quarta-feira, 12 de março de 2025

Alfred Hitchcock - “Bon Voyage”


Alfred Hitchcock
“Bon Voyage”
(Grã-Bretanha – 1944) – (26 min. – P/B)
John Blythe, Janique Joelle.

Como é sabido Alfred Hitchcock, ao receber o convite de David O’Selznick, deixou a Inglaterra e partiu para a América, não tendo regressado à ilha quando estalou a guerra. Quando a América entrou na guerra, uma equipa de cineastas chefiada por Frank Capra iniciou uma série de filmes de propaganda, que ficou conhecida com o título “Why We Fight” e em Inglaterra os filmes de Michael Powell e Emeric Pressburger eram olhados de lado pelas autoridades, porque ofereciam demasiado cinema e muito pouca propaganda.


Mas em 1944 Alfred Hitchcock, depois de ter rodado o genial “Lifeboat” / “Um Barco e Nove Destinos”, apresenta-se em Londres para dar o seu contributo ao esforço de guerra e assim é decidido rodar duas média-metragens (o formato usado nestes filmes de propaganda, exibidos antes das longas-metragens nas salas de cinema), intituladas “Bon Voyage” e “Aventure Malgache”.


Se o segundo filme aborda a libertação da ilha de Madagáscar, o primeiro trata de um interrogatório de um militar britânico, fugido de um campo de concentração com um outro militar, que transporta uma mensagem importante para os serviços secretos.


Iremos assim falar do primeiro filme, “Bon Voyage”, que foi o que estivemos a ver hoje e no qual se encontra a marca do Mestre do Suspense desde o primeiro fotograma, porque toda a história nos é narrada em “flashback” e de imediato duvidamos daquilo que vamos escutando, ao acompanharmos a saga da fuga do sargento John Dougall (John Blythe) e do seu amigo Stéphane, que se encontra desaparecido e lentamente somos conduzidos por um labirinto onde a verdade e a mentira se confundem, até chegarmos a esse momento chave em que percebemos finalmente o que se passou, embora nunca saibamos qual o teor da mensagem comunicada pelo sargento John Dougall aos Serviços Secretos.


Como já referimos, nesta meia-hora, é possível detectar muitas das marcas que celebrizaram Alfred Hitchcock, desde as diversas tonalidades da fotografia, bem próxima do expressionismo, até aos famosos grandes planos, passando pelo eficaz “raccord”, mas as autoridades britânicas, ao verem o produto final, torceram o nariz, o mesmo sucedendo com “Aventure Malgache”, que os franceses odiaram e assim estes dois filmes ficaram num limbo durante quase meio-século, vendo a luz do dia e das salas em 1993 e com a respectiva edição posterior em dvd (em Portugal foi exibido pela primeira vez no Festival de Cinema de Vila do Conde, 1994).


A terminar gostaria de referir que todos os actores de “Bon Voyage” são franceses, exilados em Inglaterra, que tinham constituído uma companhia teatral intitulada “The Molière Players”, excepto a personagem do sargento John Doughall, interpretada por John Blythe, por outro lado fala-se muito num outro filme de Alfred Hitchcock sobre os campos de concentração, cujas imagens foram recolhidas quando estes foram descobertos/libertados pelas forças aliadas. Segundo uns Alfred Hitchcock trabalhou apenas na montagem, enquanto outros afirmam ter também recolhido algumas imagens, revelando-se algumas dessas imagens tão violentas, que as autoridades optaram por não o exibirem, permanecendo “fechado a sete chaves”, nos arquivos britânicos. Esperemos que um dia ele seja visível, para que a memória deste horror impeça a sua repetição.

Rui Luís Lima

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