"O Leopardo" / "Il gattopardo"
(Itália / França - 1963) - (186 min./Cor)
Burt Lancaster, Alain Delon, Claudia Cardinale.
“O Leopardo” / “Il Gattopardo” é uma das obras-primas da Sétima Arte e o seu autor, Luchino Visconti, um dos maiores vultos da História do Cinema. Tal como o herói do livro de Lampedusa, também ele pertencia à aristocracia: Luchino Visconti era Príncipe de Modrone, de Milão e desde muito cedo se interessou pelo cinema, iniciando-se nessa actividade como assistente de Jean Renoir. A sua primeira obra “Obsessão” / “Ossessione” adaptava à tela o romance de James Cain “O Carteiro Toca Sempre Duas Vezes”, mas como os direitos do romance eram demasiado elevados, Luchino Visconti adaptou-o à realidade italiana, introduzindo desta forma o neo-realismo no cinema, estava-se em 1942, tendo ido ainda mais longe neste terreno quando em 1948 realizou na Sicília “A Terra Treme” / “La Terra Trema”.
Antigo criador de cavalos, Luchino Visconti não escondeu a sua paixão pelo Teatro e a Ópera, bem patente em “Senso” / “Sentimento”, mas seria sempre o cinema a falar mais alto e com “O Leopardo” / “Il Gattopardo”, obra premiada em Cannes, ele falou pela primeira vez do seu próprio universo, esse mundo à beira do abismo, substituído por uma outra classe que despontava, a burguesia, recorde-se a frase do Príncipe de Salina (Burt Lancaster): “nós éramos os leopardos, os leões, agora chegou a hora dos chacais”, referindo-se aos novos senhores da política que despontavam nessa nova Itália de Victor Emmanuel, depois da derrota dos camisas vermelhas de Garibaldi, usados na luta contra os Bourbons.
Curiosamente, “Il Gattopardo”, obra fundamental da Literatura Italiana e Universal, só foi publicado após a morte do seu autor Giuseppe Tomasi di Lampedusa, graças aos esforços do seu filho, depois foi através do cinema que a sua obra adquiriu uma visibilidade enorme, tal como o seu mundo aristocrático onde as alianças de classes surgiam em busca do poder.
Esta obra de Luchino Visconti, para se concretizar, teve que contar com o apoio da indústria americana através da Fox que impôs um actor americano, tendo a escolha do cineasta recaído sobre Burt Lancaster, o “cow-boy” como lhe chamou inicialmente o realizador italiano, depois de os nomes de Laurence Olivier e Marlon Brando terem sido vetados. E como todos sabemos o Príncipe Italiano deu-se muito bem com o americano, oferecendo-lhe muitos anos depois o papel do protagonista de “Violência e Paixão” / “Grupo di famiglia in un interno”, onde ele surge como alter-ego do próprio cineasta.
No entanto, foram muitas as dificuldades para a apresentação da obra no que diz respeito à sua metragem, existindo diversas versões, por essa razão optámos em cima por mencionar a duração da cópia restaurada, que foi apresentada e trabalhada por Giuseppe Rotuno, o seu director de fotografia e a duração do dvd editado pela Costa do Castelo. Por outro lado, para quem se interesse em comparar as versões americana e italiana do filme poderá sempre visioná-las através da edição em dvd da “Criterium” que nos oferece as duas (este dvd é de zona 1). Em ambas há actores dobrados, porque temos três línguas no filme, devido às origens dos seus protagonistas, inglês, italiano e francês, assim como dois tipos de película perfeitamente distintos devido à cor da fotografia, sendo a adoptada por Luchino Visconti a Cor De Luxe.
No primeiro plano de “O Leopardo” / “Il Gattopardo” seguimos o movimento da câmara que se aproxima da residência do Príncipe de Salina (Burt Lancaster) e à medida que ela percorre o edifício através de um travelling lateral, apercebemo-nos que alguém reza, o vento vai batendo nas cortinas da casa e será num raccord perfeito que iremos entrar na sala onde a família se encontra a rezar, ao mesmo tempo que começam a surgir gritos do exterior e há esse momento em que alguns membros da família são desviados da oração para o exterior, mas só quando a palavra ámen é pronunciada pelo dono da casa, é que ficamos a saber o que se passa no jardim, onde jaz um soldado morto debaixo de uma árvore. Entramos assim no quotidiano desta família aristocrata e através dela iremos ver como a luta de classes se desenvolve em Itália nesse ano de 1860.
Mas demos a palavra a Luchino Visconti, melhor do que ninguém ele nos poderá falar de “Leopardo”: “O Príncipe de Salina sabe que pertence a uma classe condenada a morrer. Por isso no final, se vê a morte à roda dele. A morte é a única coisa que faz sentido para ele. Compreendo a sua nostalgia, mas o mundo dele tinha que desaparecer e foi isso que quis mostrar no meu filme. Não nasci na Sicília e nós, no Norte, temos uma espécie de remorso face ao Sul: uma grande má consciência. Nunca lhe demos a ajuda que lhe prometemos. O movimento que libertou a Sicília dos Bourbon triunfou, como todas as revoluções, por causa das promessas feitas ao povo. Só que, como sempre, essas promessas não serão cumpridas. Garibaldi agiu com boa-fé, mas os oportunistas latifundiários rapidamente aproveitaram a situação de mudança em benefício próprio, instalando uma nova opressão burguesa. Ao longo de séculos de escravidão, a Sicília continua a jazer numa espécie de torpor e a Máfia persiste como gangrena que alastra. Tudo isto deve mudar, tudo isto irá mudar. Para mim o tema de “O Leopardo” / “Il Gattopardo” é muito semelhante ao de outro filme meu “Sentimento” / “Senso”. Só que desta vez, a visão é menos cruel e os acontecimentos são considerados com mais pathos”.
Em “Senso” / “Sentimento” temos no início do filme os panfletos lançados na Ópera a apelar à revolta e, tal como em “O Leopardo” / “Il Gattopardo”, os fuzilamentos existem por razões de amor, embora em ambos a palavra desertor tenha um denominador comum, só que em “O Leopardo” / “Il Gattopardo” os fuzilamentos, que só escutamos, são perpetrados pela nova ordem, saída da revolução, repare-se na forma como o Coronel no baile fala do trabalho que ainda tem pela frente nessa noite e como relata como capturou Garibaldi, perante a revolta do Príncipe de Salina.
Desde o início sabemos como Don Fabrizio (Burt Lancaster) olha os acontecimentos, apoiando o sobrinho Tancredi (Alain Delon), quando este decide juntar-se aos revoltosos, mas depois da nova ordem ser instituída, ele demonstra uma lucidez incrível, porque sabe que todas as revoluções devoram os seus filhos e daí a máxima “temos que mudar as coisas para que tudo permaneça na mesma”. O poder apenas mudou de mãos e as novas classes tudo farão para se manterem iguais aos antigos detentores do poder. Repare-se nas palavras do enviado do novo governo quando vai convidar o Príncipe para Senador, com ele trás a mensagem de que nada mudou, até a igreja irá manter o seu poder, talvez até maior, oferecendo com a outra mão um mundo melhor aos deserdados da fortuna, sabendo no seu intimo que isso nunca será concretizado.
Já Tancredi Falconeti (Alain Delon) representa o jovem revolucionário aristocrata arruinado que, depois de ter participado na instauração da nova ordem, se alia à nova burguesia nascente, detentora de terras mas isenta de títulos, para originar uma nova aristocracia, tendo em Angélica (Claudia Cardinale) o “salvo-conduto” para partir com sucesso para a nova ordem estabelecida. Ele possui os títulos e as maneiras, ela o dinheiro e a ambição, aliás bem patente na forma como Don Calogero (Paolo Stoppa) recebe o Príncipe em Donnafugata. Será aliás através de Don Calogero que somos introduzidos nessa nova classe nascente, em que o dinheiro é a moeda de troca, mas só o dinheiro, porque títulos não há e quando ele vai desencantar no baú um título, de imediato Tancredi (Alain Delon) lho retira à entrada do baile, porque ele ali não lhe serve para nada.
Nessa longa sequência do baile iremos encontrar a fórmula perfeita para a despedida do Príncipe desse mundo aristocrático que desaparece perante o seu olhar, da mesma forma que ele no final não irá seguir com a família até casa, preferindo seguir a pé, perdendo-se na noite, essa noite que ele tão bem conhece, onde a miséria e o prazer continuam a viver lado a lado. Tal como o professor de “Violência e Paixão” / “Grupo di famiglia in un interno”, o Príncipe de Salina terá sempre o seu mundo, só que ele já não existe, permanecendo apenas como memória de um tempo definitivamente perdido.
Rui Luís Lima
Li "O Leopardo" em tempos e gostei muito.
ResponderEliminarA transformação de um mundo em que a burguesia
passa a ditar as regras.
Não me lembro se cheguei a ver o filme, com um dos
meus actores preferidos, Burt Lancaster. Mas também
Claudia Cardinale, Alain Delon, este, falecido há pouco
tempo.
Muito obrigada.
Um abraço
Olinda
"O Leopardo" por vezes é exibido na televisão no canal "Star Movies" em boa cópia. Li o livro depois de ter visto o filme:-)
EliminarObrigado pela visita e comentário
Uma boa semana!
Abraço!
Quando o universo cinematográfico teve conhecimento que Burt Lancaster foi o escolhido por Luchino Visconti para interpretar a figura do Príncipe de Salinas na adaptação cinematográfica de "O Leopardo" foram muitos os que ficaram incrédulos com a escolha do actor norte-americano, mas o que se viu depois foi uma interpretação genial de Burt Lancaster, que viria a criar uma forte amizade com o cineasta italiano, que o virá a convidar para o seu filme "Violência e Paixão", onde muitos o viram como uma espécie de "Alter ego" de Visconti. "O Leopardo" é uma das obras-primas da sétima arte!
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