quinta-feira, 1 de agosto de 2024

John Ford - (1894 - 1973) - My Name is Ford and I Make Westerns!


John Ford - (1894 - 1973)

My Name is Ford and I Make Westerns!

1. - A frase de John Ford “My name is Ford and I make westerns”, por ele proferida, numa conversa com Peter Bogdanovich ficou célebre e o “velho” senhor sabia muito bem o que com ela pretendia dizer.

Sean Aloysius O’Fearna nasceu a 1 de Fevereiro de 1895 na Irlanda, a sua terra sempre amada. A sua infância foi dura e a fome era um elemento bem presente na vida dos irlandeses, devendo-se a isso a sua partida para os EUA, esse Novo Mundo, que Dvorak tão bem retratou na sua Sinfonia mais célebre, que acabaria por vir a ser a sua Pátria.

"Dama, Valete e Rei" / "Cameo Kirby"

Chegado a esse Novo Mundo. John Ford partiu para essa “granja” que então nascia num território chamado Hollywood, onde executou as mais diversas funções no universo do Cinema, esse mundo então nascente, a par de uma Indústria, denominada Cinema.

Na época, o Cinema era mudo e o ano de “O Cantor de Jazz” / “The Jazz Snger” estava ainda muito distante. Começou a realizar “westerns” para Harry Carey nas mais duras condições e será talvez o cineasta com mais filmes perdidos da época do Mudo. Nesses anos assinava os “movies” como Jack Ford, até que em 1923 ao realizar “Cameo Kirby”, coloca a assinatura que ficaria para a História do Cinema: John Ford.

"Os Quatro Filhos" / "Four Sons"

O seu filme mais célebre desse período, cuja visibilidade é maior neste século xxi é “The Four Sons” / “Os Quatro Filhos”, em que uma mãe vê os seus filhos partir para a Guerra, onde três deles irão morrer, nessa enorme carnificina, que foi a Primeira Guerra Mundial (1).

"O Denunciante" / "The Informer"

Ao longo dos anos o “western” será o seu território privilegiado, daí a célebre frase “my name is Ford, I make westerns”, citada por aquele que melhor o conheceu e estudou, de seu nome Peter Bogdanovich. Seria aliás o facto de Bogdanovich e Ford se tratarem por tu, tal como vai suceder na relação de Peter Bogdanovich com Orson Welles, que irá criar imensas invejas ao futuro cineasta ao longo da sua carreira. Mas fechemos este parêntesis, para recordar que se o “western” era o género de eleição de John Ford, “Monument Valley” irá revelar-se como o território mítico, onde rodou inúmeros filmes e onde se poderá encontrar o célebre “Ford Point” para o cinéfilo em férias, onde a planície e as rochas e mesetas se cruzam e interligam numa paisagem, onde estamos sempre à espera do aparecimento da cavalaria, sobre o comando de John Wayne.

"A Primeira Batalha" / "The Plough and The Stars"

Mas se o “western” foi o território por excelência para John Ford, a sua Irlanda Natal que esteve sempre no seu coração, também servirá de paisagem a algumas das suas películas mais célebres e basta recordar filmes como essa obra-prima que vi pela primeira vez aos dez anos de idade, intitulada “O Homem Tranquilo” / “The Quiet Man” (1952) possivelmente o mais irlandês dos filmes da sua filmografia.

Aliás as suas simpatias pelos independentistas irlandeses nunca foram escondidas, tanto no dia-a-dia, como no fenomenal “O Denunciante” / “The Informer” (1935) ou “A Primeira Batalha” / “The Plough and The Stars”, onde o expressionismo respira por todos os poros e o amor pela independência da sua terra natal se encontra sempre bem patente.

"O Homem Tranquilo" / "The Quiet Man"

John Ford foi o irlandês que um dia se apaixonou por esse território ainda virgem conhecido como o Oeste, tornando-o numa verdadeira personagem das suas películas e se formos até lá, encontramos um “mundo” inalterado: os índios continuam a viver no território dos seus antepassados, esquecidos por todos, como se permanecessem numa reserva e sabemos que esses mesmos índios encontravam o seu ganha-pão nos “westerns” de John Ford e o consideravam como um pai, porque foram muitas as vezes, em que a fome rondou a sua terra e quando as notícias das deploráveis condições de vida chegavam aos ouvidos do cineasta em Hollywood, ele dizia: “meus senhores, vamos até Monument Valley rodar mais um “western”.

"Forte Apache" / "Fort Apache"

Mas nada melhor do que dar a palavra ao próprio cineasta: “Sou de origem irlandesa, mas de cultura “western”. Interesso-me pelo folclore do Oeste, porque me interessa mostrar o real, num quase documentário. Eu próprio já fui “cow-boy”. Gosto do ar livre, dos grandes espaços. O sexo, a obscenidade, os degenerados são coisas que não me interessam.”

"Rio Grande"

A sua obra tem sido editada em DVD lentamente, sem grande alarido. Existe uma caixa contendo o famoso ciclo da Cavalaria, que inclui: “Forte Apache”, “Rio Grande” e “Os Dominadores” / ”She Whore a Yellow Ribbon” (2). “Os Dominadores”, o meu filme favorito, relata-nos os últimos dias de um capitão de cavalaria (John Wayne) e a sua vida no Forte que terá que deixar, embora os índios continuem a fazer os seus estragos, talvez menores que os da jovem mulher faz no coração de dois dos seus oficiais, que aspiram a conquistar o amor daquela que usa a célebre fita amarela da cavalaria a prender o seu cabelo. A acção da película situa-se após a célebre batalha de Little Big Horn, onde o controverso General Custer perdeu a vida, acompanhado pelos seus homens do 7º Cavalaria, revelando-se este “She Whore a Yellow Ribbon” uma das mais belas películas realizadas por esse bom gigante do cinema chamado John Ford.

"Os Dominadores" / "She Wore a Yellow Ribbon"

2. - Continuando no “western” não podemos deixar de referir duas obras-primas do Cinema: “A Desaparecida” / “The Searchers” e “O Homem Que Matou Liberty Valance” / “The Man Who Shot Liberty Valance”.

"A Desaparecida" / "The Searchers"

“A Desaparecida” / “The Searchers” é, acima de tudo, um filme sobre a vida no Oeste, muito distante do “Shane” de George Stevens, já que a narração de John Ford se prende não com a vitória de um Homem, mas sim com a derrota de um Homem, porque a personagem interpretada por John Wayne é a de um Homem sem “casa”, após a derrota dos confederados, encontrando na busca de uma criança branca (Natalie Wood), raptada pelos índios, a sua razão de viver.

Ethan Edwards (John Wayne) parte na sua odisseia, mas quando encontra a criança já adulta, casada com um guerreiro índio, quase decide partir sem ela, porque ela representa o fim da sua última missão, vendo na jovem apenas mais uma pele-vermelha e não a rapariga do seu próprio sangue. O último plano do filme com a partida de Ethan rumo ao desconhecido, visto do interior da casa, até que a sua figura se confunde com o horizonte, representa bem a solidão que tantas vezes atingiu os personagens, que habitam de forma sublime os filmes de John Ford.

"O Homem que Matou Liberty Valance"
"The Man Who Shot Liberty Valance"

“O Homem Que Matou Liberty Valance” / “The Man Who Shot Liberty Valence” revela-se o “western” nostálgico por natureza, já que nele o herói (James Stewart), um advogado de Leste que serve no “saloon”, se vê constantemente confrontado com esse “western selvagem” protagonizado por Liberty Vallance (interpretado por um Lee Marvin inesquecível) e apenas um homem pode fazer frente à selvajaria de Liberty Vallance, o rancheiro Tom Doniphon (John Wayne), esse mesmo rancheiro que se encontra apaixonado por Hallie (Vera Miles) (3), mas a presença e os modos delicados de Ramson (James Stewart) começam a apoderar-se do coração de Hallie.

John Ford
(1894 - 1973)

“O Homem Que Matou Liberty Valance” fala-nos acima de tudo da chegada da “civilização” ao velho Oeste, mas será essa mesma “civilização”, que irá (re)escrever a História, publicando a Lenda e ignorando a verdade dos factos.

Nunca John Wayne esteve tão bem, como na sequência em destrói a casa construída por si para albergar o amor da sua vida, cheio de amargura e raiva, após ter perdido a mulher amada, ele que afinal até tinha morto Liberty Valance (Lee Marvin) na escuridão da noite, para salvar o indefeso Ransom Stoddard (James Stewart).

"As Vinhas da Ira" / "The Grapes of Wrath"

Para terminar gostaríamos de salientar uma trilogia de obras-primas do universo Fordiano: “As Vinhas da Ira”, “O Vale Era Verde” e Mogambo”.

“As Vinhas da Ira” / “ The Graphes of Wrath”, baseado no famoso romance de John Steinbeck, retrata-nos a recessão e a deambulação de uma família em busca de trabalho e a revolta de Tom Joad (Henry Fonda, numa interpretação memorável) perante as condições de sobrevivência e a injustiça que se abate sobre eles. Inesquecível o grito de revolta da personagem interpretada pelo genial Henry Fonda no final da película, porque enquanto existir um oprimido, o seu grito de revolta estará lá, para nunca mais ser esquecido.

"Mogambo"

Já “Mogambo” é um “remake” de “Red Dust” / “Terra Abrasadora”, no qual Clark Gable regressa à personagem interpretada no primeiro filme realizado por Victor Fleming, desta feita ao lado do “mais belo animal do mundo” de seu nome Ava Gardner, que na película de John Ford interpreta a personagem anteriormente assumida pela também bela Jean Harlow.

Estamos em África, essa terra inóspita para as mulheres, mas será esse território africano do universo dos safaris, tão atraente para as paixões avassaladoras em busca desse amor ardente propiciado pelo clima? Em “Mogambo” temos um duelo memorável interpretado por Ava Gardner e Grace Kelly. Aliás o duelo foi tão vibrante e intenso, que ambas ganharam o “Oscar” de Hollywood. Ava Gardner para Melhor Actriz Principal e Grace Kelly para o de Melhor Actriz Secundária, embora na película ambas dividam o coração de Marswell (Clark Gable) e tenham a mesma intensidade interpretativa.

“O Vale Era Verde” / “How Green Was My Valley”

No que diz respeito a “O Vale Era Verde” / “How Green Was My Valley” trata-se “apenas” do filme que “roubou” os “Oscars” a “Citizen Kane” de Orson Welles.

Todos sabemos como Orson Welles foi vítima da campanha do Magnata da Imprensa norte-americana da época, o célebre Hearst, que se viu retratado no filme de Welles, mas a obra de John Ford e a sua história de uma família numa pequena cidade mineira é de uma ternura e sensibilidade comoventes. Na verdade estamos perante duas obras-primas da Sétima Arte e a Academia de Hollywood optou por uma, mas aqui não há vencedores nem vencidos. A história daquela aldeia contada por Huw Morgan (Roddy McDowell) e a vida e luta da sua família é um dos mais belos retratos oferecidos pelo Cinema.

Neste século XXI em que por vezes a memória parece perdida, nunca é demais recordar John Ford e o seu Cinema, com ele sentado na sua cadeira de realizador em Monument Valley tirando o seu lenço do bolso, para soprar nele, enquanto o tabaco continua a ser fumado e mascado, na pausa das filmagens. Ao mesmo tempo que confessa ao seu amigo Peter Bogdanovich: my name is Ford, and I make westerns.

John Ford

(1) – Será curioso comparar esta película de John Ford, onde o expressionismo é bem patente, com o mote de “Saving Private Ryan” de Steven Spielberg, a mesma premissa, muitos anos depois, numa outra guerra, onde a carnificina se juntou à irracionalidade do Homem.

(2) - “Yellow Ribbon” o célebre laço amarelo que a mulher trás no cabelo, sinónimo do compromisso amoroso, mas “secreto”, com um homem da cavalaria.

(3) – Vera Miles a actriz que Hitchcock escolheria para protagonista de “Vertigo”, mas que renunciou ao papel em virtude de se encontrar grávida, para profunda tristeza do Mestre do Suspense, que aceitou contrariado Kim Novak, que fora proposta pelo Estúdio. Alfred Hitchcock ficou tão abalado com o sucedido, que sempre que falava de “Vertigo” ao referir-se a Kim Novak, a tratava sempre pelo nome da personagem, a inesquecível Madelaine.

Rui Luís Lima

1 comentário:

  1. John Ford - (1894 - 1973)
    Foi na sua juventude que John Ford abandonou a sua Irlanda natal devido à fome que atingia a região e partiu para a América, onde o cinema dava os seus primeiros passos, numa pequena povoação da Califórnia que viria a ser conhecida como Hollywood.

    Nesses anos o cinema era mudo e o jovem irlandês começou na realização a assinar os filmes como Jack Ford e rapidamente ganhou estatuto passando a assinar como John Ford e o nome do irlandês cimentou-se no interior do universo do cinema norte-americano. Quando surgiu o sonoro em 1930 ele fez a transição sem problemas e começou a marcar pontos como cineasta, sendo de referir que muitos dos seus filmes do período mudo se encontram perdidos nos dias de hoje devido às películas de nitrato, que eram bastante inflamáveis.

    Mas seria com a realização do célebre "Stagecoach" que John Ford passará a ser um dos mias importantes cineastas do cinema norte-americano, ao mesmo tempo que surgia um jovem chamado John Wayne, que viria a ser uma peça fundamental da sua filmografia e o seu actor preferido, reorde-se que esta película inovadora, virá a ser vista mais de 40 vezes por Orson Welles antes de realizar "Citizen Kane".

    E seria assim que John Ford se irá tornar no mais célebre cineasta de "westerns", deixando-nos um conjunto de filmes inesquecíveis, embora tenha visitado diversos géneros cinematográficos, nunca se esquecendo a sua querida Irlanda, ao mesmo tempo que à sua volta se constituia um grupo de actores que ficaria conhecido como "a gente de Ford".

    Para terminar gostaria de referir que no período da tristemente famosa "caça às bruxas", numa conturbada assembleia de realizadores foi pedida a cabeça de Joselp«ph Leo Mankiewicz presidente da Associação e seria John Ford, o mais respeitável cineasta presente a sair em sua defesa, impedindo males maiores, marcando desta forma uma posição no interior da história do cinema que bem merece ser recordada.

    Já o título deste post "My Names is Ford I Make Westerns" é retirado de uma entrevista a Peter Bogdanovich, que viria a realizar um filme sobre este nome incontornável da Sétima Arte!

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