sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Claude Chabrol - “No Coração da Mentira” / “Au Coeur du Mensonge”


Claude Chabrol
“No Coração da Mentira” / “Au Coeur du Mensonge”
(França – 1999) – (113 min. / Cor)
Sandrine Bonnaire, Jacques Gamblin, Antoine de Caunes,
Valeria Bruni Tadeschi, Bulle Ogier, Noel Simsolo.

O cineasta francês Claude Chabrol - (1930 - 2010) - prossegue, com este filme, a sua viagem ao pequeno quotidiano mergulhando, desta feita, numa pequena aldeia na Bretanha, analisando o comportamento dos seus habitantes após ser descoberta uma criança morta num bosque.


A última pessoa que esteve com ela foi o seu professor de desenho René Sterne (Jacques Gamblin), após lhe ter dado mais uma aula particular e de imediato as suspeitas caiem sobre este professor e pintor sem sucesso, que perde todos os seus alunos. Embora não seja acusado de nada pela Inspectora Lesage (Valéria Bruni Tedeschi) recentemente chegada à comunidade, sente as suspeitas de todos a navegar em seu redor, transformando-se a sua vida num verdadeiro calvário, só encontrando apoio na sua mulher Vivianne (Sandrine Bonnaire, numa interpretação poderosa) e no velho Inspector Loudun, que o conhece melhor do que ninguém.


Claude Chabrol mergulha numa leitura perfeita do microcosmo de uma comunidade, oferecendo-nos o retrato tão característico dos seus habitantes, que se conhecem desde sempre, introduzindo também a figura do forasteiro, um jornalista célebre que se tornou escritor de sucesso e que escolheu aquela aldeia para escrever os seus livros, mas sempre destilando uma superioridade pseudo-intelectual e citadina perante os habitantes da aldeia, espalhando o seu charme por todos, ao mesmo tempo que tenta conquistar o coração Vivianne, cuja relação com o marido vive um momento difícil já que ele co-habita de forma imperfeita com as suspeitas que pendem sobre ele, ao mesmo tempo que nutre uma enorme aversão pelo escritor. E no dia em que este aparece morto perto da moderna casa em que vive, a sua morte de imediato faz dissipar a nuvem sobre o assassínio da criança, tornando-se a investigação deste crime primordial, já que é notícia em todos os telejornais do país.


Entramos assim no verdadeiro coração da mentira, em que um crime poderá esconder outro, à boa maneira hitchcockiana de quem Claude Chabrol foi sempre um profundo admirador, tendo escrito um magnifico livro sobre o cineasta britânico. À medida que o tempo passa, no Bar des Amis, local preferido da população para beber um copo e falar sobre os acontecimentos recentes, vão surgindo diversas suspeitas sobre a identidade do autor da morte da criança, fazendo-se as mais diversas conjecturas. No entanto a situação de suspeito de René Sterne (Jacques Gamblin) torna-se cada vez mais plausível, porque também ele foi a última pessoa a ter visto vivo o escritor, já que o parisiense tinha jantado em sua casa; o pintor, como viu o estado ébrio do escritor, decidiu acompanhá-lo até à sua residência, deixando-o à entrada da vivenda, conforme confirmou às autoridades. Porém a sua mulher será a primeira a suspeitar dele ao surgir esta segunda morte, por conhecer bem os ciúmes que este tinha do sucesso do escritor Parisiense, tornando-se a vida do casal um profundo suplício.


“No Coração da Mentira” / “Au Couer du Mensonge” irá lentamente deslindar o mistério destas duas mortes, envoltos numa teia de aranha infindável, ao mesmo tempo que é colocada a nu a vida privada de alguns dos habitantes desta pacata aldeia na Bretanha que, como muitas pequenas povoações, irá guardar os seus segredos mais profundos bem longe do olhar de todos, nesse estranho e profundo coração da mentira.


Claude Chabrol, esse genial cineasta tão esquecido neste século XXI, assina mais uma vez uma obra espantosa, que nos deixa a todos a interrogar sobre os silenciosos caminhos trilhados por aqueles com quem nos cruzamos diariamente comungando do seu quotidiano.


Nota: O filme está editado em dvd no nosso país numa edição com o formato correcto, mas oferecendo apenas o trailer como extra e Claude Chabrol merecia mais, no entanto é sempre de aplaudir a sua edição, porque estamos perante um dos melhores filmes da longa filmografia deste genial cineasta, um dos mais importantes da célebre “Nouvelle Vague”.

Rui Luís Lima

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