“Imitação da Vida” / “Imitation of Life”
(EUA – 1959) – (125 min. / Cor)
Lana Turner, John Gavin, Juanita Moore, Sandra Dee.
Quando se fala em melodrama, na História do Cinema, o primeiro nome que surge no firmamento é inevitavelmente o de Douglas Sirk, aliás Sierck Detlef (seu nome real), nascido em Hamburgo na Alemanha, filho de pais dinamarqueses.
E dizemos o primeiro, porque logo a seguir encontramos o de John M. Stahl, outro cineasta que levou este género até ao topo da Sétima Arte e curiosamente há uma profunda ligação entre ambos, já que Sirk fez “remakes” dos filmes de Stahl, sendo “Imitation of Life” um deles, tendo até Douglas Sirk adoptado o mesmo título para o seu “remake”; assim, no lugar outrora ocupado por Claudette Colbert, iremos ter Lana Turner, essa mesma Lana Turner que serviu de modelo a um belo poema de Frank O’Hara, já aqui falámos dele e que surpreendeu tudo e todos com a sua interpretação em “O Carteiro Toca Sempre Duas Vezes” de Tay Garnett, também já aqui abordado.
“Imitação da Vida” conta-nos a história de duas mulheres, uma branca e outra negra, ambas sem maridos e ambas com duas filhas, que um dia se encontram na praia de Coney Island. E se a pequena Susie é o rosto de Lora Meredith (Lana Turner), já Sarah Jane não possui os traços da sua mãe Annie Johnson (Juanita Moore), sendo essa diferença de pigmentação o seu maior pesadelo desde tenra idade, porque todos a julgam branca e ela não gosta que se saiba que a sua mãe é negra, porque imediatamente será marginalizada pela sociedade, essa mesma sociedade tão branda de costumes e que cultiva um profundo racismo no seu interior.
Mas nesse encontro na praia há mais uma personagem, o fotógrafo Steve Archer (John Gavin), que irá cruzar a sua vida com aquelas duas mulheres e respectivas filhas, ao longo dos anos, porque Lora (Lana Turner) é uma mulher que lhe desperta os sentidos. E aqui muitos se interrogaram por esta personagem não ser interpretada por Rock Hudson, o actor que o cineasta lançou na ribalta com os seus famosos melodramas. A resposta é simples: este é um filme de mulheres, de quatro mulheres, onde os homens são personagens secundários ou acessórios perfeitos para pontuarem a história delas.
Lora Meredith (Lana Turner), ao longo dos anos, foi uma espécie de assistente do marido, um director teatral, e quando ele morreu ficou sem eira nem beira, numa altura em que a idade já se fazia sentir. Ela decide então enfrentar a vida e entrar novamente na corrida, muitas vezes usando estratagemas, que a levarão a bom porto. Graças à sua beleza e depois ao seu talento, ela irá passar de modelo a actriz consagrada, vendo o sucesso a bater-lhe à porta, mas para conseguir subir a escada ela terá que fazer cedências e ao dedicar todo o seu tempo à sua carreira, entregando a sua filha Susie (Sandra Dee) aos cuidados da sua amiga Annie, que trabalha em sua casa, ao mesmo tempo que vai afastando Steve Archer (John Gavin) do seu caminho, adiando o seu amor por ele.
Já Annie (Juanita Moore) encontra naquela mulher a sua melhor amiga, essa mulher que lhe ofereceu uma casa numa época em que ambas nada tinham e lhe deu um tecto para a sua pequenina filha Sarah Jane, que ao longo dos anos irá cultivar um desprezo pela mãe devido à cor da pele desta, escondendo as suas origens e dizendo a todos que é branca, tornando desta forma a vida da mãe num profundo desgosto que a irá aniquilando lentamente. Iremos assim assistindo a essa luta entre uma mãe que ama profundamente a filha e deseja o melhor mundo para ela, enquanto Sarah Jane despreza a mãe à medida que vai crescendo e será através deste confronto que iremos descobrindo o racismo que habita a sociedade norte-americana dessa época, um racismo subterrâneo e “bem comportado”, mas que quando surge à superfície se torna profundamente violento. Basta ver a forma como Frankie (Troy Donahue), o namorado de Sarah Jane, lhe bate quando descobre que a mãe dela é negra e a abandona caída na rua, ou quando esta é despedida do “night-club” onde trabalha como corista, quando a mãe a vai ver.
Por outro lado Steve Archer torna-se um homem de negócios bem sucedido, mantendo os laços com a família, vendo crescer as duas raparigas, ao mesmo tempo que continua a amar Lora, essa mulher que só tem tempo para a sua carreira. E será durante a ausência de Lora, numas filmagens, que a sua filha Susie começa a cultivar a sua paixão por ele de forma secreta, até que confessa à mãe o nome do homem por quem está apaixonada.
Douglas Sirk constrói desta forma a essência do melodrama: se já tínhamos tido a diferença de classes em filmes anteriores, aqui encontramos o racismo numa extensão até aqui nunca vista no cinema desses anos, criando de forma sublime o vocabulário de que este é feito, o duelo de amor entre uma mãe e a sua filha, fruto de uma sociedade que olha a cor da pele como sinónimo de mundos diferentes e profundamente distantes, quando na verdade todos somos frutos do amor entre duas pessoas.
O cinema de Douglas Sirk andou durante algumas décadas esquecido de todos e foi com o filme de Todd Haynes “Longe do Paraíso” / “Far From Heaven”, sobre o qual já aqui escrevemos, que ele voltou a ser falado, para depois muitos descobrirem como a obra de Rainer Werner Fassbinder se filiava no cinema de Douglas Sirk, tendo até o cineasta alemão assinado um conjunto de três pequenos filmes com Douglas Sirk, aliás os derradeiros do génio do melodrama.
Se não viu o filme em sala quando ele foi reposto em cópia restaurada, veja a edição em DVD de “Imitação da Vida” / “Imitation of Life” porque é soberba e ainda nos oferece como extra o filme de John M. Sthal. (Re)descobrir este filme é encontrar a essência do melodrama no interior da Sétima Arte.
Rui Luís Lima
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