segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Steven Spielberg - O Vendedor de Sonhos!


Steven Spielberg - O Vendedor de Sonhos!

1. - Steven Spielberg foi o “wonder-boy” do cinema norte-americano. A sua paixão pela Sétima Arte vem de tenra idade e as irmãs foram as primeiras “vítimas” da sua imaginação prodigiosa. A família era a sua casa produtora e nem o pai escapou à voragem da câmara de 8 mm, suando e sofrendo com a forte direcção de actores, já patenteada pelo filho.

Os Estúdios da Universal iriam ser o seu primeiro lar cinematográfico, pois ali se escondia para ver Alfred Hitchcock filmar. Inicia-se aos vinte anos no pequeno écran, dirigindo alguns dos episódios das séries “Colombo”, “Marcus Welby” e “The Name of the Game”.

“Duel”/”Um Assassino Pelas Costas”

“Duel”/”Um Assassino Pelas Costas” é a história de um camião assassino, com alvo localizado, cuja identidade do seu ocupante nunca nos será revelada ao longo do filme, a não ser a sua imagem de monstro invasor da estrada. Para termos essa sensação de desamparo e solidão, basta fazermos um daqueles percursos através do deserto, em que a ausência de sorrisos na paisagem nos leva quase ao desespero, sendo sempre imensos os traços no asfalto de veículos que perderam o controlo, acompanhados de restos de pneus, vitimados pelo calor. Se desejarem experimentar essa sensação, façam a travessia do deserto de Mojave e quando um camião vos surgir no espelho retrovisor é inevitável pensarem em “Duel”, ao mesmo tempo que um calafrio vos percorre o corpo. Já sentimos essa sensação, mas o camião passou e o motorista acenou-nos, desejando-nos uma boa viagem para nossa tranquilidade.

O sucesso de “Duel”, realizado para o pequeno écran, foi enorme, acabando a película por ser distribuída nos cinemas, originando o nascimento de um dos mais famosos “cult-movies” de sempre. O segredo do filme é a estratégia narrativa adoptada por Steven Spielberg, concentrando todos os meios ao seu dispor em redor do veículo conduzido por Dennis Weaver, obrigando-nos a partilhar os sentimentos que invadem o protagonista da película.

“Something Evil” / ”A Presença do Mal”

A sua segunda longa-metragem, “Something Evil”/”A Presença do Mal”, ainda para a caixa que mudou o mundo, navega no território do filme de terror, transportando consigo o elemento mais característico dos seus filmes: a família como espaço celular compacto ou desagregação apreendida, fruto da realidade vivida pelo jovem Steven.

Curiosamente foi na TV, e mais tarde na Cinemateca, que descobrimos esta obra de Steven Spielberg, que se situa muita na linha dos produtos saídos da “factory” de Roger Corman, onde aprenderam o ofício outros “movies-brats” e possuindo bastantes pontos comuns com a película “Dementia 13” realizada por Francis Ford Coppola. Por fim, antes do seu baptismo de fogo no grande écran, nasce “Savage”, um thriller com Martin Landau, baseado nas investigações que são feitas por um jornalista acerca de um dos nomes indigitado para o Supremo Tribunal.

“Asfalto Quente” / ”Sugarland Express”

“Asfalto Quente”/”Sugarland Express” foi estreado em Portugal, mas quantas vezes foi reposto e passado no pequeno écran? Quantos cinéfilos apaixonados por Steven Spielberg viram a película? Muito poucos! Mas na época o filme foi bastante “badalado”. Estamos perante a história de um falso rapto que se transforma em verdadeiro, arrastando atrás da bela e loura Goldie Hawn toda a polícia do Texas. Como não podia deixar de ser e ao revermos esta película de Steven Spielberg, acabamos por nos vir à memória a película “A Perfect World”, realizado por Clint Eastwood, muitos anos depois. Na época estávamos à beira de descobrir o sistema que iria mudar a história comercial do cinema e marcar o regresso dos grandes Estúdios, com a criação do “blockbuster”, que iria alterar para sempre o sistema de divulgação e distribuição cinematográfico.

"Jaws" / “Tubarão” 

2. - “Tubarão” foi o primeiro “blockbuster” da história do cinema, uma obra cinematográfica onde o terror é dono e senhor do espectador. Se visitarem o Parque Temático da Universal em Hollywood podem encontrar o célebre Tubarão durante a viagem a atacar-nos (é bem divertido!), mas voltemos ao Steven Spielberg. “Jaws” foi o primeiro grande êxito comercial de Steven Spielberg, transformando o “wonder-boy” e os seus filmes futuros em inquilinos definitivos da lista de películas mais vistas de sempre nos EUA.

“Encontros Imediatos de Terceiro Grau” / 
"Close Encounters of the Third Kind” 

No ano de 1977 nascem “Encontros Imediatos de Terceiro Grau” / “Close Encounters of the Third Kind” e o cinema assume o seu carácter de magia, com a imagem de cientista francês interpretado por François Truffaut. O cineasta francês não dominava o inglês, mas Steven Spielberg queria tanto que ele participasse no filme, que a personagem foi moldada à sua imagem, falando sempre francês ao longo da película e todos sabemos como François Truffaut se sentiu feliz em participar no filme de Steven Spielberg.

“1941-Ano Louco em Hollywood”/ “1941”

Os terrenos do menino-prodígio pareciam que estavam delineados, abordando o filme de terror e a ficção cientifica, mas a comédia também estava no seu horizonte e “1941-Ano Louco em Hollywood”/ “1941” é o novo caminho, onde já se faz sentir a mão de Robert Zemeckis (o argumentista da película e futuro cineasta com uma magnifica carreira), com essa dupla de actores, formada por Dan Akyroyd e John Belushi, digna herdeira dos irmãos Marx.

”1941” é o retrato da histeria em que viviam os americanos depois do ataque japonês a Pearl Harbour. Toda a película é uma perfeita loucura, mas dois momentos são dignos de destaque: o início do filme com a citação a “Tubarão”, com o terror a dar lugar à comédia e, por outro lado, toda a sequência em que Robert Stark, sentado na sala de cinema, olha como uma criança fascinada as imagens de “Dumbo” do Mestre Walt Disney, enquanto lá fora o caos está instalado. Tudo indicava que estávamos perante um grande sucesso de público, mas aconteceu precisamente o contrário e pela primeira vez, tendo em conta os resultados de bilheteira, a carreira de Steven Spielberg esteve à beira do abismo.

Após “1941-Ano Louco em Hollywood”, o argumentista Robert Zemeckis parte para a realização e Steven Spielberg é o produtor do seu primeiro filme “Travões Avariados, Carros Estampados” / “Used Cars”, com Kurt Russell no protagonista, uma hilariante comédia em que os carros de “competição” são os principais intérpretes, dando assim Spielberg inicio à actividade de produtor e descobridor de jovens talentos.

“Os Salteadores da Arca Perdida” / 
“Raiders of the Lost Ark”

Nessa época George Lucas encontrava-se bastante aborrecido atrás da câmara, decidindo abandonar a realização, dedicando-se à produção de “Star Wars”. Do encontro George Lucas/Steven Spielberg, ou seja as suas produtoras “ILG” e “Amblim”, nascem “Os Salteadores da Arca Perdida” / “Raiders of the Lost Ark” e a personagem Indiana Jones, o novo herói dos anos oitenta, com um Harrison Ford em plena forma a tentar ocupar um lugar que no Cinema Clássico poderia perfeitamente ter pertencido a Cary Cooper ou Errol Flynn.

É o perfeito delírio que se instala nas salas de cinema, o sofrer do espectador com as aventuras do Dr. Jones, o gritar, o aplaudir (1), o “alívio” quando por uma “unha negra” o herói se salva, levando a bela rapariga (Karen Allen) com ele. Estava criada a aventura, no seu sentido mais puro, da inocência e perdição, consumida por todos até ao último fotograma.

“E.T. – O Extra-Terrestre” / 
“E.T. – The Extra-Terrestrial”

3. - O ano de 1982 assiste ao nascimento de “E.T. – O Extra-Terrestre” / “E.T. – The Extra-Terrestrial”, a mais bela das criaturas feias, e a criança que vive em nós acorda maravilhada. Quem não a amou esqueceu-se certamente do coração no bolso da vida.

“E.T.” foi uma daquelas personagens que nos “informava” da bondade dos “aliens”, mas curiosamente as suas aventuras não tiveram continuação, apesar de ainda ter sido escrito um segundo livro narrando as novas aventuras do famoso extra-terrestre no seu planeta.

“Poltergeist”

“Poltergeist”, uma nova produção de Steven Spielberg realizada por Tobe Hooper, transporta consigo o confronto da autoria. Se a marca de Spielberg é evidente, a imagem de Hooper permanece nesta película. Mas se a colaboração com o cineasta texano não foi das melhores ao longo da produção do filme, já a existente com George Lucas revelou-se sempre perfeita, dando-se assim o nascimento do segundo filme com esse novo herói protagonizado por Harrison Ford, intitulado “Indiana Jones e o Templo Perdido” / “Indiana Jones and the Temple of Doom”, com uma sequência de abertura inesquecível, onde iremos descobrir a futura Mrs. Spielberg, a actriz Kate Capshaw.

“Indiana Jones e o Templo Perdido” / 
“Indiana Jones and the Temple of Doom”

Como todos sabemos o “remake”, nos dias de hoje, é uma das fontes de alimentação do cinema contemporâneo (para o melhor e para o pior) e a dupla Steve Spielberg/ John Landis decidiu homenagear a célebre série de televisão “Twilight Zone”, que nos anos cinquenta do século passado fascinara as audiências do pequeno écran e por onde passaram alguns dos nomes mais importantes dessa década.

Curiosamente, dos quatro episódios que nos são oferecidos neste filme, apenas o episódio assinado por Steven Spielberg é um “remake” de um dos episódios mais amados pelos espectadores dessa idade de ouro da televisão norte-americana, ao contrário dos três restantes que possuíam argumentos até então inéditos, realizados por John Landis, Joe Dante e o australiano George Miller, responsável pela conhecida saga Mad Max.

“Twilight Zone: The Movie”/
”No Limiar da Realidade” 

Joe Dante foi um dos cineastas de “Twilight Zone: The Movie”/”No Limiar da Realidade” e Steven Spielberg decidiu produzir essa deliciosa e perturbante fantasia intitulada “Gremlins”, onde iremos descobrir a fusão da série-B com o universo de Walt Disney, ou as aventuras de Gizmo no mundo dos adulto, se preferirem, uma película repleta de referências cinéfilas.

O trabalho de produtor do “wonder-boy” tem continuação nesse ano de 1985, verdadeiramente inesquecível para Steven Spielberg, que marca também na sua vida familiar o nascimento do seu primeiro filho. Nesse mesmo ano o universo de Jules Verne irá ser revisto numa maravilhosa caça ao tesouro com “Regresso ao Futuro” / “Back To The Future”de Robert Zemeckis, onde iremos acompanhar a fabulosa viagem no tempo do jovem Marty McFly (Michael J. Fox), ao mesmo tempo que conhecemos a sua tumultuosa família e esse mago da ciência o Dr. Emmett Brown, uma inesquecível criação do actor Christopher Lloyd e esse magnifico DeLorean, que irá levar o herói numa viagem ao passado (são só três décadas), para descobrir como viviam e se conheceram os seus progenitores.

“The Colour Purple” / ”A Cor Púrpura”

Mas neste ano de grande sucesso e trabalho, Steven Spielberg ainda há-de ter tempo para produzir para o pequeno écran a série “Amazing Stories” / “Contos Assombrosos” e realizar “The Colour Purple”/”A Cor Púrpura”, um dos maiores desafios da sua carreira, que nos ofereceu a então estreante Whoopie Goldberg, numa das mais belas histórias de amor escritas para o grande écran.

No entanto, ao contário do que tudo indicava, a hora dos Oscars ainda não tinha chegado para Steven Spielberg, apesar da “National Board of Review of Motion Pictures” ter considerado “A Cor Púrpura” / “The Colour Purple” o filme do ano e de Whoopi Goldberg ter sido eleita a melhor actriz, a Academia de Hollywood decidiu que ainda era demasiado cedo para reconhecer a genialidade de Steven Spielberg.

“Império do Sol” / “Empire of the Sun”

4. - No ano de 1987 Steven Spielberg decidiu, mais uma vez, apostar numa criança para o seu novo filme, o jovem actor chamava-se Christian Bale e o filme “Império do Sol” / “Empire of the Sun”, baseado no romance do escritor de ficção científica J.G.Ballard, que assinava assim uma história fora da esfera literária que o tinha consagrado.

Xangai é invadida pelos japoneses a 8 de Dezembro de 1941 e o jovem Jim (C. Bale) vê-se separado dos pais durante a fuga, sendo obrigado a lutar pela sobrevivência numa cidade que se tornou hostil e, de fuga em fuga, termina por ser capturado pelas tropas japonesas, sendo enviado para um campo de concentração, onde irá descobrir as regras do jogo da sobrevivência, ao mesmo tempo que começa a ficar fascinado pelos aviões “zero” que descolam do campo de aviação confinado com a sua prisão, onde se movimenta com sabedoria, terminando por estabelecer uma amizade silenciosa com um jovem piloto japonês, que fará o seu sacrifício supremo de “kamikaze” num gesto derradeiro de homenagem ao Imperador. A Guerra acabará por ter o seu fim, mas o seu reencontro com os pais não será imediato.

Obra de uma contenção fantástica, esta película de Steven Spielberg demonstrou, mais uma vez, a mestria do cineasta em desenvolver um argumento que Tom Stoppard adaptou para o grande écran.

“Indiana Jones e a Última Cruzada”/
”Indiana Jones and the Last Cruzade”

Quando George Lucas, dedicado ao trabalho de produtor e gerindo o complexo da ILM, apresentou a Spielberg a proposta de um novo Indiana Jones (2) – “Indiana Jones e a Última Cruzada”/”Indiana Jones and the Last Cruzade”, o actor Harrison Ford sentiu-se muito satisfeito, embora no seu horizonte imediato estivessem outros projectos, mas desta vez iria estar muito bem acompanhado, porque o seu “pai”, o Professor Henry Jones ou seja Sean Connery, iria estar ao seu lado.

Mais uma vez Indiana Jones irá defrontar os nazis que tinham raptado o seu pai em virtude dos seus diários conterem indicações bastante complexas acerca da possível localização do Cálice Sagrado. A missão do jovem explorador era clara: libertar o pai e recuperar os diários. Curiosamente, nesta terceira aventura de Indiana Jones, a película é perfeitamente dominado por Sean Connery que “rouba” todas as cenas em que contracena com Harrison Ford, mas também não poderemos esquecer a passagem pelo filme desse actor chamado Denholm Elliott, interpretando a figura do Professor Marcus Brody.

Mais uma vez o cineasta consegue, recriar todo o ambiente do denominado filme de aventuras, tão característico de certo cinema americano dos anos 40/50. Steven Spielberg oferece-nos, novamente, um “blockbuster” com uma qualidade surpreendente, transformando-o no melhor da série “Indiana Jones”.

“Always” / ”Sempre”

5. - Quando Steven Spielberg se aventurou no território romântico, deixou muitos dos seus fans surpreendidos. Embora optasse por fugir ao melodrama, decidiu refazer a comédia romântica e ofereceu a Richard Dreyfuss o papel que outrora tinha pertencido a Spencer Tracy, ao mesmo tempo que convocou a famosa Audrey Hepburn (3) para surgir como estrela, nesse filme mágico que se chamou “Always”/”Sempre”.

Recorde-se que Audrey Hepburn já tinha feito uma aparição lindíssima, por detrás dos seus óculos escuros, em “Romance em Nova Iorque” / “They All Laughed” de Peter Bogdanovich. Mas o romance de Dorinda (Holly Hunter) com Ted (Richard Dreyfuss), mesmo depois de ele morrer, através de uma outra alma gémea enviada pelo destino é, na verdade, uma bela história de amor, com os habituais momentos de humor na personagem interpretada por John Goodman.

"Hook"

Após “Always” / “Sempre”, muitos se interrogaram qual seria o próximo passo de Steven Spielberg, em virtude de a película não ter feito, propriamente, uma grande receita nas bilheteiras e como “1941” quase ditou o fim da carreira do “wonder-boy” e assim a América começou no ano de 1991 a ser invadida por um gancho acompanhado da palavra “Hook” e só depois se anunciou o filme, numa estratégia comercial de grande alcance: “Peter Pan” que Walt Disney nos tinha oferecido iria ser revisitado por Steven Spielberg!

Na nossa memória permanecem bem vivas as personagens dessa história mágica criada por J. M. Barrie, um escritor que Johnny Deep irá dar rosto na película de Marc Forster, “À Procura da Terra do Nunca” / “Finding Neverland”.

Ao saber-se que os nomes desta nova aventura do cineasta eram os famosos Robin Williams, Dustin Hoffman, Julia Roberts e Bob Hoskins, transformou a película numa aventura para toda a família. Adultos e crianças foram (re)ver a história de J. M. Barrie através de um olhar contemporâneo, já que Peter Pan (Robin Williams), adulto e com filhos, é obrigado a regressar à “Terra do Nunca” para resgatar as suas crianças das garras ou melhor, do gancho do Capitão Hook (um magnifico Dustin Hoffman irreconhecível e turbulento), que decide vingar-se do passado, continuando a ter a seu lado o “inteligente” Smee (Bob Hoskins), enquanto Peter Pan volta a encontrar a Fada Sininho (Julia Roberts). Steven Spielberg tinha jogado com o imaginário de todos nós e ganho a aposta. Mas seria novamente esquecido pela Academia de Hollywood.

Como todos sabemos as decisões da Academia produzem sempre polémicas e basta recordar o caso de Alfred Hitchcock, que nunca recebeu o Óscar para Melhor Realizador enquanto esteve em actividade no meio cinematográfico ou o mais famoso dos “Maverick” chamado Orson Welles, sempre tão “perseguido” pelos seus pares, para percebermos as razões que levaram a Academia de Hollywood a criar o famoso Prémio do Oscar pela carreira, para colmatar as injustiças do passado.

“Jurassic Park” /
"Parque Jurássico"

Por outro lado, Steven Spielberg achava que ainda não tinha chegado o momento para colocar a Academia de Hollywood entre a espada e a parede e ao adaptar um romance de Michael Crichton, também ele já cineasta (“Westworld” / “O Mundo Oeste”), decide levar ao grande écran “Jurassic Park”, abrindo uma verdadeira caixa da Pandora com o renascimento dos dinossauros no imaginário popular, narrando-nos a história de um grupo de cientistas que, a partir de DNA tirado de insectos que continham no seu interior, devidamente conservado, sangue de dinossauro, têm a ambição de reconstruírem esse mesmo passado, mais que longínquo, em que estes poderosos animais dominavam a face da terra.

Apostando mais uma vez na magia da “Industrial Light and Magic” de George Lucas, Steven Spielberg constrói um filme que se irá tornar no mais perfeito “blockbuster”, criando uma verdadeira história de terror provocada por cientistas que perdem o controlo dos elementos que manipulam, ao mesmo tempo que mais uma vez o vector familiar, tão característico dos seus filmes, surge em perfeita “harmonia” com os elementos do período Jurássico. O cineasta triunfava nas bilheteiras, mas a sua próxima película iria mudar para sempre, a leitura que alguma crítica cinematográfica fazia dos seus filmes, ao mesmo tempo que a Academia de Hollywood iria ser obrigada a dar a “mão à palmatória”.

“A Lista de Schindler” / “Schindler’s List” 

6. - Após a publicação do livro escrito por Thomas Kenealy intitulado “Schindler’s List”, o primeiro cineasta a mostrar interesse em levar a obra ao grande écran foi o veterano Billy Wilder, que assim pretendia fechar com chave de ouro a sua filmografia, mas o poder económico de que era detentor Steven Spielberg levou a melhor e, pela primeira vez na sua vida como realizador, Steven Spielberg irá utilizar o preto e branco para dar um sentido ainda mais realista a este filme que, baseado numa história acontecida em pleno período nazi, mas desconhecida do grande público, irá deixar as plateias de todo o mundo a interrogarem-se como foi possível, em pleno século XX, o Horror “falar” daquela maneira.

Como alguns sabem, a poderosa Indústria Alemã sempre apoiou Hitler desde que este chegou ao poder em 1933 e “A Lista de Schindler” / “Schindler’s List” narra-nos precisamente a história de um desses industriais, chamado Oskar Schindler, membro do Partido Nazi, que utiliza a denominada “mão-de-obra barata” nas suas fábricas, mas que um dia descobre qual o destino que foi traçado para os judeus pelo poder do Terceiro Reich e ao perceber que, enquanto eles estiverem a trabalhar sobre a sua alçada, não são enviados para os campos de concentração, onde o horror e a morte os aguarda, decide contratar o máximo número de judeus e deste modo irá conseguir salvar cerca de 1100 vidas.

O retrato que nos é oferecido por Steven Spielberg numa realização e direcção de actores inesquecível e com um elenco onde todos são brilhantes, desde os protagonistas até ao mais secundário dos personagens, levou a que a Academia de Hollywood se rendesse definitivamente ao seu talento e lhe atribuísse sete Oscars, incluindo o de Melhor Filme e Melhor Realização. Finalmente, o vendedor de sonhos triunfava com um filme realista que interrogava a memória, ainda recente, para que a História nunca mais se repetisse, mas infelizmente a memória dos homens é cada vez mais selectiva.

The Lost World” /
"O Mundo Perdido: Jurássico Park"

Steven Spielberg foi um daqueles cineastas que sempre se recusou a fazer sequelas dos seus filmes, mesmo depois de o êxito de “E.T.” e de terem sido escritas novas aventuras do mais belo extraterrestre. Com o livro “E.T. – No Planeta Verde”, em que este é agricultor e ecologista, o cineasta não se entusiasmou, mas quando leu o novo livro de Michael Crichton, dando continuidade a “Parque Jurássico”, pela primeira vez Steven regressou ao tema dos dinossauros então muito em voga, com “The Lost World”, não nos esqueçamos que também já tinha surgido o filme de animação “Em Busca do Vale Encantado” / “The Land Before Time” de Don Bluth, em que estes animais pré-históricos eram protagonistas e Heróis.

Mais uma vez as receitas não se fizeram esperar e o filme entrava no “box-office” a velocidade supersónica. Na realidade, alguns ficaram admirados pela temática escolhida por Spielberg e até a criticaram, após a feitura de “A Lista de Schindler” mas, para esses, o “wonder-boy” teve uma resposta intitulada “Amistad”!

"Amistad"

7. - O mais célebre motim a bordo de um navio é, como todos sabemos, “A Revolta na Bounty”, escrito por Sir John Barrow e levada ao cinema por diversas vezes, primeiro tivemos o duelo Clark Gable e Charles Laughton, depois surgiu Marlon Brando e Trevor Howard (recorde-se que foi nas filmagens desta película que Brando encontrou o amor da sua vida) e por fim uma película infelizmente esquecida por muitos, que tinha como protagonistas Mel Gibson e Anthony Hopkins. Mas, desta feita não se trata do navio “Bounty”, mas sim de “Amistad” que, curiosamente, possui como elemento de ligação entre as duas películas o actor britânico Anthony Hopkins, que teve desta vez ao seu lado Morgan Freeman (quem se lembra dele como figurante em “The River”/”O Rio” ao lado de outro figurante da altura, de seu nome Danny Glover?) Nigel Hawtorne, Matthew McConauhgey e o estreante Djimon Hounsou, que interpreta o papel do líder da revolta de escravos ocorrida no navio Amistad.

De referir que as cenas do julgamento dos revoltosos são preponderantes na película, não nos esqueçamos que esta revolta ocorreu em 1839, no período que antecedeu a Guerra-Civil Norte-Americana, cuja vitória dos Estados do Norte sobre os Estados do Sul irá levar à famosa abolição da escravatura, um tema tantas vezes retratado no cinema como em séries de televisão, como muito estão recordados, bastando falar em “E Tudo o Vento Levou” de Victor Fleming e Davis O’Selznick ou na serie “Norte e Sul” / “North and South” (1985). “Amistad” será possivelmente a película mais esquecida de toda a filmografia de Steven Spielberg e que bem merece ser redescoberta.

“O Resgate do Soldado Ryan” /
”Saving Private Ryan”

Quando todos se interrogavam sobre qual seria o próximo filme do cineasta, fomos surpreendidos pelos inesquecíveis vinte minutos iniciais de “O Resgate do Soldado Ryan”/”Saving Private Ryan”, cuja acção nos coloca no interior do desembarque das forças aliadas na Normandia durante a Segunda Guerra Mundial. O realismo introduzido na película foi de tal ordem, que muitos ficaram perfeitamente cientes que esse célebre dia que mudou o rumo da História não foi propriamente uma “pêra doce”, e será sempre curioso comparar o filme de Spielberg com a superprodução “O Dia Mais Longo” / “The Longest Day” do produtor Darryl F. Zanuck, estreada em 1962 e que aborda precisamente o dia em que os aliados desembarcaram nas praias da Normandia, num filme repleto de estrelas de cinema e que contou com cinco realizadores, um deles o próprio Zanuck.

Ao realizar “O Resgate do Soldado Ryan” / “Saving Private Ryan”, Steven Spielberg evita cair nesse mar de sangue, que certamente um cineasta como Sam Peckinpah teria introduzido, aliás Spielberg usa com toda a mestria o seu talento e conta com Janusz Kaminski (o director de fotografia de “A Lista de Schindler) a seu lado, criando o clima necessário para nos deixar perfeitamente consumidos por aqueles vinte minutos iniciais, demonstrando mais uma vez o Horror que representa a guerra.

O argumento de “O Resgate do Soldado Ryan”, da autoria de Robert Rodat, é uma daquelas paisagens norte-americanas politicamente-correctas atraentes para uma longa faixa das plateias do cinema embora, para alguns cinéfilos, a visão deste filme recorde o “Four Sons” / “Os Quatro Filhos” de John Ford, datado de 1928. Uma mãe com os quatro filhos no teatro de operações da Segunda Grande Guerra, recebe no mesmo dia a notícia de que três dos seus filhos foram mortos, dois na Normandia e um na Nova Guiné. O General Marshall, perante uma situação destas, decide demonstrar toda a sua humanidade e dar ordens para ser enviada uma pequena unidade, composta por oito homens, para encontrar o soldado Ryan (Matt Damon) e enviá-lo para casa, para oferecer àquela mãe o conforto possível, com a presença no lar do único filho que lhe resta. Essa unidade, comandada pelo Capitão Miller (Tom Hahks), irá levar a bom termo a sua missão. Neste grupo iremos encontrar nomes tão distantes nas suas opções futuras como Edward Burns – hoje actor e realizador com muito a oferecer ao cinema, Vin Diesel – um dos novos ídolos dos filmes de acção; Paul Giamatti – o célebre Mr. American Splendor; ou Tom Sizemore: inesquecível em “Cercados”.

Steven Spielberg triunfava no seu território e novamente surpreendeu muitos ao realizar a seguir uma curta-metragem documental (21 min.) “The Unfinished Journey”, produzida para celebrar a passagem do milénio e contando com um narrador chamado Bill Clinton.

“A.I. – Artificial Inteligence” / 
“A. I. - Inteligência Artificial”

8. - Stanley Kubrick, o cineasta que sempre procurou ser mais-que-perfeito na realização dos seus filmes, um dia ficou fascinado por um conto de Brian Aldiss intitulado “Supertoys Lost Summer Long” e durante dez anos trabalhou na sua produção, decidindo entregar a realização a Steven Spielberg. Assim iria nascer “A.I. – Artificial Inteligence” / “A. I. - Inteligência Artificial”. Estamos no famoso universo da robótica, onde iremos conhecer o Professor Hobby (William Hurt), que cria um robot-criança capaz de exprimir sentimentos, como se fosse um ser humano.

Ao longo da película iremos acompanhar a história de David (Haley Joel Osment), um nome bem Bíblico, no seu novo lar, até chegar esse momento em que é abandonado na floresta, para se cruzar com o inesquecível Gigolo Joe (Jude Law merecia o Oscar pela sua inesquecível interpretação), um robot criado para dar prazer ao sexo oposto mas que é obrigado a fugir, após uma das suas clientes ser encontrada morta. A esta dupla improvável, que vive escondida na floresta, irá juntar-se um pequeno urso, também ele um robot brinquedo. Mas David deseja ardentemente conhecer o seu criador e depois de descobrir o universo selvagem dos seres humanos em “Rouge City”, consegue encontrar o seu “pai”: o Professor Hobby na Cybertronics/Mecha, mas ao descobir que é apenas mais uma das muitas crianças-robots à espera de serem lançadas no mercado, decide fugir e partir com o seu amigo urso em busca dessa fada, que o irá conduzir aos braços da sua mãe. Mas esse seu desejo só irá ter lugar num universo pós-apocaliptico.

Nesta película filiada no universo da ficção-cientifica, é bem patente onde começa e termina a intervenção do Mago Stanley Kubrick (o cineasta/produtor faleceu durante a feitura do filme) e onde surge a famigerada assinatura de Steven Spielberg.

“Relatório Minoritário” / “Minority Report”

Pela primeira vez na sua carreira, Steven Spielberg irá fazer dois filmes de ficção-cientifica quase em simultâneo, contando desta vez com a preciosa ajuda do actor Tom Cruise e da sua casa produtora, para edificar o espantoso “Relatório Minoritário” / “Minority Report”.

Partindo de uma “short-story” do famoso Philip K. Dick (autor cujo nome foi introduzido na memória de todos os cinéfilos após Ridley Scott ter realizado “Blade Runner”), Steven Spielberg realiza um filme profundamente sombrio, de cores quase tenebrosas, bem distantes de “A.I.: Artificial Intelligence”. “Minority Report”/”Relatório Minoritário” situa-se no ano 2054, num futuro em que os criminosos são presos antes de cometerem os seus crimes, possibilitando desta forma a diminuição do número de mortes violentas.

Nesta missão, a polícia é ajudada por três “precogs” geneticamente criados para esse fim e trabalhando sempre em conjunto, nas informações criadas e dizemos criadas porque, um dia, o oficial John Anderton (Tom Cruise) é acusado de ser um futuro criminoso e em vez de aceitar a “verdade dos factos”, decide fugir e tentar descobrir as razões que o irão levar a cometer um crime. Nessa luta, votada ao fracasso, irá contar com a ajuda de um dos “precogs” que, pela primeira vez, irá elaborar a sós a sua informação, criando o famoso “relatório minoritário”, repositor da verdade inconveniente e inoportuna, porque irá colocar em causa as regras do jogo, que as entidades políticas tinham decidido criar.

Filmando com mestria, Steven Spielberg constrói uma obra sufocante, ao mesmo tempo que oferece a Tom Cruise uma das suas grandes interpretações. Embora a película não tenha feito o sucesso esperado por muitos, ela provou que, mais uma vez, o “wonder-boy” não se tinha rendido por completo ao “Hollywood System”, apesar de contar na produção da película com uma estrela chamada Tom Cruise.

“Apanha-me Se Puderes”/
”Catch Me If You Can”

9. - Depois, como se fosse uma questão de vida ou de morte, Steven Spielberg e a estrela de “Titanic” Leonardo DiCapprio, fazendo dupla com o “magic-boy” Tom Hanks, recriam no grande écran a vida do misterioso e maravilhoso Frank Abagnale Jr., uma das figuras mais procuradas pelo F.B.I., embora os seus crimes fossem de uma ordem sofisticada, ou como diria Orson Welles: “F for Fake”.

Só que, desta vez, este falsário de inúmeras identidades apenas fez burlas na ordem dos 2,5 milhões de dollars em cerca de vinte e seis países. Leonardo DiCapprio recria a figura de Frank Abagnale Jr. de uma forma soberba, transportando consigo esse verdadeiro dom do falsário, transformando em pura magia as suas aventuras. Ele foi piloto da Pan-America, médico pediatra, professor de História e advogado, mas no seu encalço teve sempre um agente chamado Carl Hanratty (Tom Hanks), que jogou com ele ao gato e rato, terminando por capturá-lo, após uma longa perseguição.

Veículo excelente para Leonardo DiCaprio brilhar e mostrar todo o seu valor, “Apanha-me Se Puderes”/”Catch Me If You Can” é na verdade uma daquelas películas que respiram frescura por todos os poros, nele se encontrando a modernidade no cinema e por razões que a própria razão desconhece foi durante as filmagens deste filme que a biografia de Howard Hughes chegou às mãos de DiCaprio, levando-o a ser o principal responsável pela feitura de “O Aviador” / ”The Aviator”, já que foi ele que conseguiu seduzir os Estúdios para o projecto que seria dirigido por Martin Scorsese. Por outro lado o reencontro de Steven Spielberg e Tom Hawks levou o primeiro a convidar o segundo para protagonista do seu filme seguinte, o maravilhoso e apaixonante “Terminal”.

“Terminal de Aeroporto” / “The Terminal”

Muitos de nós já passaram por essa aldeia global que é um Terminal de Aeroporto e é inevitável, nos dias de hoje, ao chegarmos a um Aeroporto e depararmos com alguma dificuldade, lembrarmo-nos de imediato de Viktor Navorsky, uma das mais belas personagens a quem Tom Hanks deu vida no cinema, num registo profundamente capriano, ao deparar-se na “terra de ninguém” no Aeroporto JFK de Nova Iorque, vindo da longínqua Krapozia (um desses pequenos países do Leste Europeu e onde se está a dar um golpe de Estado, que culmina com o fecho de fronteiras com o exterior), ficando retido na zona internacional.

“Terminal de Aeroporto” / “The Terminal” vai girar em torno de Viktor Navorski (Tom Hanks), que irá tentar sobreviver às adversidades, apesar dos esforços de Frank Dixon (genial interpretação de Stanley Tucci) para se ver livre dele, mas a solidariedade que vai receber das pessoas que vai conhecendo no interior do Aeroporto, desde a agente Torres da Polícia (Zoe Saldanha), passando pela bela hospedeira Amelia (Catherine Zeta-Jones), por quem tem um bater de coração, até ao nosso amigo Gupta “Wet Floor” (Kumar Pallana), que se diverte a ver os passageiros a caírem no chão molhado, todos eles irão ajudá-lo a realizar a sua “missão” na América, um velho desejo que se encontra bem guardado numa pequena caixa que Viktor Navorsky (Tom Hanks) transporta consigo e cujo conteúdo misterioso só será revelado no final da película.

A associação entre Tom Hanks e Steven Spielberg oferece-nos uma película que nos transporta com enorme saber a esse Universo Capriano, em que do céu caiu uma estrela, mas infelizmente nem todos pensaram assim e “Terminal de Aeroporto” / "The Terminal" saldou-se por um insucesso crítico e de bilheteira.

“A Guerra dos Mundos” / “War of the Worlds”

10. - Trinta anos depois do nascimento do fenómeno “blockbuster”, Steven Spielberg anuncia a feitura de “A Guerra dos Mundos” / “War of the Worlds”, o célebre livro de H.G.Wells, que se tornou mais que famoso graças à emissão radiofónica de Orson Welles que fez a América entrar em pânico. Esta famosa obra literária já tinha sido levada ao grande écran através do produtor George Pal, sendo o realizador Byron Haskins e curiosamente Steven Spielberg convidou dois dos actores desse mesmo filme para surgirem nesta nova versão que irá ter Tom Cruise como protagonista, encontrando-se o espectador, mais uma vez, perante uma família disfuncional, pais separados e filhos com uma péssima relação com o pai, aliás algo que iremos encontrar ao longo da filmografia do cineasta.

O contributo da “Industrial Light and Magic” de George Lucas é fundamental para o sucesso da película, veja-se bem a eficácia com que nos é apresentada a chegada dos extra-terrestres, espalhando a destruição e o medo entre a população de New Jersey e provocando o caos na América. Iremos assim acompanhar o percurso de Ray Ferrier (Tom Cruise), na companhia dos seus filhos Rachel (Dakota Fanning) e Robbin (Justin Chatwin), por uma América devastada e derrotada, até chegar esse momento em que é descoberta a vulnerabilidade dos invasores do Planeta Terra.

“A Guerra dos Mundos” / “War of the Worlds” apresenta-se com um dos melhores filmes da carreira de Steven Spielberg, continuando a instalar o medo no espectador, mesmo quando ele já conhece o filme, terminando por demonstrar que Steven Spielberg, o “wonder-boy”, estava de regresso ao sucesso!

“Munique” / “Munich”

Nunca é demais referir que ao longo da sua carreira Steven Spielberg desenvolveu um imenso trabalho dando o seu contributo a inúmeras películas tanto como produtor, como produtor executivo, fosse para o grande écran, como para “a caixa que mudou o mundo”, vulgarmente conhecida como televisão, mas do que não se estava à espera era que o seu novo filme fosse abordar um acontecimento politico ocorrido em 1973 nos Jogos Olímpicos de Munique, quando um comando palestiniano raptou e matou inúmeros atletas da delegação de Israel, que ali se encontravam para participar nos Jogos. Como alguns devem ainda estar recordados a resposta de Golda Meir (Primeira-Ministra de Israel) não se fez esperar, afirmando que os culpados seriam apanhados.

“Munique” / “Munich” trata precisamente da história desse atentado e da forma como foi criado o comando israelita que procedeu ao ajuste de contas com os responsáveis pelo atentado, utilizando métodos “à margem da lei”. O grupo que irá ser constituído apenas por cinco elementos, irá ao longo dos anos viajar pelo mundo inteiro, eliminando os responsáveis pela operação de Munique, revelando aqui Steven Spielberg todo o seu saber ao construir um verdadeiro “thriller” político, com profundas raízes "hitchcockianas", onde vamos descobrindo lentamente como funcionava o submundo da espionagem e esse limbo em que se movimentavam os grupos extremistas que, na década de setenta, do século passado, circulavam na Europa Ocidental.

Baseando-se sempre em factos históricos, Steven Spielberg constrói uma obra memorável, que se revela um magnífico testemunho desses tempos conturbados em que o mundo vivia. Mas ao contrário do que seria expectável, o público não demonstrou grande interesse neste novo filme de Spielberg, ao contrário do que sucedera com “A Guerra dos Mundos” / “The War of the Worlds” e mais uma vez a fria linguagem dos números se fez sentir e Steven Spielberg decidiu vender a sua participação na “Dreamworks”, ao mesmo tempo que anunciava o regresso ao seu herói mais famoso: Indiana Jones estava de regresso!

“Indiana Jones e o Reino da Caveira Perdida” / 
“Indiana Jones and The Kingdom of The Crystal Skull”

11. - Quando vimos pela primeira vez “Indiana Jones” no grande écran, a memória cinéfila conduziu-nos de imediato aos primórdios da Sétima Arte e ao célebre cinema de aventuras, que emocionava as plateias que vibravam com os heróis que iam surgindo na tela, avisando muitas vezes o protagonista da chegada dos vilões, mas quando George Lucas e Steven Spielberg decidiram retomar as aventuras do intrépido Dr. Henry Jones (Harrison Ford), tinham passado 14 anos sobre a última vez que nos cruzámos com ele, sendo de imediato enorme a expectativa que rodeou a estreia de “Indiana Jones e o Reino da Caveira Perdida” / “Indiana Jones and The Kingdom of The Crystal Skull”.

Desta feita, o habitual inimigo de Indiana Jones foi substituído, estabelecendo-se a acção da película em pleno período da Guerra Fria, para assim conhecermos Irina Spalko (Cate Blanchett), que irá travar forças com o herói em busca desse El Dorado que é o Reino da Caveira Perdida. Mas a película, apesar de todo o excelente trabalho da “Industrial Light and Magic” de George Lucas; de fazer a ponte com o primeiro filme, através do aparecimento de Karen Allen, na personagem de Marion; de conhecermos o filho do Dr. Henry Jones, que de imediato nos recorda o Marlon Brando de "Hell Angels”; de Harrison Ford dar excelente conta do recado, brincando até com o próprio envelhecimento da personagem, percebemos que há algo que não funciona no sentido de nos oferecer a aventura no seu estado mais cristalino ou se preferirem essa ingenuidade dos heróis, cativante do espectador de cinema e tudo porque segundo a nossa opinião a película se apresenta demasiado palavrosa e com uma necessidade de tudo explicar, esquecendo que a elipse é um dos artifícios mais importantes da Sétima Arte.

“As Aventuras de Tintin – O Segredo do Licorne” 
/ “The Adventures of Tintin”

Ao entrarmos na nova década Steven Spielberg anunciou, com pompa e circunstância, a produção de três filmes de Tintin, a famosa personagem da banda desenhada criada por Hergé, surgindo associado a este projecto o cineasta Peter Jackson que, como todos sabemos, ficou famoso ao realizar a Trilogia de “O Senhor dos Anéis” / “The Lord of the Rings”, sendo o processo criativo idêntico ao inaugurado por Robert Zemeckis com o genial “Polar Express”.

Para aqueles que como eu ainda se recordavam do filme de Philippe Condroyer, realizado em 1964, intitulado “Tintin e o Mistério das Laranjas Azuis” / Tintin et les Oranges Bleues”, com o jovem Jean-Pierre Talbot a dar rosto a Tintin e Jean Bouise a vestir a pele do excêntrico Capitão Haddock, ficaram certamente desiludidos com o processo criativo escolhido pela dupla Spielberg/Jackson e curiosamente devido à fraca resposta dada pelo grande público a “As Aventuras de Tintin – O Segredo do Licorne” / “The Adventures of Tintin”, a feitura dos dois restantes filmes programados tenha sido adiada, tendo Peter Jackson partido para a realização da Trilogia de “O Hobbit” e Steven Spielberg para filmar “Cavalo de Guerra” / “War Horse”, uma película bem assente na tradição do cinema britânico, onde acompanhamos a história de um cavalo, que é vendido para a cavalaria ao eclodir a Primeira Grande Guerra, levando o jovem Albert Narracolt (Jeremy Irvine) a alistar-se, na esperança de reencontrar o seu amado cavalo.

“Cavalo de Guerra” / “War Horse”

“Cavalo de Guerra” / “War Horse”, que não foi bem recebido pelo público nem pela crítica, é uma daquelas películas que é urgente reavaliar, pois estamos perante uma produção sem mácula, que nos reenvia para esse maravilhoso cinema clássico, que atraía multidões às salas de cinema. Steven Spielberg oferece-nos aqui uma das suas obras mais secretas, que é urgente redescobrir!

“Lincoln”

12. - Um dos projectos mais acalentados ao longo da vida por Steven Spielberg foi “Lincoln”, um filme que ele sempre desejou fazer, porque admirava o “Young Mr. Lincoln” / “A Grande Esperança” (1939) de John Ford, em que Henry Fonda dava rosto ao homem que um dia iria abolir a escravatura no Novo Mundo. E 2012 viu chegar esse filme magnifico, com um Daniel Day-Lewis a oferecer-nos uma excelente interpretação ao protagonizar esse Presidente dos Estados Unidos da América, que acabaria por ser assassinado, mas que lutou contra tudo e contra todos, com uma das guerras civis mais sangrentas da história da humanidade entre mãos, mas que não desistiu, porque segundo o seu pensamento, todos os homens nascem livres e Steven Spielberg conseguiu de forma bem realista contar-nos a história dessa luta, com uma direcção de actores espectacular, que nos faz recordar esse seu outro magnifico filme intitulado “Amistad”.

Foi pena que, aquando da estreia de “Lincoln”, nenhum distribuidor se tenha lembrado de exibir em sessão dupla o “Young Mr. Lincoln” / “A Grande Esperança” de John Ford com o “Lincoln” de Steven Spielberg, enfim, às vezes até penso que a cinefilia é uma miragem neste século XXI.

“A Ponte dos Espiões” / “Bridge of Spies”

Ao terminar este fabuloso filme intitulado “Lincoln” e perante o “boom” das séries no pequeno écran, Steven Spielberg foi produtor executivo ao longo de três anos de sete séries televisivas, ao mesmo tempo que surgia como produtor em diversos filmes (recorde-se que o cineasta foi um dos homens que perdeu a fortuna na crise financeira que abalou os alicerces da sociedade norte-americana).

Em 2015 Steven Spielberg regressa ao grande écran para nos oferecer “A Ponte dos Espiões” / “Bridge of Spies”, mergulhando-nos não só nessa época da Guerra Fria, mas também na História, tal como sucedia com o excelente “Munique” / “Munich” e desta feita Steven Spielberg vai fazer dupla com Tom Hanks, que aqui nos oferece uma interpretação memorável no advogado de defesa de um espião soviético capturado pela CIA na América, mas que mais tarde irá servir de moeda de troca de um piloto americano de um U2 aprisionado pelos Soviéticos, após o seu avião ter sido abatido.

“O Amigo Gigante” / “The BFG”

Após os sucessos de “Lincoln” e “A Ponte dos Espiões” / “Bridge of Spies”, e o magnifico “Cavalo de Guerra” / Horse War”, muitos pensaram que Steven Spielberg tinha abandonado definitivamente esse outro cinema, em que o encantamento nos levava até esse território amado da nossa infância, onde fantasia e o fantástico se fundiam criando histórias que nos maravilhavam, mas que também, por vezes, nos obrigavam a temer as sombras ou esses estranhos ruídos só audíveis no universo infantil. Ao decidir levar ao grande écran o livro de Roald Dahl, o cineasta regressa com “O Amigo Gigante” / “The BFG” (The Big Friendly Giant), ao território encantado do Cinema.

Iremos assim entrar nesse território em que a diferença é hostilizada, neste caso entre gigantes, porque BFG (Mark Rylance) se recusa a comer crianças, ao contrário dos seus “irmãos”, sendo marginalizado pelos seus iguais e ao cruzar-se com Sophie (Ruby Barnhill) irá encontrar nela essa amizade, que por vezes é tão difícil de descobrir neste mundo de “gigantes”, que não percebem a felicidade de se ser anão.

“The Post”

No ano de 2017 iremos encontrar pela primeira vez Meryl Streep a ser dirigida por Steven Spielberg, em “The Post”, tendo a seu lado Tom Hanks e onde mais uma vez iremos entrar na História recente da América através da história da proprietária do jornal Washington Post que um dia irá ter nas mãos a decisão de fazer História e fazer cair um Presidente.

Infelizmente ao vermos “The Post” sentimos que apesar dos excelentes actores, o filme parece um TGV que segue a 40 km/hora, para desespero do espectador, que começa a olhar para o relógio e percebe que o realizador não tem culpa, os actores também não, a montagem faz o que sabe e a banda sonora até é de John Williams, mas onde falhou o cineasta que realizou “A Ponte dos Espiões”?

Steven Spielberg

A resposta encontra-se no argumento que tem perna curta e revela-se uma manta de retalhos, com muito pouca linha para cozer, desbaratando um tema que tinha tudo para dar certo, especialmente numa época em que os “Media” andam a ficar muito mal na fotografia. Infelizmente “The Post” é um filme falhado devido a Liz Hannah e Josh Singer, os argumentistas da película terem desbaratado uma oportunidade de ouro de fazerem História no Cinema e chegado aqui, ao final deste texto e me perguntarem pelo nome dos argumentistas do excelente “A Ponte dos Espiões”, confesso que eles se chamam Joel Coen e Ethan Coen e assim sempre poderemos imaginar o que seria “The Post” com argumento dos irmãos Coen!

Mas “The Post” não nos impede de afirmar que Steven Spielberg, ao longo da sua extensa carreira cinematográfica, tem-nos oferecido uma filmografia bem reveladora do seu génio, revelando-se como o mais prolífero “movie-brat” da sua geração e com a chegada de 2021 o cineasta ofereceu-nos um "remake" de um dos mais famosos filmes da história do musical no cinema: "West, Side, Story" / "Amor Sem Barreiras", mas nesta questão do "«remale» no cinema ou o cinema do «remaka», terminamos por quase sempre preferir o original. Já no que diz respeito a "Os Fabelmans" / "The Fabelmans", datado de 2022 possui inúmeros traços auto-biográficos do cineasta, tendo certamente dado um enorme prazer ao cineasta a sua feitura e embora tenha sido nomeado para 7 Oscars, terminou por não conquistar nenhuma das famosas estatuetas da Academia de Hollywood, sendo um dos perdedores da noite, no entanto Steven Spielberg permanece um dos mais fascinantes cineastas do cinema norte-americano e ao lermos esta viagem pelos seus filmes reconhecemos que ele é um verdadeiro vendedor de sonhos! Esses sonhos que arrastam os espectadores para as salas de cinema desde esse dia em que os irmãos Lumière decidiram surpreender Paris com as suas imagens de um comboio em movimento a chegar á gare!

"West Side Story"

(1) - O público norte-americano, neste género de filmes, tem por hábito manifestar-se perante as situações que se vão desenvolvendo no écran. Por outro lado é extremamente curiosa a designação de “movies” para este tipo de cinema, enquanto no respeitante ao denominado cinema de “Arte e Ensaio” é usada a designação de “films”.

(2) - Não nos esqueçamos que as célebres aventuras de “Indiana Jones” respiram muito da emoção dos célebres “serial” de trinta e uma partes, que animaram as plateias do período mágico do cinema mudo, sendo os criadores de "Indiana Jones” um trio de argumentistas composto por George Lucas, Philip Kaufman e Lawrence Kasdan.

"Os Fabelmans" / "The Fabelmans"

(3) - A imagem preferida de Audrey Hepburn, na nossa memória, pertence a essa novela escrita por Truman Capote e intitulada “Breakfast at Tiffany’s”, ao lado de um inesquecível George Peppard, apesar de o seu filme mais citado ser o maravilhoso “Sabrina”, com Humphrey Bogart e William Holden nos protagonistas, que muitos anos depois Harrison Ford, Julia Ormond e Greg Kinnear haveriam de homenagear, no “remake” de Sydney Pollack.

Rui Luís Lima

2 comentários:

  1. Steven Spielberg é um nome incontornável da geração dos "movie-brats", para muitos ele é um vendedor de sonhos, como eram os pioneiros do cinema e basta viajarmos pela sua filmografia ao longo dos ands para descobrirmos que o cineasta visitou todos os géneros como realizador, mas também como produtor. O seu nome fica para sempre registado como um dos nomes mais importantes da sétia arte ao mesmo tempo que para muitos ele foi o criador desse género que ficou designado como "blockbuster".

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