sábado, 4 de janeiro de 2025

Sergei M. Eisenstein - "Alexandre Nevsky" / "Aleksandr Nevsky"


Sergei M. Eisenstein
"Alexandre Nevsky" / "Aleksandr Nevsky"
(Russia - 1938) - ( 112 min, - P/B)
Nicolai Tcherkassov, Nicolai Okhlopkov, Alexander Abrikossov.

Quando Eisenstein partiu para os Estados Unidos da América, não poderia supor que os seus projectos nunca iriam ver a luz do dia. Depois, no México, o seu genial “Que Viva México” iria sofrer as mais diversas vicissitudes. Regressado à União Soviética, o seu “convívio” com as elites foi de mal a pior, sendo até obrigado a retratar-se após a conclusão de “O Prado de Béjine” / “Bezhin Lug”. Mas em 1938 voltaria a conhecer a glória com “Alexandre Nevsky”.


Perante a situação política complexa que espreitava a cada momento o país que o vira nascer, inicia as filmagens de um dos seus filmes mais memoráveis, ao levar ao écran a história desse Príncipe chamado Alexandre Nevsy, que se tornara célebre após ter derrotado os Suecos, nesse distante século XIII.


Alexandre Nevsky (Nicolai Tcherkassov) preferia a companhia dos pescadores da sua terra natal às intrigas da aristocracia e quando estes membros decidiram optar por um pacto com os invasores alemães, os célebres Cavaleiros Teutónicos que invadiram o país, espalhando o terror e a morte entre os seus habitantes, ele decidiu enfrentá-los criando o seu próprio exército, quase de forma espontânea.


Tendo mais uma vez o extraordinário Edouard Tissé na fotografia e contando com Prokofiev na banda sonora, Sergei M. Eisenstein oferece-nos uma obra avassaladora, que inicialmente será bem recebida pelo poder político. A longa sequência da batalha do lago gelado de Tchudsk (com mais de meia-hora de duração), que por sinal foi rodada no verão, sendo para tal usado gelo artificial é, na verdade, memorável para qualquer cinéfilo.


Mas mais uma vez, devido ao acordo germano-soviético, o filme ficaria congelado até à invasão da União Soviética pelas tropas do Eixo, para depois se transformar num verdadeiro estandarte na luta contra o invasor germânico.


O genial cineasta que foi Sergei M. Eisenstein irá continuar até ao fim da sua vida perseguido pelos defensores do realismo socialista, sendo definitivamente condenado como cineasta quando Estaline se viu retratado na segunda parte de “Ivan O Terrível” / “Ivan Groznyy. Skaz vtoroy: Boyarskiy zagovor”.


“Alexandre Nevsky” permanece hoje em dia uma das mais importantes películas da sua filmografia.

Rui Luís Lima

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Don McLean - "American Pie"


Don McLean
"American Pie"
United Artists Records
1972

O segundo álbum de Don McLean teve um enorme sucesso, não só pelo tema que oferece título ao álbum, mas também ao tema dedicado a Van Gogh, intitulado simplesmente "Vincent", mas ao escutarmos este álbum ou cd, a opção é vossa, descobrimos um conjunto de canções simplesmente maravilhosas e que bem merecem ser resgatadas do baú do esquecimento.

Rui Luís Lima

Don McLean
"Vincent"

Jonathan Mostow - “Avaria no Asfalto” / “Breakdown”


Jonathan Mostow
“Avaria no Asfalto” / “Breakdown”
(EUA – 1997) – (83 min./Cor)
Kurt Russell, Kathleen Quinlan, J. T. Walsh.

Embora ainda com uma filmografia reduzida, Jonathan Mostow possui já o direito a usar o título de cineasta e basta recordar películas como “Submarino U-571” / “U-571”, “Exterminador Implacável 3 – Ascensão das Máquinas” / “Terminator 3: Rise of the Machines” ou o genial e visionário “Os Substitutos” / “Surrogates”, em que o futuro está já aí ao virar da esquina, para quem viu um destes filmes saber que Jonathan Mostow domina de forma perfeita a matéria cinematográfica, conseguindo a simbiose perfeita entre o filme de acção e o suspense, nunca caindo em efeitos especiais gratuitos.


Já neste “Avaria no Asfalto” / “Breakdown”, que possui excelentes interpretações, desde o mais secundário dos actores até aos protagonistas, oferece ao espectador um clima em que o suspense irá surgir através do efeito “bola de neve” que irá descer “a montanha”, à medida que vamos acompanhando a odisseia de Jeff Taylor (Kurt Russell), em busca da esposa desaparecida e quem já viajou de carro pelos “States” sabe bem que, muitas vezes, andamos horas e horas sem ver vivalma, apenas asfalto, terra ou deserto e os célebres restos de pneus de camiões que habitam esse território belo, mas por vezes inóspito, onde ninguém se cruza connosco na estrada.


Jonathan Mostow e este “Avaria no Asfalto” / “Breakdown” é a nossa sugestão para o filme de hoje e prepare-se para as emoções e não se esqueça nunca que, quando o seu carro se avariar, é preferível separar-se dele do que da sua mulher!

Rui Luís Lima

“José Fonseca e Costa – Um Africano Sedutor” - Jorge Leitão Ramos


Jorge Leitão Ramos
“José Fonseca e Costa – Um Africano Sedutor”
Páginas: 276
Guerra e Paz/SPAutores

Foi na minha adolescência que comecei a ler as críticas de cinema de Jorge Leitão Ramos, no Diário de Lisboa e mais tarde no Semanário Expresso, um crítico que tem dedicado ao longo da sua vida uma enorme atenção à História do Cinema Português, basta aliás recordar os seus famosos Dicionários de Cinema Português, editados pela Editorial Caminho, que se têm revelado obras incontornáveis no estudo do Cinema Português.

Victoria Abril
"Sem Sombra de Pecado"
(1983)

José Fonseca e Costa é um dos mais fascinantes cineastas do denominado Cinema Novo, que nunca se quis filiar nas diversas correntes que se foram criando ao longo dos anos, optando por ser um verdadeiro outsider, construindo uma obra cinematográfica que, ao longo dos anos, conseguiu marcar esteticamente o gosto do cineasta, ao mesmo tempo que conquistava o espectador de cinema, obtendo quase sempre excelentes resultados de bilheteira, apesar de um ou outro filme não terem atingido o objectivo pretendido, como viria a suceder com “Os Cornos de Cronos”, a que se deve a figura desadequada do protagonista, que aliás manteve uma relação bastante complexa com o cineasta, ao longo da rodagem da película. Mas se falarmos em “Kilas, o Mau da Fita” e Mário Viegas, “Sem Sombra de Pecado” e Victoria Abril, “Balada da Praia dos Cães” e Raul Solnado num papel dramático, ou “Cinco Dias, Cinco Noites” com um Vitor Norte fabuloso, qualquer espectador de cinema conhece e gostou de um destes filmes que terminei de mencionar, que são bem representativos do saber deste cineasta nascido em Moçambique e chamado José Fonseca e Costa.

José Fonseca e Costa
(1933 - 2015)

Foi José Jorge Letria que lançou o convite através da SPAutores a Jorge Leitão Ramos para escrever uma biografia sobre José Fonseca e Costa e, aceite o repto, o crítico falou com o cineasta expondo as directrizes do que viria a ser este livro incontornável, sobre um dos nomes mais importantes do Cinema Novo e assim foram encontrando-se crítico e cineasta, conversando e recordando uma amizade estabelecida à longa data. Mas se o leitor pensa estar perante uma simples biografia de um cineasta ou um desses livros que abordam a filmografia de um realizador está profundamente enganado, porque Jorge Leitão Ramos oferece-nos um verdadeiro romance sobre a vida e obra de José Fonseca e Costa.

Jorge Leitão Ramos

Em “José Fonseca e Costa – Um Africano Sedutor”, acompanhamos a par e passo a vida do cineasta, desde a forma como veio estudar para o Continente e a ida para a província com a irmã, ficando ambos chocados com o frio da serra em oposição ao calor africano, vendo-se a família obrigada a optar por os levar para Lisboa, onde o clima era mais ameno, mas também toda a sua actividade política no denominado Movimento Anticolonialista e a forma como enganava as autoridades de então, para anos mais tarde descobrir que numa passagem por Angola para encontrar velhos amigos, não iria poder sair do avião oriundo de Moçambique. Mas também temos o cinema e as célebres lutas de então, nos famosos planos de produção em busca de uma oportunidade e a afirmação de um homem que sabia o que queria e lutava para o conseguir, terminando por realizar alguns dos filmes mais marcantes do Cinema Português do século XX. Infelizmente, José Fonseca e Costa deixou-nos pouco tempo antes de este livro de Jorge Leitão Ramos estar terminado, mas a leitura de “José Fonseca e Costa – Um Africano Sedutor” faz com que ele e o seu cinema permaneçam bem vivos no interior da Sétima Arte deste país.

Rui Luís Lima

Gordon Douglas - “Chuka”


Gordon Douglas
“Chuka”
(EUA - 1967) – (105 min./Cor)
Rod Taylor, Ernest Borgnine, John Mills.

Um dos sintomas que se tem registado na programação do cinema clássico nos canais de televisão, refere-se ao envio dos filmes para fora do denominado horário nobre da programação, embora haja excepções como sucede com o canal franco-alemão Arte e a RTP-Memória e na maioria dos casos as películas em questão mereciam uma maior visibilidade pela sua qualidade cinematográfica. Por essa mesma razão falaremos deles na véspera da sua exibição para poderem programar a Box ou usarem esse vídeo que ainda funciona.


“Chuka” realizado pelo veterano Gordon Douglas, revela-se um magnifico “western”, já na idade do crepúsculo do género, mas reflectindo de forma bem acutilante a época em que foi rodado, abordando temas até então tabú e onde desde os primeiros minutos possui o condão de agarrar o espectador à cadeira, porque quando o destacamento da cavalaria entra no Forte deserto espera-os apenas uma carta, encontrando-se a guarnição morta, fazendo de imediato recordar ao cinéfilo o célebre “Beau Geste”.


Na época da sua estreia este filme de Gordon Douglas ficou conhecido também com o título de “Chuka: The Gunfighter”, que se aplica muito melhor ao teor da película, depois temos um Ernest Borgnine, na figura do Sargento Otto Hahnsbach, que se por uma lado nos faz recordar esses Sargentos da Cavalaria dos filmes de John Ford.


Por outro lado o seu nome indica-nos de imediato que é um homem com passado, tal como toda a guarnição do Forte e o seu comandante, o Coronel Stuart Valois (John Mills), um homem amargurado, que mantém refém e escondida no Forte, uma pele-vermelha para os seus prazeres carnais.


Descobrir este magnifico “Western” de Gordon Douglas, onde paira o Cinema de John Ford, volto a repetir-me, mas para mencionar o combate entre o pistoleiro Chuka (Rod Taylor) e o Sargento Otto (Ernest Borgnine), que nos faz recordar o duelo de “O Homem Tranquilo” / “The Quiet Man”.


“Chuka” esse pistoleiro nostálgico que não hostiliza os índios, que se encontram famintos, optando por partilhar a sua comida com eles. Gordon Douglas assina um magnifico “Western”!

Rui Luís Lima

Blake & Mortimer - "O Mistério da Grande Pirâmide" - Vol.2 / "Le mystère de la Grande Pyramide"- Tomo II - Edgar P. Jacobs


Blake & Mortimer
"O Mistério da Grande Pirâmide" - Vol.2 / "Le mystère de la Grande Pyramide"- Tomo II
Arte: Edgar P. Jacobs
Argumento: Edgar P. Jacobs
Pranchas: 54
Asa/Público

Edgar Pierre Jacobs sempre fugiu ao padrão das aventuras para 44 páginas, como muitos outros criadores de banda desenhada e assim muitas vezes as aventuras dos célebres "Blake & Mortimer", estendiam-se por mais do que um volume como sucede neste caso!

Rui Luís Lima

Blake & Mortimer "O Mistério da Grande Pirâmide" - Vol.1 / "Le mystère de la Grande Pyramide"- Tomo 1 - Edgar P. Jacobs


Blake & Mortimer
"O Mistério da Grande Pirâmide" - Vol.1 / "Le mystère de la Grande Pyramide"- Tomo 1
Arte: Edgar P. Jacobs
Argumento: Edgar P. Jacobs
Pranchas: 54
Asa/Público

Uma das mais famosas histórias da dupla "Blake & Mortimer", saída da mão do seu criador Edgar Pierre Jacobs, que não só fazia os desenhos como escrevia o argumento. sempre bastante complexo e bem interessante. Um génio da 9ª Arte!

Rui Luís Lima

John Abercrombie - “Timeless”


John Abercrombie
“Timeless”
ECM 1047
ECM Records
1975

John Abercrombie – Guitar
Jan Hammer – Organ, Synthesizer, Piano,
Jack DeJohnette – Drums.

1 – Lungs (John Abercrombie) – 12:08
2 – Love Song (Jan Hammer) – 4:34
3 – Ralph’s Piano Waltz (John Abercrombie) – 4:52
4 – Red And Orange (Jan Hammer) – 5:21
5 – Remmenbering (John Abercrombie) – 4:32
6 – Timeless (John ABercrombie) – 11:57

John Abercrombie
(1944 - 2017)

“Timeless” oferece-nos um trio de eleição, no qual a guitarra de John Abercrombie navega de forma mais-que-perfeita ao longo do álbum, que nos dias de hoje é uma gravação incontornável, depois temos o ex-teclista da Mahavishnu Orchestra de John McLaughlin, Jan Hammer a percorrer com a sua arte o órgão na forma mais tradicional do jazz, o sintetizador, oriundo do universo do jazz-rock e o piano clássico, no interior do universo jazzístico e a pontuar este “Timeless”, com a sua tradicional palete sonora de cores e timbres descobrimos esse enorme baterista chamado Jack DeJohnette.

Este trio liderado por John Abercrombie oferece-nos um maravilhoso trabalho discográfico que se tornou, com o passar dos anos, como uma espécie de ex-libris deste genial guitarrista, que nos deixou recentemente.

Gravado nos dias 21 e 22 de Junho de 1974 no Generation Sound Studios, New York, por Tony May e misturado por Jan Erik Kongshaug. Design de Rolf Liese e Fotografia de Roberto Masotti. Produção de Manfred Eicher.

Rui Luís Lima

Julien Duvivier - "Pépé o Moko" / "Pépé Le Moko"


Julien Duvivier
"Pépé o Moko" / "Pépé Le Moko"
(França – 1937) – (94 min - P/B)
Jean Gabin, Mireille Balin, Lucas Gridoux, Marcel Dalio, Line Noro.

“Pépé Le Moko”, ao ser revisto nos dias de hoje, consegue resistir à passagem do tempo surgindo um pouco como uma obra que antecipava o famoso “film-noir” e depois temos sempre esse grande actor chamado Jean Gabin que, como ninguém, deu vida às personagens que protagonizou no cinema, quase sempre à beira do abismo. E neste filme, bem inserido na denominada corrente do realismo poético francês (onde pontificaram cineastas como Jean Renoir, Marcel Carné, Jacques Feyder e René Clair), oferece-nos a história de um gangster que, perseguido pelas autoridades francesas, se refugia na célebre Casbah de Argel, cujas vielas tortuosas conhece como ninguém, continuando a sua actividade de gangster fascinado por jóias, mas não serão as jóias a sua perdição final e sim uma turista que irá conhecer.


Julien Duvivier, o cineasta que realizou a película com enorme saber, iniciou a sua actividade no cinema ainda no tempo do mudo e seria com o nascimento do sonoro que ele iria despertar a atenção de muitos, realizando ao longo da sua carreira mais de cem filmes, onde abordou os mais diversos géneros e cuja qualidade nunca esteve em causa, sendo "Don Camillo" o seu maior êxito a nível mundial, com a sua assinatura.


A Casbah de Argel, construída em Estúdio por Jacques Krauss, surge assim como o território de eleição do protagonista, onde ele se movimenta como peixe na água e será curioso comparar esta Casablanca com a surgida anos mais tarde no filme de Michael Curtiz. E, como não podia deixar de ser, também Pépé Le Moko se sente prisioneiro naquele ambiente, como Rick (Humphrey Bogart) no seu célebre café em Casablanca, ambos profundamente feridos pelo passado e ambos a sonhar com a sua Paris.


A vida de Pépé Le Moko (Jean Gabin), feita de pequenos roubos e sempre com a polícia no seu encalço, será um dia alterada quando se cruza com uma turista chamada Gaby (Mireille Balin, de uma beleza estonteante), cujas jóias o fascinam inicialmente, mas se ela possui uma curiosidade infinita pela vida naquelas ruas labirínticas, ele rapidamente irá substituir o desejo do roubo pela paixão que sente por aquela mulher, que o irá acompanhar durante a sua estadia, sempre vigiada pelo Inspector Slimane (Lucas Gridoux), que espera encontrar ali uma óptima oportunidade de capturar finalmente o famoso gangster. Mas o fascínio de Pépé pelas jóias irá extinguir-se rapidamente, quando o olhar límpido dos olhos dela se cruza com o olhar sedutor de Jean Gabin, nascendo de imediato no gangster um desejo profundo de possuir aquela mulher, porque vê nela esse amor que nunca tinha encontrado na vida. E será esse amor que irá começar a nutrir por ela que o levará à perdição.


Percebendo que ela irá partir rumo a França, ele sabe que finalmente chegou o momento de abandonar tudo e partir com ela, mas a mulher que o recebeu na Casbah e sempre cuidou dele sente-se profundamente traída e, como não podia deixar de ser, irá revelar à polícia as intenções de Pépé Le Moko.


Olhando sempre o mar como essa fronteira que o separa da liberdade, Pépé Le Moko parte rumo ao cais para se juntar à sua amada, expondo-se assim à polícia que só espera por esse passo fatal para o prender mas, ao contrário do que é habitual nos filmes de gangsters, ele não será morto pelas balas da autoridade, nem irá entrar em confronto com ela, porque quando chega ao cais de embarque percebe que é tarde demais porque o navio já tinha partido, esse mesmo navio em que Gaby sempre esperou reencontrá-lo, porque também ela se sente apaixonada por esse homem cujo olhar a fascinou para sempre. Cercado pela polícia, Pépé Le Moko prefere gritar pelo nome dela e depois num gesto apaixonado decide morrer ali mesmo, cortando os pulsos, junto dessas grades do cais que o separam desse mar, sinónimo da liberdade.


(Re)descobrir “Pépé le Moko” de Julien Duvivier, nos dias de hoje, é a melhor forma de conhecermos a Arte desse grande actor chamado Jean Gabin, num filme verdadeiramente apaixonante.

Rui Luís Lima

quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

Eno, Moebius, Roedelius, Plank. - "Begegnungen II"


Eno, Moebius, Roedelius, Plank.
"Begegnungen II"
Sky Records
1985

O sucesso da colectânea “Begegnungen” no ano de 1984, aquando da sua saída no mercado discográfico, deu origem ao nascimento de um segundo volume, precisamente intitulado “Begegnungen II”, revelando-se como o complemento perfeito da música criada por Roedelius, Moebius e Eno, baseando-se a segunda colectânea precisamente nas mesmas fontes do trabalho anterior, surgindo assim um álbum que estende por outros territórios a viagem musical anteriormente proposta ao ouvinte não sendo, como por vezes sucede, um aproveitamento comercial, muito pelo contrário, porque o que aqui se trata é de nos oferecer o retrato de uma época incontornável da denominada Ambient Music.

Rui Luís Lima

Cluster & Eno
"Für Luise"

Joel Coen & Ethan Coen - “Fargo”


Joel Coen & Ethan Coen
“Fargo”
(EUA – 1996) – (98 min. / Cor)
William H. Macy, Frances McDormand, Steve Buscemi,
Peter Stormare, Kristin Rudrud, Harve Presnell.

“Fargo” é sem margens para dúvidas a obra-prima absoluta de Joel e Ethan Coen e logo no início da película mergulhamos no interior da memória do “film noir”, numa perfeita homenagem ao género, ao vermos na neve um carro a aproximar-se com um atrelado, rebocando um outro veículo, ao mesmo tempo que sentimos o ambiente gélido pontuado pela excelente banda sonora de Carter Burwell.


Jerry Lundergaard (William H. Macy) dirige-se a um encontro com dois ex-reclusos, para combinar o rapto da sua própria mulher (Jean Lundergaard, uma típica dona de casa americana), para o respectivo resgate ser pago pelo pai dela, o temível e esperto Wade Gustafson (Harve Presnell), que nunca gostou do genro e desconfia que este se encontra atolado em dívidas. O resgate é um sucesso, mas a violência irá surgir de imediato, com um triplo homicídio: um polícia e um casal de automobilistas que se encontrava num local indesejado para os raptores, à hora e dia errado.


Iremos de imediato perceber como estes dois raptores, enquanto esperam pelo resgate, também não morrem de amores um pelo outro. Já a chefe da polícia local, Marge Gunderson (Frances McDormand, que obteve o Oscar para a Melhor Interpretação Feminina), que se encontra grávida, irá tomar conta do ocorrido iniciando as investigações, junto da população explorando as diversas pistas de forma aparentemente ingénua, mas de uma acutilância bem reveladora do seu cargo, irradiando simpatia e falsa inocência, perante o incauto Jerry Lundergraad (William H. Macy), que termina por se denunciar, ao fugir durante a conversa com a agente.


A forma como Joel e Ethan Coen (Oscar para o Melhor Argumento Original), nos retratam os ambientes das “little towns” e a vida das suas gentes, a acção decorre no Estado do Dakota do Norte, termina por se revelar uma viagem sociologicamente perfeita, ao mesmo tempo que todas as vertentes que caracterizam o denominado “film noir” nos vão surgindo ao longo da película. “Fargo” consegue, desde o primeiro minuto, prender a atenção do espectador, que ao acompanhar o desenrolar dos acontecimentos, irá ser confrontado com a inépcia dos raptores, que usam a violência de forma gratuita, revelando uma falta de preparação para gerir os diversos acontecimentos.


“Fargo” de Joel e Ethan Coen oferece-nos assim um retrato profundo dos pequenos criminosos e desses delitos, que acontecem no interior da América profunda, tantas vezes retratados no cinema e infelizmente notícia nas cadeias de televisão de todo o mundo, optando os irmãos Coen por introduzir elementos do quotidiano de uma comunidade para pontuar todo o filme, veja-se aliás como nos é dada a relação conjugal entre a Xerife Marge e o marido, passando pelo encontro dela com o antigo colega de escola que se encontra apaixonado.


Com o passar dos anos “Fargo” permanece uma película de uma frescura e de um saber cinematográfico verdadeiramente memoráveis, ao mesmo tempo que conta com interpretações inesquecíveis de todos os seus intervenientes, por mais curto que seja o seu papel. Estamos assim perante uma obra-prima absoluta da dupla Joel Coen e Ethan Coen.

Rui Luís Lima

Yukio Mishima - "O Marinheiro Que Perdeu as Graças do Mar" / "Gogo no-eiko"


Yukio Mishima
"O Marinheiro Que Perdeu as Graças do Mar" / "Gogo no-eiko"
Páginas: 168
Assírio & Alvim

Um dia, numa conversa num café à volta de livros e autores, alguém me perguntou se tinha algum personagem literário que gostaria que tivesse ficado esquecido pelo seu criador? E de imediato me veio à memória esse genial escritor japonês chamado Yukio Mishima, de cuja obra literária sou admirador. Recorde-se que Yukio Mishima é um dos mais importantes escritores japoneses do século XX e o mais célebre no mundo ocidental, tendo até Margueritte Yourcenar escrito um belo ensaio sobra a sua vida e obra.

Ao longo da sua extensa obra literária, Yukio Mishima aliou o erotismo com a crueldade, criando um universo extremamente sedutor, mas a sua vida era o espelho da sua obra e a sua obra o reflexo da sua vida.


O nacionalismo e a honra que defendia eram a memória dos velhos samurais, essa mesma memória de que Akira Kurosawa nos falou um dia, perdida para sempre num Japão industrializado e em muitos aspectos ocidentalizado, fruto da ocupação americana, após o final da 2ª Grande Guerra Mundial.

Foi o amor de Yukio Mishima pela escrita do sangue que o irá conduzir através dessa estrada sem retorno e sem paragem na famosa encruzilhada, que nos convida sempre a meditar sobre a decisão por ele tomada. A 25 de Novembro de 1970 decide, com quatro alunos das suas Forças, tentar um golpe de estado que sabia votado ao fracasso, para repor a Ordem Imperial. Na véspera enviara para o editor "O Mar da Fertilidade", a sua última obra, composta por quatro volumes, verdadeiro Testamento Literário e uma obra incontornável de um dos maiores escritores do século xx. Vivendo numa sociedade virada para o futuro e para o consumo e querendo impor o amor pelo passado e pela tradição, Yukio Mishima faz o "hara-kiri" perante uma multidão de soldados e jornalistas que, incrédulos, assistem à partida do Último dos Samurais.


Em “O Marinheiro Que Perdeu as Graças do Mar”, primeiro livro de Yukio Mishima a ser publicado em Portugal, é-nos oferecida uma personagem que até gostaríamos que não tivesse sido criada pelo genial escritor japonês. Trata-se de Noburo, uma criança cruel, que no final do livro irá dar-nos a conhecer o verdadeiro sentido da palavra, mas que Yukio Mishima nos oferece com essa rara delicadeza que sempre caracterizou a sua escrita.

Descobrir este fabuloso livro de Yukio Mishima é a nossa sugestão de hoje e, se desejarem, podem sempre procurar no livro de António Mega Ferreira, que reúne diversas crónicas do autor, intitulado “A Borboleta de Nabukov” o magnifico texto que ele escreveu para o Jornal de Letras, aquando da primeira edição de “O Marinheiro Que Perdeu as Graças do Mar” e também nunca é demais recomendar a leitura do livro de Margueritte Yourcenar sobre Yukio Mishima.

Rui Luís Lima

John Frankenheimer - “Uma Segunda Vida” / “Seconds”


John Frankenheimer
“Uma Segunda Vida” / “Seconds”
(EUA – 1966) – (110 min. – P/B)
Rock Hudson, Salome Jens, John Randolph, Murray Hamilton.

John Frankenheimer na juventude frequentou a Academia Militar de La Salle, sendo depois incorporado nas Forças Armadas Americanas, que partiram para a Guerra da Coreia e será durante o período de 1951-53, que o futuro cineasta irá descobrir o cinema ao pedir para ser incorporado na secção de Cinema da Força Aérea Americana.


Ao regressar à pátria tenta uma carreira em Hollywood como actor, mas sem sucesso, terminando por ingressar nos quadros da televisão, onde irá aprender a lidar com o material cinematográfico. De 1956 a 1961 irá assinar 27 filmes para o pequeno écran, tornando-se um nome conhecido, sendo com naturalidade que iremos assistir à sua passagem para o grande écran, onde irá dar nas vistas ao realizar “O Candidato da Manchúria” / “The Manchurian Candidate”, (do qual o cineasta Jonathan Demme irá fazer um “remake”, muitos anos depois, com Denzel Washington e Meryl Streep nos protagonistas), uma película que conduziu John Frankenheimer até ao famoso estatuto de cineasta e autor.


Em 1966 John Frankenheimer irá assinar uma das películas mais perturbadoras desse ano, ao realizar “Uma Segunda Vida” / “Seconds”, onde irá oferecer a Rock Hudson um dos maiores papéis da sua carreira cinematográfica.

Logo no genérico inicial, da responsabilidade de Saul Bass, autor de alguns dos genéricos mais célebres de Alfred Hitchcock (“Vertigo”), ficamos de imediato absorvidos pelas imagens, para depois sermos positivamente contaminados pela fotografia genial de James Wong Howe, seguindo esse estranho homem chamado Arthur Hamilton (John Randolph), a caminho de casa, depois de um dia de trabalho no Banco, percebendo-se de imediato como ele se encontra perturbado, porque na véspera recebera um telefonema do seu melhor amigo, que se encontrava morto, já lá iam 25 anos, pedindo-lhe para ele se dirigir a uma morada e se apresentar como Anthony Wilson.


Entramos assim pela porta grande, num poderoso mistério, que nos é oferecido através de diversos planos, que furam todas as regras de continuidade, reflexo do estado mental do protagonista, que se encontra perante um poderoso dilema, terminando Arthur Hamilton (John Randolph) por aceitar o desafio e ir à morada para descobrir aí uma Firma que oferece uma nova oportunidade de vida aos seus accionistas, tendo o seu amigo morto, Charles Evans (Murray Hamilton), pago a sua nova oportunidade de renascer.


Essa Sociedade irá então simular a sua morte num incêndio, usando um outro corpo, ao mesmo tempo que lhe fornece uma nova identidade e lhe faz uma profunda operação ao seu corpo, rejuvenescendo-o, assim como a respectiva operação plástica para lhe mudar o rosto, nascendo assim Anthony Wilson (Rock Hudson), que irá escolher a profissão de pintor, partindo depois para a sua nova residência em Malibu, ao mesmo tempo que a dita firma lhe faculta uma espécie de assessor, na figura do mordomo, que tudo fará para ele se sentir bem na sua nova identidade.


Mas Tony Wilson (Rock Hudson) começa a ser consumido pelas memórias desejando saber como era a sua vida anterior e apesar de a Firma lhe oferecer a companhia de uma funcionária, a jovem e bela Nora Marcus (Salomé Jens), que lhe irá proporcionar “o sal e a pimenta” da vida, Tony Wilson continua a desejar saber quem foi na realidade, não conseguindo adaptar-se à nova identidade que lhe foi oferecida pelo amigo, que ele supunha morto.


E após ter-se encontrado com a sua mulher, percebe que era um homem taciturno e solitário, esquecido rapidamente pela esposa, que ao tomar conhecimento da sua morte, se livrou de tudo o que lhe fizesse recordar o marido, que vivia só para o trabalho na Instituição Bancária. Ao rever desta forma brutal o seu passado, Tony Wilson (Rock Hudson) decide regressar à Firma e pedir, que lhe seja oferecida uma nova identidade porque não se adaptava à personagem que lhe deram, desconhecendo que naquela estranha Sociedade, não existiam terceiras oportunidades.


John Frankenheimer em “Uma Segunda Vida” / “Seconds”, constrói uma obra poderosa e inesquecível, sobre a perda de oportunidades na vida, numa película que navega pelos mais diversos géneros, usando a espantosa fotografia, a preto e branco, de James Wong Howe, para realçar ainda mais esses mesmos aspectos, ao mesmo tempo que Rock Hudson veste de forma perfeita a personagem oferecendo-nos as suas angustias e desejos, numa luta impossível, para esquecer o passado e viver o presente, desconhecendo que ao desistir dessa segunda oportunidade, iria perder o futuro para sempre.

Rui Luís Lima