domingo, 6 de abril de 2025

Robert Bresson - "Uma Mulher Meiga" / "Une Femme Douce"


Robert Bresson
"Uma Mulher Meiga" / "Une Femme Douce"
(França - 1969) – (88 min. / Cor)
Dominique Sanda, Guy Fragin, Jane Lobre.

O cinema de Robert Bresson é rigoroso e cada plano é a prova concreta da aplicação da teoria à prática, devidamente explicitada nas suas “Notas Sobre o Cinematógrafo”. “Uma Mulher Meiga” / ”Une Femme Douce”, datado de 1969, o seu primeiro filme a cores, é a prova do seu olhar sobre o Cinema e a sua interpretação, esse mesmo olhar que Dominique Sanda e Guy Fragin são possuidores durante a representação da tragédia de Hamlet, como se se tratasse das imagens de um futuro próximo.


Nós, que sempre ficámos deslumbrados pela beleza de Dominique Sanda, vamos encontrá-la aqui na sua obra de estreia, despida de artifícios, onde essa mulher meiga possui já o olhar profundo e silencioso que a irá acompanhar ao longo da carreira.


Por outro lado o suicídio dela, logo no início da película vai estar presente ao longo do filme como se ela estivesse no limbo, tendo em conta a narração feita pelo marido em "flasback", enquanto olha pela última vez o corpo amado. Este suicídio está longe da morte de “Mouchette”, que se enrola num velho cobertor e rola pela encosta abaixo em busca das águas do rio. Em “Uma Mulher Meiga” / “Une Femme Douce” estamos perante um desejo de morte, fruto da desistência da vida, precisamente no momento em que tudo iria mudar, pelo menos assim pensa o marido, planeando a partida daquela casa sufocante, onde os livros e os discos, único amparo da mulher, já tinham deixado de respirar. Mas naquela casa há outra presença “incómoda” e vigilante, na figura da silenciosa criada, fiel às ordens do marido, que até a impede de ter férias, apesar da dor que ela sente pelo suicídio da “menina”, essa mulher meiga e submissa.


Durante muitos anos Robert Bresson habitou um dos muitos prédios das margens do Sena e teve oportunidade de assistir a diversas tentativas de suicídio acolhidas pelas águas do rio, só que no caso de “Uma Mulher Meiga” / ”Une Femme Douce” será o asfalto a receber aquele corpo translúcido na dureza da sua forma e estado. Pouco sabemos sobre as origens dos personagens, principalmente dela, que vivia em casa de familiares que a desprezavam, vendo-se obrigada a vender numa casa de penhores os poucos bens que possuía; será aí o encontro com a “salvação”, mas o destino da sua curta vida já estava traçado, porque os pobres não tem o direito de sonhar, como refere Dostoievsky no seu romance, apenas são detentores dos escassos meios para sobreviver e quando essa pequena chama no fundo do túnel da vida se apaga, nada lhes resta… apenas partir para um outro universo em busca de um mundo melhor.

Rui Luís Lima

1 comentário:

  1. Robert Bresson - (1901 - 1999)
    Classificação: 5 estrelas (*****)
    Estreia em Portugal: 4 de Janeiro de 1971.

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