domingo, 1 de setembro de 2024

Rádio - O Homem no Tempo!


Rádio: O Homem no Tempo!

Foi durante ano e meio ou mais precisamente entre 18 de Maio de 1977 e 29 de Dezembro de 1978, com periocidade semanal, que tivemos na rádio uma das mais belas aventuras na Arte de fazer Rádio e de nos convidar a pensar no mundo que nos rodeia, mas também no ser em que nos transformamos ao longo da nossa passagem pela terra. Trata-se do programa de Antropologia Cultural assinado pelo psicanalista João Sousa Monteiro e realizado por João David Nunes, uma dessas realizações radiofónicas únicas na História da Rádio em Portugal.

João David Nunes

O programa “O Homem no Tempo” era emitido por volta da meia-noite e meia, uma dessas horas em que o auditório se prepara para dormir ou então já navega na terra dos sonhos, mas no entanto e é aqui que eu me situo como ouvinte, o programa “O Homem no Tempo” era retransmitido por volta das 21h30, no programa “Fórum” do Jorge Lopes (do qual já aqui vos falei, e assim nesse dia, na última meia-hora, não havia ECM para ninguém). Ao longo de ano e meio escutei atentamente o “Homem no Tempo”, que me dizia que “é mais fácil matar do que pensar, é mais fácil matar do que amar” ou se preferirem outra equação do programa, ofereço-vos esta: “penso, logo desisto!”


“O Homem no Tempo” convidava o ouvinte a pensar e a interrogar-se, conversava connosco e dizia-nos que “um dos tabus sociais de maior importância estratégica para a sobrevivência e bom funcionamento de qualquer sociedade civilizada consiste na proibição de pensar”, ora numa época conturbada como a que vivemos neste século XXI em que à boleia do “politicamente correcto”, se formatam as opiniões e se conduz a informação á boleia da ideologia dominante, sendo muito perigoso pensar de maneira diferente, este programa nos dias de hoje seria certamente subversivo e teria os dias contados.


Mas nunca será de mais referir que a realização de João David Nunes se revelava algo de mágico, porque por aqui tínhamos uma linguagem sonora oriunda de todos os meios incluindo do audiovisual, numa montagem mais-que-perfeita de sons, música e palavras e acima de tudo tínhamos essa voz inconfundível de João David Nunes. E quando foram dadas como terminadas as emissões a “Assírio & Alvim”, editou os textos lidos no programa “O Homem no Tempo” em dois volumes, incluindo, num deles, o esquema de preparação/condução de uma das emissões, que se revela profundamente aliciante de ver. Mais tarde após os livros terem ficado esgotados, a mesma editora fez uma outra edição em apenas um volume com o título de “Tire a Mãe da Boca”, o mesmo título do primeiro volume, da primeira edição, sendo o do segundo volume da primeira edição um pouco extenso: “Tabú, Príncipe dos cágados de fraldas ao vento, ladra às portas do futuro ou sonho de uma jovem que queria ingressar na ordem das carmelitas”.


Hoje em dia os livros desta emissão radiofónica são muito difíceis de encontrar, mas se os descobrirem nos Alfarrabistas, optem sempre pela edição em dois volumes, pois está mais completa e não se esqueçam da história que Ronald Laing nos conta no início (cito de memória): “um polícia reparou numa criança que andava com uma sacola ao ombro, em Londres, as voltas do quarteirão e dirigindo-se a ela perguntou-lhe se ela estava perdida e ela respondeu-lhe que não, apenas tinha fugido de casa, mas estava proibido de atravessar a rua…”

Rui Luís Lima

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