“O Exercito das Sombras” / “L’Armée des Ombres”
(França – 1969) – (135 min. / Cor)
Lino Ventura, Paul Meurisse, Jean-Pierre Cassel, Simone Signoret, Claude Mann.
A câmara foca o célebre Arco do Triunfo, na Place Étoile, ao mesmo tempo que se escuta o rufar de um tambor e se vê tropas a iniciarem a descida dos Campos Elísios; não são tropas francesas, mas sim o exército alemão que acabara de conquistar Paris perante a indiferença de toda uma população, muitos lhes chamaram “maioria silenciosa”, essa maioria que retomou o seu dia-a-dia, após a rendição das tropas francesas e do acordo assinado pelo Marechal Pétain.
Como alguns recordam, o exército francês tinha construído a célebre “Linha Maginot” para impedir uma invasão do seu território, mas os Panzers alemães vindos das Ardenas tudo esmagaram com a sua velocidade e mobilidade e por essa mesma razão nos recordamos desses célebres documentários com Hitler a descer os Campos Elísios e também a admirar o nosso monumento favorito, a Torre Eiffel, cujos elevadores foram sabotados pela Resistência Francesa, para impedirem o acesso ao topo.
Curiosamente, os franceses ainda construíram uns campos de prisão para os soldados alemães, mas esses mesmos campos acabariam por ter como habitantes os primeiros membros da resistência francesa como relata o polícia que acompanha Philippe (Lino Ventura) rumo ao campo de prisioneiros. E depois iremos encontrar a forma como funciona a hierarquia no interior das camaratas, tudo muito “cavalheiresco”, mas a época não está para cavalheiros, como sabe Philippe. A lei é matar para não morrer e após uma fuga com sucesso (onde Serge Reggiani faz a sua aparição) entramos no interior da casa dos primeiros resistentes franceses.
Quando se fala de resistência e colaboracionismo, temos sempre que ter em conta esse espantoso filme realizado por Louis Malle, intitulado “Lacombe Lucien” / “O Colaboracionista”, para percebermos que as hostes de resistentes só começaram a aumentar de número quando a América entrou na guerra. Muitos foram os nomes que colaboraram com a célebre Polícia de Vichi que, ao sentirem a mudança dos ventos de guerra, mudaram de equipa porque ninguém quer estar do lado dos derrotados e a História, goste-se ou não, é sempre escrita pelos vencedores.
Por isso mesmo uma das cenas mais violentas do filme é a morte de um informador dos alemães no interior da Resistência, em que não há momento para qualquer tipo de piedade, tal como Alfred Hitchcock nos ensinara em “Cortina Rasgada” / “Torn Curtain”, matar um homem não é tão fácil como se pensa e mais uma vez Jean-Pierre Melville nos reafirma essa ideia.
Ao entrarmos no interior da Resistência Francesa dos primeiros anos (recorde-se que o filme se baseia num livro escrito por Joseph Kessell em 1943, quando o final da guerra ainda estava longe), encontramos um grupo pequeno e homens que lutam com fervor, mas com muito pouca organização, já que a coordenação era deficiente, sendo muitos dos seus membros homens comuns e por vezes com um passado obscuro, como Claude “Le Masque” (Claude Mann) com fidelidades muito próximas às que imperavam no então submundo.
Jean-Pierre Melville aborda o tema da Resistência, demonstrando as suas fraquezas e nunca enaltecendo o seu heroísmo, repare-se como ao fazerem-se das fraquezas forças como sucede com Mathilde (Simone Signoret), se termina por ser apanhado através do elo mais fraco, uma simples fotografia da filha, que trás na carteira e que a irá vergar, confessando a identidade dos seus companheiros, pagando com a vida o gesto de salvar a filha de um campo de concentração na Polónia.
Em “O Exercito das Sombras” não há lugar a heroísmos, mas sim a uma luta em que se sabe que mais tarde ou mais cedo, é tudo uma questão de tempo e o melhor é jogar os trunfos todos de uma só vez num gesto heróico e derrotista como faz Jean François (o espantoso Jean-Pierre Cassell), ao deixar-se prender para apenas comunicar com Philippe na cela.
Podemos dizer, por tudo o que atrás foi dito, que este filme de Jean-Pierre Melville foi na época muito mal recebido pelo público, assim como pela crítica cinematográfica, que viu uma transposição do “polar” para o interior da História recente.
Se por vezes certas convenções do género são bem patentes na película, elas surgem como uma espécie de “verdade dos factos” dos primeiros anos de resistência, anos esses em que apenas um punhado de homens e mulheres, com uma organização deficiente, tudo fizeram para manter acesa a chama da liberdade na noite escura que se abatera sobra a França. Recorde-se que todos os membros deste grupo de resistentes serão presos e mortos como nos informa o cineasta no final da película.
Rever hoje “O Exército das Sombras” é entrar no interior da História do Cinema, para descobrir uma película magnífica assinada pela mão de Jean-Pierre Melville.
Rui Luís Lima
Jean-Pierre Melville - (1917 - 1973)
ResponderEliminarClassificação: 5 estrelas (*****)
Estreia França: 12 de Setembro de 1969.