Claude Chabrol
“Um Vinho Difícil” / “Le Beau Serge”
(França – 1958) – (98 min. - P/B)
Gérard Blain, Jean-Claude Brialy,
Bernardette Laffont, Claude Cerval, Edmond Beauchamp.
“Le Beau Serge”, em Portugal com o título “Um Vinho Difícil”, marca a estreia na realização de Claude Chabrol, que graças a uma herança conseguiu reunir os meios financeiros necessários para iniciar uma das mais perfeitas carreiras cinematográficas.
Antigo crítico da revista “Cahiers du Cinema”, Claude Chabrol, ao longo da sua cinematografia, irá debruçar-se sobre o quotidiano francês, analisando de forma perfeita as vivências de gente anónima que atravessa a sociedade de forma silenciosa e imperfeita e será isso mesmo que iremos encontrar em “Le Beau Serge”, quando assistimos à chegada de Francois (Jean-Claude Brialy) à aldeia que o viu nascer, para aí passar o Inverno, após ter tido um problema de saúde.
Mal sai do autocarro que o transporta, irá encontrar na praça um verdadeiro farrapo humano chamado Serge (Gerard Blain, numa interpretação extraordinária), seu antigo colega de escola e amigo, que sonhara com grandes voos em criança e cujo destino irá conduzir à bebida, esse mau vinho que consome logo ao pequeno-almoço, para passar o resto do dia ébrio, até cair para o lado, sempre na companhia do sogro Glomaud (Edmond Beauchamp), seu eterno companheiro de copos.
Claude Chabrol oferece-nos de imediato um retrato de uma aldeia, onde a pobreza vive em cada esquina e onde as vidas se consomem muito devagar, como se tratassem da chama de um fósforo, que se extingue lentamente.
Após se instalar na pensão, em virtude da sua antiga casa não possuir condições de habitabilidade, François decide saber mais sobre o que se passou com Serge e, após ter ficado a par da sua história trágica, decide ajudá-lo. Na realidade Serge vive na miséria conduzindo um camião, enquanto a sua esposa se encontra grávida, sendo vítima do desprezo dos seus conterrâneos.
François irá conhecer durante a sua estadia a cunhada de Serge, a bela Maria (Bernardette Lafont), terminando por se envolver com ela, mas também ela possui um passado rodeado de segredos, já que o homem de quem cuida não é o seu próprio pai. Entramos assim num território onde as aparências iludem e lentamente François irá perceber que ali não há lugar para ele, apesar da vontade que possui em ajudar os outros.
Serge vira as suas ambições perderem-se no tempo ao engravidar a filha de Glomaud e quando nasce a criança irá verificar que ela é mongolóide, morrendo poucos dias depois, o que o levará a refugiar-se na bebida, tornando-se num farrapo humano, curando as bebedeiras nos galinheiros. Ao receber a notícia de uma nova gravidez, pensa que a história se irá repetir, desprezando a mulher que o conduziu ao abismo, chamando-lhe gorda e velha. Mas François que não desiste de o ajudar irá lutar com todas as suas forças, para alterar o destino trágico daquele casal e após o nascimento da criança, depois de um parto difícil, iremos encontrar pela primeira vez o sorriso e a alegria no rosto de Serge.
Claude Chabrol traça-nos neste filme um retrato arrepiante do interior da França e das suas gentes, com uma planificação perfeita, sem falhas, ao mesmo tempo que revela uma forte direcção de actores que vestem as personagens que interpretam com um rigor fora do vulgar, sendo de destacar Gérard Blain (Serge), numa composição que deixa o espectador estupefacto, pelo seu realismo.
“Le Beau Serge” / “Um Vinho Difícil” faz-nos recordar por diversas vezes a obra de Jean Renoir, na caracterização de um microcosmos de uma França tantas vezes escondida, pelas histórias das grandes cidades.
Este membro da “nouvelle vague”, chamado Claude Chabrol, iniciou assim com “Le Beau Serge” uma obra de autor, que nos tem revelado ao longo dos anos a genialidade de um cineasta, possuidor de olhar único no interior do cinema francês, tornando-se numa das suas figuras de proa, sempre a interrogar a sociedade francesa, o que por vezes lhe trouxe alguns dissabores.
Rui Luís Lima
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