“Tudo Vai Bem” / “Tout Va Bien”
(França - 1972) – (95 min. / Cor)
Yves Montand, Jane Fonda, Vittorio Caprioli, Elizabeth Chauvin, Anne Wiazemsky.
Era inevitável hoje falarmos de “Tout va Bien” de Jean-Luc Godard, depois de termos recordado “Barbarella” de Roger Vadim e, como é fácil de ver, a razão não se prende com os realizadores mas sim com a actriz principal de ambas as películas, a americana Jane Fonda que, entre estes dois filmes rodados em França, irá protagonizar em terras americanas duas obras charneira na sua carreira, referimo-nos a “Klute” de Alan Pakula e “Os Cavalos Também se Abatem” / “They Shoot Horses, Don’t They?” de Sydney Pollack. E será extremamente curioso a tomada de consciência política que a actriz teve no período que decorre de 1968-1972, ou seja de simples boneca sensual passou a activista política, fazendo o impensável para muitos americanos ou seja ir até Hanói, “confraternizar” com os guerrilheiros de Vietcong ou se preferirem com as forças militares do Vietname do Norte.
A tomada de consciência política da jovem Jane Fonda terá sido uma das principais razões de Jean-Luc Godard para a convidar para protagonizar o seu “Tout va Bien”, uma espécie de balanço do Maio/68, partindo de um caso real, visto ao microscópio da câmara de cinema. O outro protagonista seria Yves Montand, bem conhecido pelas suas posições políticas, recorde-se que ele é italiano e teve que fugir ainda em criança dos fascistas, que perseguiam o seu pai na época de Mussolini, como relata nas suas memórias e possui em “A Confissão” / “L’Aveau” de Costa Gravas uma das suas mais extraordinárias interpretações, sendo o filme uma profunda denúncia do totalitarismo que então vigorava nos chamados países de Leste.
Temos assim, neste filme de Jean-Luc Godard, dois actores profundamente empenhados politicamente, enquanto por outro lado o cineasta se faz acompanhar na realização pelo seu colega dos “Anos de Mao”, do Grupo Dziga Vertov, Jean-Pierre Gorin, que assim estabelece uma certa ponte entre a ficção possível e o documentário. E a ficção possível é a história de Suzanne (Jane Fonda) uma jornalista americana que trabalha em Paris e Jacques (Yves Montand) um cineasta que se dedica à publicidade para sobreviver, enquanto aguarda uma oportunidade para obter os meios financeiros necessários para fazer o seu filme. Este casal, ao deslocar-se a uma fábrica nos arredores de Paris, acabará por ser sequestrado quando fazia uma entrevista ao dono/patrão da fábrica, ficando os três prisioneiros dos trabalhadores que tudo discutem e nada decidem, e nem o delegado sindical da CGT os irá conseguir tirar do purgatório em que eles se encontram.
Curiosamente, “Tout va Bien” / “Tudo vai Bem” tem início com um grande plano sobre um livro de cheques, onde o cineasta vai escrevendo as quantias a pagar aos participantes do filme e assim iremos sabendo os francos gastos com a produção da película, ao mesmo tempo que descobrimos que as vedetas são as mais bem pagas, como não podia deixar de ser no “sistema capitalista”, porque serão os rostos dos dois protagonistas que servem de propaganda/publicidade do filme, embora eles não façam nenhuma opção de classe como protagonistas, terminando apenas por se interrogarem sobre esse pequeno mundo que os rodeava, tentando oferecer a sua verdade dos factos. Repare-se que Suzanne (Jane Fonda) não consegue ler na rádio o texto anteriormente escrito por ela que foi vítima de alterações por parte da direcção da Estação. Por outro lado o cineasta que faz publicidade para sobreviver, termina também por se interrogar sobre o rumo a dar à sua Arte.
Jean-Luc Godard, como sempre, deixa a sua visão da história a pairar sobre o filme, recorde-se que a sua obra tem sido, ao longo de décadas, uma espécie de relatório sobre o estado do mundo e do cinema ou se preferirem o estado do cinema no mundo.
“Tout va Bien” / “Tudo Vai Bem” surge assim ainda como uma obra militante do período Dziga Vertov (apesar de possuir duas estrelas de cinema no seu interior), aliás Jean-Luc Godard só voltaria efectivamente ao Cinema através dessa obra-prima intitulada “Sauve Qui Peu (La Vie)” / “Salve-se Quem Puder”. E se para muitos “Tout va Bien” se encontra datado, para outros eles surge como um belo retrato dos anos que se seguiram aos acontecimentos de Maio/68, porque alguns ainda sonharam durante largos anos com essa utopia em que a imaginação poderia tomar o poder.
Basta olharmos cinematograficamente esses anos, para encontrarmos obras como “Jonas, que Terá 25 Anos no Ano 2000” / “Jonas qui aura 25 ans en l’na 2000” de Alain Tanner ou “A Greve” / “Coup pour coup” de Marin Karmitz que, no Portugal de 1974, passou quase invisível na sala do Cinema Universal, tendo sido recentemente editado em dvd pela Midas. Mas como não há duas sem três e como falámos aqui de dois filmes em contexto, nada melhor do que terminar com um filme de Jean-Luc Godard, desses anos setenta e cujo argumento nasce de uma fotografia, tal como o célebre “Letter to Jane” (realizado logo a seguir a “Tout va Bien”), tirada em Portugal durante uma das inúmeras manifestações que decorreram nesses anos de 1974/75, chama-se “Comment ça Va” e começa por interrogar as razões que levam dois protagonistas dessa fotografia/manifestação a procederem de uma determinada forma, e aqui todos poderemos ter as nossas interpretações: porque razão o civil segurava o braço do militar?
“Tout va Bien” / “Tudo vai Bem” surge assim como uma excelente porta de entrada para o cinema militante de Jean-Luc Godard e do seu colectivo Dziga Vertov e não se esqueçam de ver esse dispositivo encetado por Godard, ao transformar o Estúdio em Fábrica, para depois nos ir oferecendo os seus travellings militantes, à medida que a tensão/confronto vai aumentando. Um filme que vale a pena (re)descobrir!
Rui Luís Lima
Jean-Luc Godard - (1930 - 2022) reúne duas estrelas do cinema mundial, Jane Fonda e Yves Montand e realiza "Tout va bien" / Tudo Vai Bem", que surpreendeu o auditório cinematográfico e a crítica cinematográfica.
ResponderEliminarClassificação: 5 estrelas (*****)
Estreia em Portugal: 30 de Março de 1976.