sexta-feira, 14 de março de 2025

François Ozon - “O Tempo Que Resta” / “Le Temps Qui Reste”


François Ozon
“O Tempo Que Resta” / “Le Temps Qui Reste”
(França - 2006) – (85 min. / Cor)
Melvil Poupaud, Jeanne Moreau, Valeria Bruni-Tadeschi, Marie Riviére.

François Ozon é hoje um dos valores mais seguros do cinema francês, poderemos afirmar que ele surge no panorama cinematográfico como herdeiro desses dois nomes grandes François Truffaut e André Téchiné, pela forma como ama as suas personagens, em especial as femininas, projectando-se nelas, mas nada melhor como ele para nos falar delas: " faço filmes atrás da câmara e não em frente dela. Falo de coisas intimas acerca de mim em todos os meus filmes, sempre de uma forma indirecta, prefiro sempre esconder-me por detrás de uma mulher". Precisamente como André Téchiné usou Catherine Deneuve e Emanuelle Béart nas suas películas, ele oferece-nos o seu olhar através dessa revelação chamada Ludivine Sagnier, ou então invade o universo feminino convocando as grandes vedetas do cinema francês para esse jogo de mulheres intitulado "8 Femmes" / "8 Mulheres", tal como no passado George Cukor, o cineasta das mulheres por excelência, nos ofereceu essa obra-prima intitulada "The Women".


Depois temos essas obras incontornáveis "Swimming Pool" e "Sous le sable" / "Sob a Areia", onde redescobrimos o brilho de Charlotte Rampling de forma perturbante, seja na escritora em busca de um romance, fugindo do seu bloqueio criativo ou na pele dessa mulher perturbada pelo desaparecimento do marido na praia, incapaz de voltar a viver, numa paixão mórbida pelo seu ente querido, organizando o seu quotidiano como se ele sempre estivesse presente ou então esse relato do fim da felicidade em "5x2".


Mas para chegar aqui François Ozon demonstrou um amor profundo pela Sétima Arte desde a sua curta-metragem de estreia "Photo de famille", onde nos oferecia precisamente o retrato da sua família, da mesma forma que Martin Scorsese nos deu o seu "Italo-American". Durante meia-dúzia de anos rodou curtas-metragens com uma paixão e uma tenacidade indescritíveis até chegar à sua primeira longa-metragem "Sitcom" em 1998, passando ainda pelo documentarismo, onde fez o retrato de Lionel Jospin.


Em "O Tempo Que Resta" vamos reencontrar Melvil Poupaud, que conhecemos no "Conto de Verão" de Eric Rohmer, onde se encontrava perdido no universo feminino incapaz de tomar uma decisão, sempre vitima dos acontecimentos até descobrir na fuga a melhor forma de sobreviver. Jeanne Moreau, essa mulher tão amada por Truffaut em "Jules e Jim" e que recentemente nos deixou, surge também neste filme na figura protectora da avó, ao mesmo tempo que a presença de Marie Riviére ( actriz de Rohmer) e Valeria Bruni-Tadeschi (actriz de Chabrol), duas actrizes da nossa estima, oferecem a pontuação necessária ao argumento de François Ozon.


“Sous le Sable” / ”Sob a Areia” foi a primeira película sobre a morte, realizada pelo cineasta francês, sendo “O Tempo Que Resta” / ”Le Temps Qui Reste” a segunda parte de uma trilogia idealizada por François Ozon. Se no filme com Charlotte Rampling tudo se passa em redor da perda do marido e na impossibilidade de aceitar o seu desaparecimento, já em “O Tempo Que Resta” é a doença (não a sida como metáfora, apesar das opções sexuais do protagonista), aquele nome que todos nós resistimos a pronunciar porque ele não escolhe idade, porque o que nos interessa a nós e ao cineasta é a forma como o protagonista vai encarar os três meses de vida que lhe restam e quando se tem apenas trinta anos é como se o chão tivesse desaparecido debaixo dos pés.


Romain (Melvil Poupard) é um fotógrafo de sucesso no mundo da moda mas, durante uma sessão de trabalho, o mundo fecha-se ao seu olhar e desmaia. Obrigado a procurar um médico, acaba por descobrir que tem uma “doença” que se está a espalhar perigosamente nos diversos órgãos internos, restando-lhe apenas alguns meses de vida, já que as hipóteses de cura são na ordem dos 5%. Perante esta situação Romain decide rejeitar o tratamento “possível”, a quimioterapia, devido à dor que irá acarretar, optando por viver o tempo que lhe resta, encarando a morte que o espera sem revolta nem resignação. Será com a avó (Jeanne Moreau), que ele irá partilhar a sua dor, ao mesmo tempo que esconde dos pais e da irmã a sua situação, mantendo-se a sua relação difícil com eles, de certa forma inalterável.


O caminho mais fácil seria partir para o melodrama, mas François Ozon prefere um outro olhar despido de emoções, apresentando-nos a dor do protagonista através de pequenos traços/episódios: a fotografia que tira à irmã e ao sobrinho; o olhar do mundo que o rodeia; a despedida do amante e fundamentalmente as recordações da infância – certamente os momentos mais brilhantes da película.

“O Tempo Que Resta” é um magnífico filme de François Ozon (o genial início e final na praia com a ida até ao mar), onde a morte é encarada de uma forma não tortuosa mas pacífica, apesar de irmos vendo o tempo que resta a ausentar-se lentamente do corpo de Romain, a dor do adeus envolve-nos na paz com que o protagonista se “despede” de todos nós na praia, entretanto deserta, partindo com a noite para um outro lugar.

Rui Luís Lima

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