”A Valsa com Bashir” / “Waltz With Bashir”
(Israel/Alemanha/EUA/França – 2008) – (90 min. / Cor)
“A Valsa com Bashir” surge no interior do cinema de animação como uma verdadeira pedrada no charco, mas também como uma nova janela para o documentarismo usar todas as suas potencialidades, através da animação. Aliás “Persepolis” da iraniana Marjane Satrapi, revelava-se já uma certeza dessa nova estrada. Embora usando estilos diferentes de animação, ambos os filmes nos oferecem relatos biográficos dos seus autores: Marjane a sua vida no Irão e correspondente fuga para o Ocidente; enquanto Ari Folman nos conta a sua viagem pela memória, em busca da verdade da invasão do Líbano, ocorrida em 1982.
Ari Folman é um dos mais prestigiados cineastas israelitas, que tem usado o documentário como primeira opção na sua filmografia, sendo também um nome bem conhecido dos espectadores do pequeno écran em Israel, devido aos diversos trabalhos que desenvolve para essa caixa que mudou o mundo. E foi durante a preparação de “Waltz With Bashir”, que decidiu inserir o seu documentário no mundo da animação, usando a sua equipa criativa, traços bem opostos àqueles que nos oferece habitualmente Hollywood.
Iremos assim, encontrar Ari num bar a conversar com um amigo, chamado Boaz, que lhe conta um pesadelo que o atormenta há largo tempo: 26 cães atravessam a cidade a ladrar raivosamente, derrubando tudo o que encontram até chegarem à porta do seu apartamento e ali ficarem a ladrar durante a noite toda.
O sonho de Boaz serve de meditação para Ari, que decide procurar outros membros do batalhão em que prestou o serviço militar, quando tinham todos 19 anos. Vinte anos entretanto passaram e por vezes é difícil encontrar as pessoas, mas Ari não desiste e à medida que vai falando com todos, a sua memória vai abrindo as portas que ele decidira fechar, depois de regressar a Israel, após essa controversa invasão israelita do Líbano, motivada pelo assassínio de Bashir Gemayel, que tinha sido eleito presidente do Líbano (a antiga Suiça do Médio-Oriente), mas que o poderoso vizinho sírio não via com muitos bons olhos.
À medida que vamos escutando a narração de Ari e dos seus companheiros, nesse ano longínquo de 1982, vamos conhecendo como é a guerra para aqueles jovens, que são enviados para a frente de combate. E a forma poderosa como nos são oferecidas as cenas, leva-nos a pensar como não seria mais fácil um acordo de paz para aquela zona, do que uma guerra infinita em que as mortes inocentes povoam a terra, enquanto os principais responsáveis vivem longe do conflito, seja a sua casa em Damasco, Telavive ou Teerão. A guerra será sempre esse horror de que nos falava o coronel Kurtz (Marlon Brando) em “Apocalipse Now” e é bastante curioso que uma das mais famosas sequências do filme de Francis Ford Coppola ser citada no filme de Ari Forman, uma obra decididamente anti-militarista.
Após o assassinato do presidente eleito Bashir Gemayel, que era mais do que um líder para os seus homens, o exército israelita invade o Líbano e cerca os campos de refugiados de Sabra e Shatila, onde se pensa terem-se refugiado os assassinos de Gemayel. E por "razões, que a própria razão desconhece", as tropas israelitas fecham os olhos à entrada das milícias falangistas, que sedentas de sangue, desejam vingar a morte do seu líder, espalhando o terror e a morte pelos campos.
Infelizmente nenhum ou exibidor distribuidor aproveitou a exibição de “A Valsa com Bashir”, para repor dois filmes fundamentais para o espectador olhar este barril de pólvora em que se tornou o Médio-Oriente: “Círculo de Mentira” / “Die Falschung”, (1981), do alemão Volker Schlondorff, sobre a guerra civil libanesa e “Ici et Ailleurs” de Jean-Luc Godard / Grupo Dziga Vertov (1976), sobre a vida dos Palestinianos e os acontecimentos do Setembro Negro, na Jordânia, quando a OLP, depois de ter sido recebida pelo Rei da Jordânia “de braços abertos”, decidiu tentar um golpe de Estado para o depor, terminando por sair derrotada desse confronto.
Quando olhamos as imagens que nos surgem, diariamente, do conflito do Médio-Oriente, percebemos que o problema do conflito são os radicais de ambos os lados, se eles saírem do mapa da política, a paz será inevitável porque, como todos sabemos, o ódio nunca nos conduz ao amor, mas sim à estrada da morte, como nos demonstra Ari Folman no seu fabuloso filme de animação “A Valsa com Bashir”..
Rui Luís Lima
Ari Folman - (1962)
ResponderEliminarClassificação: 5 estrelas (*****)
Estreia em Portugal: 1 de Janeiro de 2009-