"Intimidade" / "Interiors"
(EUA – 1978) – (93 min. / Cor)
Diane Keaton, Mary Beth Hurt, Kristin Griffith, Richard Jordan,
Sam Waterston, E. G. Marshall, Geraldine Page, Maureen Stapleton.
Em 1978, Woody Allen surpreendeu o mundo inteiro ao realizar “Interiors” / Intimidade”, oferecendo-nos o seu primeiro opus Bergmaniano; os seguintes seriam “Setembro” / “September” e “Uma Outra Mulher” / “Another Woman”. O cineasta, que sempre foi um profundo cinéfilo, nutre uma enorme admiração pelo Mestre sueco Ingmar Bergman e, ao realizar este filme, ofereceu-nos uma verdadeira obra-prima que, passados tantos anos, mantêm o carisma da estreia. Tudo nesta película nos faz recordar Bergman, desde a forma como os interiores das diversas casas são filmados, até à ausência de qualquer tipo de música, sendo a banda sonora composta por lágrimas e suspiros, com uns diálogos brilhantes e esse oceano que banha Long Island, a recordar-nos a hoje célebre ilha de Färo na Suécia, tantas vezes usada por Ingmar Bergman nos seus filmes, aliás nunca é demais recordar que a primeira vez que o cineasta filmou em Färo foi durante a rodagem de “Persona”, uma das suas obras mais célebres.
Iremos assim assistir a uma história onde a presença de Tchekov também se faz sentir, fruto dessa brilhante peça que escreveu intitulada “Três Irmãs”. Aqui essas três irmãs chamam-se Flyn (Kristin Griffith), Joey (Mary Beth Hurt) e Renata (Diane Keaton), que irão ser informadas pelo pai (E. G. Marshall) da decisão de se ausentar do lar, para repensar a sua vida: tem 63 anos, as filhas estão mais que criadas, duas delas já casadas e ele vê chegada a hora de partir para procurar um novo rumo para a sua vida. A notícia apanha todos de surpresa, incluindo a sua mulher Pearl (Geraldine Page), que se encontra presente à mesa onde tomam o pequeno-almoço. Esta decisão irá alterar, decididamente, a vida de toda a família.
Renata (Diane Keaton) é uma poetisa e escritora de sucesso, que desde sempre trava um duelo com a irmã Joey, a eterna favorita dos pais, e que não encontra no casamento a realização que sempre desejou, apesar de já ter uma filha. Ela e o marido vivem em constante disputa pelo sucesso literário, já que ele também é escritor.
Joey (Mary Beth Hurt) encontra-se na fase mais difícil da sua vida, não encontra uma actividade que a estimule, embora esteja sempre em busca da genialidade que não herdou da mãe. Por outro lado a hipótese de ter uma criança nem sequer vive no seu horizonte, apesar da insistência do seu companheiro.
Flyn (Kristin Griffith) é uma das muitas jovens que viram no cinema um modo de vida, em busca da celebridade, mas Hollywood não repara nela e assim é obrigada a viver das suas interpretações em séries de televisão, para além de filmes de segunda ordem. Das três irmãs é a que aparenta ser a mais superficial, fruto do mundo em que vive, em que o eterno sorriso esconde os desgostos que lhe vão na alma.
Frederick (Richard Jordan) é um escritor de sucesso, mas que exige demais de si próprio, sempre criticado pela mulher Renata (Diane Keaton), muito mais célebre que ele no meio literário, e cuja vida matrimonial é um verdadeiro vazio. Aliás Frederick é mais conhecido pelas críticas literárias que faz em revistas da especialidade do que como escritor, refugiando-se na bebida sempre que pode, devido à ausência sentimental da esposa.
Mike (Sam Waterston) é um activista marxista (recorde-se que estamos em finais dos anos setenta, do século xx), que não encontra na mulher Joey (Mary Beth Hurt) a paixão com que sempre sonhou, apesar de ambos se amarem, sendo a insegurança dela um eterno factor de instabilidade, ao mesmo tempo que as interferências da sogra na sua vida são como pequenas bombas relógio. que só não explodem porque ele termina sempre por ceder.
Eve (Geraldine Page) é uma mulher que sempre dominou todos os que a rodeavam, desde o marido às filhas, passando por Mike (Sam Waterston) , que acaba sempre por aceitar as suas “sugestões” para a decoração da casa, recorde-se que ela é designer de interiores. Mas, nesse dia em que o marido anuncia a todos que necessita de partir, o seu mundo perfeito irá desmoronar-se como um simples castelo de cartas, acabando por perder esse eterno controlo que lhe alimentava a vida.
Arthur (E. G. Marshall) é o homem que, de certa forma, sustenta com a sua fortuna a vida de todos, nunca se esquecendo de enviar esse cheque que lhes irá facilitar a sobrevivência no pequeno mundo em que navegam. Até que um dia, aos 63 anos, decide comunicar que chegou a hora dele, de desfrutar os pequenos prazeres a que tem direito. Informa todos de que se trata de uma simples separação provisória, a idade começa a pesar e ele sente que precisa de dar um novo rumo à sua vida.
Pearl (Maureen Stapleton) é a mulher que Arthur irá conhecer numa viagem pelas ilhas gregas e por quem se irá apaixonar. Pearl, apesar da idade e de já se ter casado duas vezes (ambos os maridos já faleceram), vive todos os segundos que a vida lhe oferece, transmitindo de forma simples esses pequenos prazeres, até então desconhecidos de Arthur, tratando-o sempre com um carinho e uma ternura que ele nunca conhecera na companhia de Eve. A notícia do casamento de Pearl e Arthur irá destruir para sempre as fundações do mundo em que todos habitavam.
São estas as personagens que irão navegar no interior desta obra-prima de Woody Allen, construída com um rigor e sensibilidade que, na época, surpreendeu tudo e todos. A forma como ele filma é de um intimismo profundo, como se a sua presença fosse invisível para os actores e depois a fotografia de Gordon Willis é de uma delicadeza profunda, basta reparar no longo travelling na praia, a acompanhar a caminhada de Flyn (Kristin Griffith) e Renata (Diane Keaton) para ficar tudo dito, ou o derradeiro encontro entre Joey (Mary Beth Hurt) e a mãe (Geraldine Page), onde o jogo de sombras já anuncia a morte que está para chegar.
Este drama mais que perfeito, escrito e realizado por Woody Allen, continua a apaixonar o espectador e a forma como os actores são dirigidos é portador de um saber que muitos então desconheciam no cineasta, basta ver a sobriedade da interpretação de Diane Keaton, para ficar tudo dito, mas claro não é só ela, são todos eles que nos deixam perfeitamente fascinados pela forma como fazem viver as personagens que interpretam, como se estivéssemos perante dois quartetos de cordas, cada um a tocar o seu adágio, dum lado mãe e filhas, do outro os maridos e a recém-chegada Pearl.
“Interiors” (nunca um título foi tão belo) é uma película de um intimismo profundo que acaba por transformá-la numa das mais belas obras do cinema contemporâneo.
Rui Luís Lima
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