segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Rainer Werner Fassbinder - “Lili Marleen”


Rainer Werner Fassbinder
“Lili Marleen”
(Alemanha – 1980) – (119 min. / Cor)
Hanna Schygulla, Giancarlo Giannini, Mel Ferrer, Karl Bohm, Udo Kier,

Para começar, tenho que confessar o “pecado” de adorar a trilogia constituída pelos filmes “O Casamento de Maria Braun” / “Die Ehe der Maria Braun”, “Lili Marleen” e “Lola” que, na época da sua realização, deram a conhecer aos mais desatentos o cinema de Rainer Werner Fassbinder. E dizemos isto porque, para muitos, é perfeita loucura elogiar estas películas que constituem o retrato de uma certa Alemanha, há quem diga que o próprio Fassbinder, após a sua feitura, decidiu “renegá-las”.

Hanna Schygulla

Ora o que sucede nesta trilogia é um profundo amor por um outro cineasta, esse rei do melodrama chamado Douglas Sirk que, como todos sabemos, era profundamente admirado por Rainer Werner Fassbinder.


Dos cineastas do chamado Novo Cinema Alemão, nascido com o célebre Manifesto de Oberhausen, Fassbinder foi de todos o que mais se destacou e, por coincidência ou não, após a sua morte, o cinema oriundo da Alemanha deixou de ter a visibilidade até então alcançada no mundo, dando a sensação que Fassbinder era a locomotiva que puxava o comboio, sem ele as carruagens ficaram paradas e se uns ficaram bloqueados nas suas fronteiras, outros decidiram partir para o novo mundo, como sucedeu com Wim Wenders e com esse “corredor de fundo do universo” chamado Werner Herzog.


“Lili Marleen” possui mais uma vez, à frente de um elenco internacional, aquela que foi a musa de Rainer Werner Fassbinder, a bela Hanna Schygulla, que após este filme se zangou com o cineasta depois de ele se ter esquecido dela para desempenhar a personagem de “Lola”, no “remake” que fez de “O Anjo Azul”, papel esse dado a Barbara Sukowa, que não deixou os créditos por mãos alheias. Mas na época das filmagens de “Lili Marleen” as relações entre estrela e cineasta eram as melhores, repare-se na forma como ele a filma ao longo da película, como se estivesse enfeitiçado por ela, oferecendo-nos imagens deslumbrantes da actriz, fazendo recordar um pouco a forma como Sternberg filmava Marlene Dietrich. Mas vamos ao que interessa: “Lili Marleen” não é o nome da personagem interpretada por Hanna Schygulla, mas sim o título da canção que ela canta, uma simples história de amor que aqueceu o coração de todos aqueles que se encontravam na frente de combate, durante a Segunda Guerra Mundial.


Willie Bunterberg (Hanna Schygulla), uma alemã esquecida num cabaret de terceira ordem em Zurique, está perdidamente apaixonada por Robert Mendelsohn (Giancarlo Giannini), filho de uma poderosa família judia que não vê com bons olhos a relação do filho com aquela alemã. Tanto o patriarca da família (um fabuloso Mel Ferrer) como os restantes elementos olham com desagrado a presença de Willie e um dia decidem engendrar um plano para os separar, conseguindo que ela seja impedida de entrar na Suiça, quando regressava da Alemanha na companhia de Robert. A partir desse momento Willie fica entregue a si própria para sobreviver num mundo que se encontra com a guerra a dar os seus primeiros passos. E será por uma questão de sobrevivência que Willie vai ter com Hans Henkel (Karl-Heinz von Hassel), desconhecendo a sua posição no interior do Terceiro Reich.


Willie vai-se revelar então uma menina perdida na nova ordem nacional-socialista e quando o próprio Chanceler a deseja conhecer ela não sabe como se lhe há-de dirigir. A partir de então, ela passa a ser vista como uma protegida do regime e a canção “Lili Marleen” passa a ser transmitida sempre à mesma hora na rádio alemã, com grande destaque, ao mesmo tempo que as suas actuações arrastam multidões.


O sucesso de Willie Bunterberg (Hanna Schygulla), como não podia deixar de ser, chega ao conhecimento da família Mendelsohn e o patriarca da família, David Mendelsohn (Mel Ferrer) decide contar ao filho como o manipulou a ele e a ela para impedir a união entre ambos. Numa das incursões em território alemão, trabalhando para a sua organização clandestina que faz sair judeus da Alemanha, Robert é preso pela Gestapo, após se ter encontrado com o amor da sua vida e a partir de então Willie (Hanna Schygula) irá percorrer o seu calvário no interior do regime nazi, sendo a canção proibida de tocar na rádio, embora os soldados que vão para a frente de batalha a continuem a cantar. Devido à sua popularidade, a Gestapo decide mante-la viva, repondo a canção a circular na rádio, até ao momento em que Berlim cai nas mãos das tropas soviéticas.


A forma como Rainer Werner Fassbinder nos oferece a história de uma canção, através do percurso da sua intérprete surge como magia, já que ele nos oferece a essência do melodrama, aprendendo bem a lição dada por Douglas Sirk ao longo da sua obra cinematográfica rodada em Hollywood, oferecendo-nos uma história de amor, repleta de paixão, já que tanto Willie como Robert estão profundamente apaixonados, mas as suas origens (o judeu e a alemã) e o facto de pertencerem a classes sociais distintas vai marcar decididamente o seu romance, para tal basta olhar a forma como Fassbinder nos oferece o encontro final no teatro em que Robert triunfa, dirigindo a orquestra. Ao regressar aos bastidores, após a sua regência, Robert, ao ver o amor da sua vida, sente a chama da paixão a acender-se, mas a intervenção da família recorda-lhe que há outros valores mais altos (os aplausos e não só) que chamam por ele.

Hanna Scygulla, Fassbinder & Giancarlo Giannini

Rever hoje “Lili Marleen”, à luz da genial obra cinematográfica de Rainer Werner Fassbinder, leva-nos a encontrar nela todos os elementos que compõem o seu universo, está lá a sua direcção de actores, a fotografia, essa música sempre espantosa de Peer Raben e a genialidade daquele que foi o maior cineasta da sua geração.

Rui Luís Lima

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