“O Eclipse” / “L’Eclisse”
(Itália – 1962) – (120 min. / Cor)
Monica Vitti, Alain Delon, Francisco Rabal, Lilla Brignone,
Rossana Roryu, Mirella Riccardi, Louis Seignier.
Com “O Eclipse” / “L’Eclisse”, Michelangelo Antonioni concluiu a sua famosa “trilogia dos sentimentos”, iniciada dois anos antes, em 1960 com “A Aventura” / “L’Avventura” e prosseguida um ano mais tarde com “A Noite” / “La Notte”. Estamos assim nesse território da comunicação ou melhor da incomunicabilidade, que o cineasta tão bem explorou ao longo da sua filmografia e aqui vamos encontrar mais uma vez a sua musa Mónica Vitti, naquele que será possivelmente o seu mais belo retrato/presença no cinema de Antonioni e não nos estamos a esquecer de “O Deserto Vermelho” / “Il Deserto Rosso” ou dessa obra-prima intitulada “O Mistério de Oberwald” / “Il Mistério di Oberwald”.
Vittoria (Mónica Vitti) encontra-se no apartamento de Ricardo (Francisco Rabal) e, à medida que o cineasta vai filmando o silêncio daqueles corpos deambulando pela casa, percebemos que o amor já se ausentou daquelas paredes à muito, restando apenas esse momento sempre tão delicado e complexo que é o fim de uma relação e quando Vittoria decide sair da casa a ruptura está mais que consumada. Ricardo, que primeiro não reage, acaba por segui-la na sua caminhada e insiste para irem tomar o pequeno-almoço, o dia estava a nascer, mas para ela aquele presente já faz parte do passado e segue o seu caminho, iluminada pela escuridão em que vive o seu universo. Decide então procurar a mãe, que gosta de passar largas horas na bolsa, para ter alguém com quem falar da tragédia da sua vida sentimental, mas esta está mais preocupada com as cotações das acções e as suas oscilações do que com os problemas sentimentais da filha. E será nesse ambiente frenético, tão bem retratado por Antonioni, que Vittoria se irá cruzar com Piero (Alain Delon) que ali trabalha.
Como muitas vezes o acaso comanda a vida Piero e Vittoria começarão a encontrar-se nesse recinto da especulação e os seus sentimentos acabam por seguir pela mesma estrada, já que Vittoria, que Piero tantas vezes vira na bolsa a acompanhar a mãe, chama decididamente a sua atenção. E ela decide então oferecer uma nova oportunidade à sua vida sentimental, sempre com o medo da experiência do passado a rondar por perto. Mas nem sempre os desejos são cristalinos quando a dúvida e a incerteza se instalam entre dois corpos e será precisamente isso mesmo que irá surgir na encruzilhada criada por ambos.
Michelangelo Antonioni oferece-nos ao longo da película esse maravilhoso som que são os sentimentos a respirar, ora tranquilos, ora à beira do abismo, navegando na dúvida e na incerteza, ao mesmo tempo que filma Mónica Vitti de uma forma apaixonante. O seu rosto principalmente e o seu olhar cruzam-se com a câmara com a maior ternura e angústia do mundo, sempre nesse equilíbrio perfeito que fez dela a luz do cineasta, da mesma forma que Jean-Luc Godard tinha em Anna Karina o rosto da insustentável leveza do ser.
Quase na sua totalidade filmado em exteriores e possuidor desse olhar que Antonioni tão bem cultivou ao longo da sua obra cinematográfica, ao revermos “O Eclipse” entramos, decididamente, nesse território da incomunicabilidade, em que o olhar substituiu as palavras, desenhando nos pequenos gestos o mapa dos sentimentos.
Rui Luís Lima
Michelangelo Antonioni - (1912 - 2007)
ResponderEliminarClassificação: 5 estrelas (*****)
Estreia em portugal (cópia restaurada): 27 de Agosto 2021.