“A Queda – Hitler e o Fim do Terceiro Reich” / “Der Untergang”
(Alemanha - 2004) - (156 min. / Cor)
Bruno Ganz, Alexandra Maria Lara, Juliane Kohler.
Quantas vezes nos cruzamos com pessoas que mais tarde irão alterar o mundo em que vivemos´ertamente nunca o saberemos e o mesmo sucedeu aos professores que chumbaram em Viena o jovem que gostava de aguarelas e pretendia seguir Belas-Artes. Ele acabaria por ficar com o seu nome na História, mas da pior maneira possível, não pelos seus feitos artísticos, mas sim pela ideologia que ajudou a criar e da qual foi o rosto principal.
Curiosamente o cinema, conhecido como a Sétima Arte, possui no seu interior fortes razões para se transformar numa síntese de todas as artes, mesmo quando a guerra é tratada como arte, como o fez Clausewitz. Mas porquê começar desta forma uma abordagem ao filme de Olivier Hirschbiegel, que retrata os últimos dias de vida de Hitler? Talvez porque a polémica originada pelo filme não tem razão de ser. É certo que a obra em questão não se filia em modas e surge como um verdadeiro documento, baseando-se em testemunhos credíveis: o da jovem secretária de Hitler (Traudl Jungle), que publicou nas suas memórias o que se passou no bunker de Adolph Hitler nos últimos dias de vida do temível ditador, assim como o do insuspeitável historiador Joachim Fest. Por outro lado, a forma como a personagem principal nos é apresentada, através de um dos maiores actores do cinema alemão, Bruno Ganz (embora seja Suíço), que esteve em Portugal já lá vão muitos anos, no Festival de Teatro de Almada e também nesse belo filme de Alain Tanner, intitulado "A Cidade Branca", um dos mais belos retratos da cidade de Lisboa, revela-se, neste filme, de uma contenção que nos surpreende, reparem nas mãos (todos falam nelas), mas acima de tudo no olhar frio do ditador, que nos inspira um verdadeiro terror.
Mas voltemos um pouco atrás na história do cinema alemão e não só. Existe um silêncio sobre o cinema alemão produzido entre 1933 e 1945, respeitante ao período em que o Partido Nazi governou a Alemanha e seria muito importante que esse mesmo cinema, de uma forma pedagógica, fosse conhecido, porque nem só de Leni Riefensthal viveu o cinema alemão. Aliás quando Fritz Lang foi convidado para assumir a chefia dos Estudios da UFA, percebeu de imediato que tinha de fugir da Alemanha e do seu novo regime e nesse mesmo dia apanhou o comboio rumo a Paris, para depois partir para a América, deixando para trás a sua mulher e colaboradora, Thea Von Harbor, a qual, mesmo depois da derrota do Terceiro Reich, nunca escondeu as suas simpatias pela ideologia nacional-socialista.
Poderíamos até referir o livro de história alternativa do jornalista Robert Harris, já passada ao pequeno écran e intitulada “Fatherland”, que parte da seguinte premissa: o desembarque na Normandia é um insucesso, Churchill é forçado a exilar-se no Canadá e a Alemanha domina a Europa, havendo apenas pequenas escaramuças, ás quais ninguém liga, nos confins do Leste Europeu e a Alemanha pela primeira vez em muitos anos ainda com Hitler no poder, de idade avançada (75 anos), decide abrir as portas à America e receber o seu Presidente.... (ficamos por aqui...)
Este filme fabuloso, realizado por Christopher Menaul, conta ainda com a participação nos principais papéis de Rutger Hauer (o oficial alemão) e Miranda Richardson (a jornalista), curiosamente a película fez a transposição para o écran da Berlin sonhada pelo arquitecto Albert Speer. Isto para dizer que são as vitórias e as derrotas que escrevem a História e a vida dos seus principais intérpretes e uma leitura que recomendamos é o excelente livro de Marc Ferro, acerca das falsificações da História, queestá disponível em edição da Folio.
Ora o filme de Olivier Hirschbiegel é de tal forma poderoso, e falo do que vi na sessão de cinema a que assisti, já lá vão uns anos largos, porque quando a sessão terminou (a lotação da sala estava esgotada) o silêncio era na verdade tenebroso e todos saímos sem palavras, com uma necessidade de dizer “baixinho”, como foi possível existir uma ideologia destas, que arrastou milhões atrás de um homem, mas como foi isso possível? Sintomático desse sentimento é a figura na película de Magda Goebbels (Corinna Harfouch), mulher do Ministro da Propaganda, que perante a morte inevitável do Fuhrer, decide também ela morrer porque não consegue viver num mundo sem ele e com ela leva os seus filhos numa das sequências mais dramáticas de toda a película.
Na verdade o povo alemão ainda não ajustou contas com o seu passado (não o conseguiu com o “Hitler” de Syberberg) e só agora viu chegado o momento de olhar de frente o seu passado recente. Até mesmo o denominado Novo Cinema Alemão nascido no Festival de Oberhausen, na década de 60, do século XX, nunca conseguiu olhar de forma frontal o seu passado e o seu principal responsável, embora a obra de Edgar Reitz “Heimat”, talvez seja uma daquelas pedradas no charco que deveria ser novamente exibida na nossa televisão, “Heimat – Eine Deutsch Chronik” é a história da cidade de Schabbach entre o período de 1919 a 1982, sendo a história dos seus habitantes contada ao longo de 11 episódios, que nos retratam a sociedade alemã.
A película de Olivier Hirschbiegel aborda os últimos dias vividos no Bunker de Hitler, acompanhado pelo que restava dos seus seguidores, neles encontramos o que resta da chefia de uma Wermacht, sempre em conflito aberto com as SS de Himmler, o ideólogo Gobbels, o arquitecto Albert Speer, Eva Braun (Juliane Kohker) e todo um conjunto de pessoas, que percebem que a guerra está perdida e em breve irão ser capturados pelos russos.
No interior de todos estes elementos navega a narradora Traudl Junge (Alexandra Maria Lara) secretária de Hitler e claro o próprio Adolph Hitler , numa interpretação histórica do ex-anjo de Wim Wenders, o actor Bruno Ganz, que conseguiu interiorizar de tal forma o ditador, que nos esquecemos muitas vezes que é um actor que está no écran, mas sim o responsável pelo genocídio de milhões de vidas.
Olhar hoje “A Queda”/”Der Untergang" sem complexos é importante, para que todos nós saibamos e não esqueçamos que a História nunca mais se poderá repetir. Se hoje olhamos os campos de concentração nazis como fazendo parte de um passado, é também importante que esse passado, não fique perdido na memória, para que nunca mais se transforme em futuro.
Para terminar falemos um pouco do cineasta Olivier Hirschbiegel. A sua primeira paixão foi a pintura, que o levou a ingressar na Academia de Belas-Artes de Hamburgo, onde se dedicou à pintura, como seria de esperar, mas também ao video e à fotografia, começando os seus trabalhos videográficos a chamar as atenções da crítica especializada e surgindo com naturalidade o convite para ingressar na televisão, onde se revelou um excelente realizador de thrillers e melodramas.
Em 2001 realiza a sua primeira longa-metragem, “Das Experiment”, que ganhou diversos prémios em Festivais de Cinema e na qual se encontra já a claustrofobia do espaço, que seria o seu território por excelência, como iremos verificar com a feitura de “ “Der Untergang”/”A Queda – Hitler e o Fim do Terceiro Reich”.
No ano seguinte permanece no mesmo espaço eleito, a televisão, e cria “Mein Letzer Film”, baseando-se num monólogo de 90 minutos, tendo como personagem principal uma mulher de cinquenta anos, que pretende viver uma nova vida ou seja voltar a viver. E em 2004 nasce o polémico “Der Untergang”, sendo acusado por alguns de humanizar Hitler e os Nazis, mas ao revermos o filme em dvd, somos testemunhas de precisamente o contrário, porque este filme oferece-nos um retrato de uma ideologia e de um líder verdadeiramente tenebrosos. Uma última nota para referir que Bruno Ganz, esse genial actor Suiço, profundamente humanista, possui nesta película um trabalho interpretativo inesquecível, que culmina uma longa carreira cinematográfica.
Rui Luís Lima
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