"O Passado não Perdoa" / "The Unforgiven"
(EUA-1960) - (121 min/Cor)
Burt Lancaster, Audrey Hepburn, Audie Murphy,
Charles Bickford, Lilian Gish, John Saxon.
George Sadoul considerou John Huston como o mais brilhante cineasta da “geração perdida”. Como estamos recordados, foi com “O Falcão de Malta” / "The Maltese Falcon" que muitos lhe fixaram o nome, ele que até gostava de fazer umas aparições em filmes seus, como sucedeu em “O Tesouro da Serra Madre” / "The Treasure of Sierra Madre", quando se cruza com Bogart, o aventureiro que irá ver a sorte surgir com esse bilhete de lotaria que lhe irá ditar o destino ou em filmes de outros, como sucede no inesquecível "Chinatown", na figura desse pai odiado pela filha.
John Houston, ao longo da vida, irá assinar filmes que todos hoje conhecem como “A Rainha Africana” / "The African Queen" ou essa obra testamento (e que belo testamento) que foi “Gente de Dublin” / "The Dead", adaptando para o cinema esse conto fabuloso de James Joyce intitulado “The Dead”. Mas ele assinou também outras obras que nos merecem toda a atenção, como este “western” psicológico denominado “O Passado Não Perdoa” / “The Unforgiven” e aqui estamos perante uma obra que merece ser descoberta. Se John Ford em “The Searchers” nos colocava perante esse síndroma que é o racismo, aqui John Huston parte para o mesmo tema, tendo também como território eleito o “western”.
Curiosamente, o autor do livro que serve de base a “The Unforgiven” é o mesmo de “The Searchers” / “A Desaparecida”, só que aqui, em vez de termos uma branca raptada pelos índios em criança, a bela Natalie Wood no filme de John Ford, iremos encontrar uma criança índia (Audrey Hepburn), que foi recolhida por uma família branca, os Zachary, quando ainda era bébé. Será que estamos perante um erro de “casting” quando vislumbramos essa dama do cinema chamada Audrey Hepburn a possuir sangue índio nas veias? Quem não viu a película corre esse risco, mas tal não sucede porque aqui John Huston conseguiu despojá-la de todos aqueles traços que a celebrizaram e é dessa forma que a iremos encontrar no início da película no rancho da família, que ela adora, esperando pelo seu irmão Ben (Burt Lancaster), que foi conduzir uma manada de gado com os seus homens.
Ela monta o seu cavalo favorito com todo o vigor, pela planície fora de cabelos ao vento, até esse momento em que o passado surge perante ela, de forma abrupta, na figura de um velho envergando um uniforme da cavalaria comido pelo tempo, e que a irá perseguir como um fantasma, recordando as suas origens e que ela desconhece. Abe Kelsey (Joseph Wiseman) viu a sua família e o seu lar destruído quando a família Zachary se negou a entregar a jovem Kiowa em troca do seu filho, quando este foi raptado pelos peles-vermelhas, que pretendiam recuperar a menina que lhes fora tirada. Ao perder o filho, que tanto amava, irá ao longo da vida persegui-los como se fosse um fantasma, recordando o passado de Rachel e informando os Kiowa da sua existência.
Será esse o segredo que irá dar à luz os momentos mais fortes da película, através do racismo que se respira no corpo dos colonos brancos, que ao saberem, ao fim de muitos anos, a verdade dos factos, decidem marginalizar a família Zachary. Até um dos “irmãos” de Rachel, essa figura cheia de contradições chamada Cash Zachary (espantoso Audie Murphy), não aceita as suas origens e decide abandonar o rancho.
Mas a grande questão é a forma como Ben Zachary trata a irmã, com o maior dos carinhos, ao mesmo tempo que recusa qualquer contacto entre ela e os peles-vermelhas, primeiro quando um dos homens que o acompanha no transporte da manada, um índio chamado Johnny Portugal (John Saxon), que lhe toca na mão com carinho e depois quando o seu verdadeiro irmão, o chefe índio Kiowa, decide reaver de forma pacífica a sua irmã de sangue.
A história de Rachel é-nos apresentada de forma brilhante, sempre protegida pela “mãe” (a fabulosa Lilian Gish), naquele mundo novo, onde o racismo impera de forma subterrânea. Estamos perante um “western” profundamente psicológico e onde os sentimentos mais baixos nascem à flor da pele. Aliás, já Michael Cimino no seu épico “mal-amado”, “As Portas do Céu” / “Heaven’s Gate”, nos lembrava a todos que a conquista do Oeste tinha sido bastante diferente daquela que alguma história narrava. E será aliás este tema o que mais agradou a John Huston, para aceitar a realização da película, já que o produtor era Burt Lancaster e o cineasta uma segunda escolha.
Iremos assistir ao cerco da casa dos Zachary, pelos Kiowa, depois de terem sido abandonados por todos à sua sorte e será aqui que Rachel (Audrey Hepburn) terá que decidir a que universo pertence, terminando a sua opção por ser a de defender o mundo que conhece e onde deseja viver, terminando por matar o seu próprio irmão de sangue.
“O Passado Não Perdoa” / “The Unforgiven” oferece-nos um “western” poderoso, realizado por um grande cineasta e embora John Huston nunca tenha tido “The Unforgiven” como um dos seus filmes preferidos, devido às interferências dos produtores, a sua marca está lá bem visível e depois teremos sempre essa fotografia espantosa, assinada Franz Planer, que nos retrata a paisagem do Oeste de forma esplendorosa, porque ao vermos as imagens sentimos o odor da terra, esse Oeste perdido e árido onde o respirar do amor vai superar o ódio infiltrado na planície rochosa.
Rui Luís Lima
John Huston - (1906 - 1987)
ResponderEliminarClassificação: 4 estrelas (****)
Estreia em Portugal: 2 de Janeiro de 1961.