casablanca” e a sua história de amor, continuam a viver no coração da cinefilia, para bem da paixão do Cinema.

Rui Luís Lima

2 comentários:

  1. "Casablanca" de Michael Curtiz quando surgiu nos écrans foi simplesmente mais um filme a apoiar o esforço da guerra, tendo a escolha do elenco sido atribulada, tal como a escrita do argumento cujo final ainda não estava decidido quando o filme começou a sua rodagem, mas seria nos anos 60 que ele viria a ser redescoberto tornando-se num dos filmes mais vistos de sempre, conquistando a categoria de "cult-movie".

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