sábado, 31 de agosto de 2024

Pop Tops - “Mamy Blue”


Pop Tops
“Mamy Blue”
Single / 45 RPM
1971

Muitas vezes, quando escutamos uma canção, desconhecemos como tudo nasceu e acontece ficarmos tão surpreendidos com as nossas memórias que até somos obrigados a falar delas, sendo isso mesmo que sucede com este single dos “Pop Tops” com o tema “Mamy Blue”, que possui uma história bem curiosa.


Muitos já escutaram a Celine Dion, assim como outos intérpretes famosos, a cantar o “Mamy Blue”, que me entrou no formato de single em casa, numa dessas idas com a minha avó até aos Armazéns do Grandela, na Rua do Carmo, em Lisboa (já desaparecidos), que tinham uma discoteca no último piso.

A canção “Mamy Blue” passava imenso na Rádio, mas quando comprei o single confesso que desconhecia que o seu autor era francês e se chamava Hubert Giraud, sendo ela escrita enquanto o cavalheiro se encontrava num desses enormes engarrafamentos de trânsito (os famosos “bouchons”), que já aconteciam em Paris nessa época.

Pop Tops

Seria no entanto um produtor francês, que vivia em Madrid, com interesses nos meios musicais, a comprar os direitos da canção, para o grupo espanhol Pop Tops, que tinha um vocalista chamado Phil Trim (nascido na Trindade e Tobago), que irá “construir” a versão inglesa, a qual será gravada em Londres, tornando-se num desses hits que irá invadir as tabelas Pop de todo o mundo, desde o Japão, a Israel, passando pela Argentina, só para falar nos países nunca mencionados nestas “coisas da música”, para além dos Europeus.


Já os intérpretes de “Mamy Blue” e suas versões ou covers são das mais variadas origens, tivemos logo no início a Nicoletta, que cantou em francês a versão original; a Ivana Spagna que a gravou em italiano na época; os Pop Tops (grupo espanhol que fazia uma música oriunda da Pop mas com contornos da Soul Music), que terão aqui o seu maior sucesso e são o principal rosto/voz da canção. Mas “Mamy Blue” também ficou bem conhecida de outras gerações, através da voz de Joe Cocker, Vicky Leandros (a cantora do célebre “Aprés Toi”), Demis Roussos, Julio Iglesias, Dalida e Lara Fabian.

E qual era a outra faixa do single?

Na realidade já ninguém se lembra dela, mas o título dava “pano para mangas”, nesse ano de 1971: “Road to Freedom” e passava na rádio!

Rui Luís Lima

Pop Tops
"Mammy Blue"

sexta-feira, 30 de agosto de 2024

Ernest Hemingway - "Paris é uma Festa" / "A Moveable Feast"


Ernest Hemingway
"Paris é uma Festa" / "A Moveable Feast"
Páginas: 168
Livros do Brasil

A acção de “Paris é Uma Festa” / "A Moveable Feast" decorre em Paris nos anos (1921 – 1926), numa época em que sentado nos “bistrot” Hemingway escrevia as suas crónicas e contos em busca da fama, no entanto era uma época bem difícil, economicamente falando para o escritor, em que a fome por diversas vezes lhe batia à porta do seu quarto, como relata num dos contos do livro, chegando a subir ao telhado da casa onde vivia para apanhar pombos, que depois lhe iriam servir de refeição.

Retrato do escritor quando jovem!

Em “Paris é Uma Festa”, descobrimos diversas classes sociais, desde pessoas a viver no limiar da pobreza, assim como outras a esbanjar as suas fortunas nos célebres Cabarets, onde tudo era permitido ou não fossem esses os famosos loucos anos vinte, como ficou registada para a História Contemporânea a famosa Cidade das Luzes.

As memórias destes anos passados em Paris por Ernest Hemingway começaram a ser escritas em Cuba no ano de 1957 e só três anos depois o escritor irá dar por terminado este magnifico livro de “short-stories” (escrevendo em simultâneo o seu romance “Um Verão Perigoso”, cuja acção se desenrola em Espanha), que no entanto se lê como um romance, tal é a forma e método empregues por Hemingway, que nos leva a acompanhar a sua vida nesses anos, desde as suas visitas a casa da escritora Gertrud Stein, cujo salão ou tertúlia, se preferirem, era um dos locais favoritos de encontros entre os intelectuais da época, sendo indiferente a sua nacionalidade, porque todos eles eram simplesmente Parisienses, essa era a sua verdadeira nacionalidade.

Hemingway em Paris

Um dos momentos mais cativantes de “Paris é Uma Festa” é o encontro de Ernest Hemingway e Francis Scott Fitzgerald, uma amizade que possuía um elemento bem comum e que se estenderia muito depois quando ambos regressaram à terra que os viu nascer e se encontraram a trabalhar para os Estúdios de Hollywood, a escreverem argumentos de cinema.

Ernest Hemingway
(1899 - 1961)

“Paris é Uma Festa” / “A Moveable Feast” é uma das obras literárias mais sedutoras de Ernest Hemingway, que nos envolve na sua escrita de tal forma que nos transporta não só para o interior da sua vida conduzindo-nos como convidados, mas também nos oferece um dos mais fascinantes relatos dessa maravilhosa Paris dos anos vinte do século passado, que foi retratada pelo escritor numa carta dirigida a um amigo nestes termos: "Se, na sua juventude, você teve a sorte de viver na cidade de Paris, ela o acompanhará sempre até ao final da sua vida, vá você para onde for, porque Paris é uma festa móvel.".

Rui Luís Lima

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Michael Curtiz - “Casablanca”


Michael Curtiz
“Casablanca”
(EUA – 1943) – (101 min. - P/B)
Humphrey Bogart, Ingrid Bergman, Paul Henreid, Claude Rains, Peter Lorre.

Quem é que não viu “Casablanca”? Esta interrogação, nos dias de hoje, parece reunir um número cada vez mais elevado de pessoas. O nome da película e a sua história todos conhecem, os intérpretes também, estando os nomes de Ingrid Bergman e Humphrey Bogart perfeitamente associados ao filme, já o nome do realizador húngaro Michael Curtiz como responsável pelo filme (entre tantos que deixaram a sua marca) é desconhecido de muitos e se dissermos que “Casablanca” foi rodado durante a Guerra e que na estreia muito pouco se falou e escreveu sobre ele, poucos irão acreditar mas é verdade.


“Casablanca” no início da sua produção era mais um filme patriótico, naquilo a que se chamou o esforço de guerra da Indústria de Hollywood. O argumento foi baseado numa peça de teatro que nunca foi publicada ou levada ao palco. Quanto aos actores para protagonizarem as figuras de Rick e Ilsa, as primeiras escolhas foram George Raft e Hedy Lamarr; o primeiro não aceitou, embora o papel não fosse de gangster, sua especialidade e mais tarde a sua cruz, já a Hedy estava virada para outros palcos, assim nasceu uma nova dupla para encarnar o mais famoso par amoroso da história do cinema composta por Ronald Reagan e Ann Sheridan, estamos a ver os “takes” a serem repetidos porque o Ronald se esquecia das suas linhas (sucedia com frequência segundo Ida Lupino nos conta na sua biografia). Escolher um par para mais um filme sobre a guerra parecia ser extremamente difícil, por fim chegou-se à terceira escolha e os nomes foram Humphrey Bogart e Ingrid Bergman e nunca o cinema teve par tão mágico como o criado em “Casablanca”. Quando nos referimos a eles são sempre as luzes do "Rick’s Café", que brilham na entrada da nossa memória. Essa entrada majestosa, não para um filme de guerra, mas sim para uma das mais belas histórias de amor de sempre.


Como podemos verificar, o nascimento de “Casablanca” foi um parto muito problemático, mas com ele nasceram os mais célebres diálogos do cinema, tantas vezes citados ao longo da história do cinema como o “here’s looking at you, Kid”. “Casablanca” nasce em plena guerra e nele se fala de refugiados aos nazis que vêm no voo para Lisboa, a tão desejada salvação, porque depois só lhes resta esperar pelo avião para a América e assim iniciar uma nova vida, onde o terror e o medo não terão lugar. Porém “Casablanca” está sobre a autoridade de Vichi e do seu líder esse Marechal Pétain, que de herói na Primeira Guerra Mundial, passou a traidor na Segunda Guerra Mundial, essa administração francesa fiel colaboradora e aliada dos nazis e o “Rick’s Café” irá servir de palco à sua luta.


Conhecido de todos os refugiados à espera de visto, o capitão Renault (Claude Rains), todas as noites vai até ao "Rick's Cafe" buscar os seus dividendos do jogo clandestino e mesmo quando Ugarte (Peter Lorre) é apanhado, o criado não se esquece de lhe entregar a sua percentagem.


“Casablanca” começa a ser uma história em que dois vistos são o desejo mais ambicionado de um casal célebre pela sua luta contra o poder alemão, constituído por Ilsa e Victor Laszlo (Ingrid Bergman e Paul Henreid), que curiosamente é húngaro, tal como Mihaly Kertesz, o cineasta deste filme, que "americanizou" o nome para Michael Curtiz. Mas nestas coisas de pares “perfeitos” há sempre um passado que se esconde por detrás de uma música e ela é “as time goes by” e quando Sam (Dooley Wilson) começa a tocá-la e Rick (Humphrey Bogart) surge irritado a mandar que ele termine imediatamente a canção, um sinal do pianista indica-lhe a autora do pedido e nesse preciso instante nasce perante nós a mais bela história de amor do cinema, composta por Ilsa e Rick.


E esta bela história, em que o amor e a lealdade entram em guerra, deu a maior dor de cabeça a toda a equipa do filme, desde o realizador aos actores, passando pela produção, tudo porque os irmãos Epstein, (os cavalheiros até eram gémeos) não se decidiam qual o melhor final para “Casablanca”. As filmagens continuavam e mesmo nos últimos dias a incógnita permanecia. Ao viverem tão intensamente essa incerteza, Humphrey Bogart e Ingrid Bergman transportaram para o écran o mais belo olhar de sempre, aqueles olhos falavam e diziam sim quando pretendiam dizer não, partiam quando pretendiam ficar e por fim davam origem a uma das mais maravilhosas sequências da Sétima Arte.


Rever “Casablanca” como ele foi feito é um dos momentos mais gratificantes da vida de um cinéfilo, esquecendo esse momento em que Ted Turner decidiu apresentar a sua versão a cores do filme. Na época a revista “American Film” mostrou os diversos resultados e todos vimos depois essa versão na televisão, mas não passou de uma experiência, porque só podemos rever “Casablanca” no seu fabuloso preto e branco.


Mas nem só do par ou trio amoroso vive “Casablanca”, porque nele temos o inesquecível capitão Renault (Claude Rains), cínico, quanto basta, para sobreviver entre nazis e refugiados e com uma moral em que a célebre frase “prendam os suspeitos do costume” acabaria por fazer escola e no célebre final ofereceu a Rick a sua amizade e partiram juntos, atirando fora a garrafa de água de Vichi que tinha na mão, os ventos da guerra estavam a mudar e Vichi iria cair como a garrafa no caixote do lixo da História, muitos na época mudaram de casaco e passaram de colaboracionistas ou simples espectadores para valorosos resistentes fazendo sucesso, mas isso já é a repetição da história da humanidade através dos séculos.


Depois temos Ugarte (Peter Lorre), o homem que matou o correio alemão, colocando a sua vida em risco simplesmente por dinheiro. Quando vimos Sam, o pianista (Dooley Wilson), encontramos o fiel amigo de Rick desde os tempos de Paris, que é “vendido” por Rick aquando da transacção do café. Já Ferrari (Sidney Greenstreet) representa a concorrência e domina o mercado negro, sempre presente, mas muitas vezes invisível. Por fim o Major Strasser, que viu o hino alemão a ser derrotado pela “Marselhesa”, num daqueles momentos que fez vibrar o público de então. Não nos esquecemos de Victor Laszlo (Paul Henreid), o resistente fugido de um campo de concentração e marido de Ilsa, ele é o herói da história, só que sem a ajuda de Rick ele seria apenas uma figura sem personagem, porque os heróis desta história são Rick e Ilsa, porque foram eles que tudo perderam por uma causa, embora o amor os mantenha vivos, esperando por um reencontro num café qualquer de uma rua de Nova Iorque, ou quem sabe, nessa Paris dos apaixonados.


“Casablanca” é hoje um filme intemporal, embora a sua acção se passe num período específico, apresentando-se como um dos momentos mágicos do cinema, porque se Rick e Ilsa terão sempre Paris, nós os amantes de cinema teremos sempre “Casablanca” para viver o amor e imaginar aquela noite passada no café entre Rick e Ilsa, que a célebre elipse nos escondeu do olhar, mas que não foi capaz de nos tirar do imaginário. “Casablanca” e a sua história de amor, continuam a viver no coração da cinefilia, para bem da paixão do Cinema.

Rui Luís Lima

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

Bill Connors -"Swimming With a Hole in My Body"


Bill Connors
"Swimming With a Hole in My Body"
ECM Records
1980

Bill Connors – guitar.

1 – Feet First – 6:09
2 – Wade – 3:24
3 – Sing And Swim – 4:35
4 – Frog Stroke – 5:08
5 – Surrender To The Water – 10:45
6 – Survive – 2:05
7 – With Strings Attached – 2:47
8 – Breath – 7.28

Bill Connors iniciou os estudos de guitarra aos 14 anos, o que demonstra bem que quando se quer aprender música nem sempre é tarde, tendo nos três anos seguintes estudado de forma exaustiva, ao mesmo tempo que se sentia fascinado pelos blues e o jazz.

Em 1972 parte para San Francisco, para se juntar ao grupo do pianista australiano Mike Nock. Já os anos de 1973/74 irão registar o seu enorme sucesso no grupo de jazz-rock “Return to Forever”, liderado pelo pianista Chick Corea, recordam-se do álbum “Hymn of the Seventh Galaxy”?

Return To Forever
Stanley Clarke, Lenny White, Chick Corea, Bill Connors.

No entanto a paixão que Bill Connors começou a sentir pela guitarra acústica irá contribuir para o seu abandono dos “Return to Forever”, que segundo palavras suas possuíam cada vez mais um som próximo da célebre “Mahavishnu Orchestra” liderada pelo guitarrista John McLaughlin, que fazia furor nessa época, como alguns devem estar bem recordados.

As sonoridades da guitarra acústica satisfaziam mais Bill Connors, tendo-se o músico apaixonado, decididamente, pela guitarra clássica, ao mesmo tempo que o visionário produtor alemão Manfred Eicher da editora ECM Records, o convida para gravar na etiqueta, nascendo assim o seu primeiro trabalho a solo “Theme to the Guardian” de 1974, onde a guitarra acústica e eléctrica convivem em perfeita harmonia.

Bill Connors

Já o seu segundo álbum para a editora ECM intitulado “Of Mist and Melting” de 1977, em que surge como líder, oferece-nos um quarteto de luxo constituído pelo próprio Bill Connors, Jan Garbarek nos saxofones, Gary Peacock no contrabaixo e Jack DeJohnette na bateria.

Quando em 1979 Bill Connors gravou, em solo absoluto e acústico, o álbum “Swimming in a Hole in My Body”, percebeu-se decididamente o significado do termo jazz de câmara atribuído por alguns críticos musicais ao som produzido pela ECM Records, porque aqui temos Bill Connors a utilizar as guitarras gerindo os diversos “overdubs” de forma verdadeiramente mágica, oferecendo-nos composições repletas de um intimismo cativante, que convidam o ouvinte a seguir atentamente os oito temas que compõem “Swimming in a Hole in My Body”, um álbum que respira uma diversidade de composições que terminam por conjugar de forma plena a genialidade do guitarrista.

Bill Connors

“Swimming in a Hole in My Body” de Bill Connors revela-se como o maior e mais belo contributo oferecido pelo músico à sonoridade da guitarra acústica, que aqui respira por todas as cordas.

Gravado em Novembro de 1974 no Arne Bendiksen Studio, Oslo, por Jan Erik Kongshaug. Capa de Frieder Grindler. Produzido por Manfred Eicher.

Todos os temas foram compostos por Bill Connors, excepto o tema 5 da autoria de Glenn Cronkhite.

Rui Luís Lima

terça-feira, 27 de agosto de 2024

E. M. Forster - "Pharos & Pharillon - Uma Evocação de Alexandria"


E. M. Forster
"Pharos & Pharillon - Uma Evocação de Alexandria"
Páginas:118
Livros Cotovia

Há livros que nos deixam profundamente fascinados pela história de uma cidade e “Pharos & Pharillon – Uma Evocação de Alexandria”, da autoria de E. M. Forster, possui esse mesmo fascínio, revelando-nos a magnifica Arte deste escritor nascido em Londres em Janeiro de 1879 e que faleceu em 1970, deixando-nos uma obra extensa que irá passar ao cinema pelas mãos de James Ivory e David Lean, dois cineastas que sempre revelaram um enorme fascínio pela obra literária de Edward Morgan Forster.


O livro “Passagem Para a Índia” / “A Passage to India” esperou 14 anos para ser publicado, tendo sido levado muitos anos depois ao cinema pelo britânico David Lean, revelando-se como a última obra do cineasta britânico. “Quarto com Vista” / “A Room With a View” (1908) e “Howard’s End” (1910) chegaram ao cinema pela mão do americano James Ivory, assim como “Maurice”, uma obra literária que só viria a ser publicada um ano após a morte do escritor, de acordo com o seu desejo.

Edward Morgan Forster
(1879 - 1970)

“Pharos & Pharillon – Uma Evocação de Alexandria”, editado pelos Livros Cotovia, oferece-nos uma viagem por Alexandria, essa cidade egípcia que tanto fascinou o Ocidente e os seus escritores, bastando recordar o célebre “Quarteto de Alexandria” de Lawrence Durrell um dos maiores monumentos do universo literário, para nos situarmos no interior da cidade que E. M. Forster nos retrata desde o tempo da sua fundação até aos dias da escrita deste livro, convidando-nos a acompanhar diversas figuras que marcaram a vida da famosa cidade, muito anos antes de Cristo nascer, até chegarmos ao período contemporâneo e descobrirmos o maior poeta que habitou a cidade de Alexandria, o grego K. P. Kavafis, que nos irá deixar uma obra poética admirável e inesquecível.


Enquanto desfolhamos as páginas de “Pharos & Pharillon – Uma Evocação de Alexandria”, mergulhamos na vida desta conhecida cidade Egípcia desde a Antiguidade até à época contemporânea, sempre conduzidos por uma escrita fascinante, que nos vai relatando as inúmeras histórias dos seus habitantes mais ilustres, desde os sábios da Antiguidade, passando por Alexandre o Grande e Santo Agostinho, até chegarmos ao famoso Farol, para depois entrarmos no século XX e sentirmos a temperatura da cidade e das pessoas que a povoavam, tantas de forma anónima ou outras como Kavafis, que na solidão do seu quarto foi criando uma obra poética imortal e que bem merece ser (re)descoberta, já que na nossa língua possui em Jorge de Sena um dos seus melhores tradutores.


“Pharos & Pharillon – Uma Evocação de Alexandria” de E. M. Forster, não é um livro de viagens, mas sim uma monumental obra-literária que fascina o leitor da primeira à última página, levando-o a caminhar através dos tempos pelo pulsar de Alexandria, essa cidade profundamente literária, um símbolo perfeito da globalização, muito antes da palavra possuir o peso político que lhe foi dado pelas ideologias. Sendo sempre de referir que foram os Woolf, Leonard e Virginia, os editores deste belo “Pharos & Pharillion” no longínquo ano de 1923.

Rui Luís Lima

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

Sigourney Weaver - A Luz de uma Estrela!


Sigourney Weaver - A Luz de uma Estrela!

1. - Para muitos, Sigourney Weaver é a Ellen Ripley da célebre trilogia “Alien” sendo o seu nome conhecido de todos, mas quantos se lembram dela em “Annie Hall”, tal como esse outro actor que um dia entra no escritório de Woody Allen à procura de trabalho e cuja figura até fez tremer o cineasta da Big Apple, que depois lhe ofereceu o papel de assaltante no metropolitano nesse mesmo filme, certamente muito poucos. O actor era Sylvester Stalone e Sigourney Weaver, que até foi baptizada como Susan Alexandra, passou a sua prova de fogo no Oscarizado filme de Woody Allen, em que surgia como acompanhante de Paul Simon.

"O Ano de Todos os Perigos"

Quando Mel Gibson e o cineasta australiano Peter Weir decidiram levar a cabo “O Ano de Todos os Perigos” / “The Year of the Living Dangerously”, a escolhida para interpretar a principal personagem feminina foi Sigourney Weaver, discreta mas radiante e inflamando paixões.

"Alien - O 8º Passageiro"

No entanto, nessa época, poucos se lembravam dela como Star em “Aliens” do britânico Ridley Scott, ela que tinha sido o único sobrevivente da nave, para transmitir o pesadelo vivido. Ridley Scott ainda não tinha realizado o célebre “Blade Runner” / “Blade Runner: Perigo Iminente”, mas “Alien” começava a tornar-se um clássico do género.

"Os Caça-Fantasmas"

O nome de Sigourney Weaver começava a subir na tabela das estrelas de Hollywood e quando Ivan Reitman decidiu criar “Os Caça Fantasmas” / “Ghostsbusters”, todos deram por ela e o seu nome ficou associado ao espectacular êxito de bilheteira da película.

Desde muito cedo Sigourney Weaver se viu ligada às imagens do espectáculo já que o seu pai, Pat Weaver, foi Presidente da NBC e a mãe, a actriz Elizabeth Inglis, sacrificou a carreira pela família. Seria aliás o nome do pai que lhe iria abrir muitas portas, depois de terminada a sua formação na Yale Drama School

"Une femme ou deux"

New York iria ser a sua residência, como não podia deixar de ser e por lá participou na famosa “workshop” de Gene Lasko, onde deu nas vistas. Depois foi o silêncio até à estreia no cinema, onde a série “Alien” fez dela um verdadeiro Icon!

"Aliens: O Reencontro Final"

Depois da experiência de trabalhar ao lado de Gerard Depardieu, em “Une Femme or Deux” realizado por Daniel Vigne, James Cameron não hesitou em chamar a tenente Ripley para a sequela de “Aliens” e aqui vamos encontrar uma musculada Sigourney Weaver, com a sua equipa de comandos para atacar e liquidar de vez o terrível predador. Estamos assim perante um dos grandes filmes de acção no âmbito da ficção-cientifica.

"O Corpo e a Vida"

O nome da actriz estava decididamente lançado junto do grande público. Mais tarde foi a vez de “Half Moon Street” / “O Corpo e a Vida”, em que teve ao seu lado o sempre genial Michael Caine, situando-se a acção em Londres e interpretando a figura de uma jovem americana envolvida em intrigas terroristas. Mas esta película de Bob Swan, em que ela faz o retrato perfeito da mulher dos anos oitenta, não alcançou o sucesso merecido.

"Gorilas na Bruma"

Será com “Gorilas na Bruma”/”Gorilas in the Mist”, interpretando a antropóloga Dian Fossey, que o talento de Sigourney Weaver recebe o aplauso unânime da crítica e do grande público, o seu desempenho é simplesmente extraordinário, estando a par da excelente realização de Michael Apted.

"Uma Mulher de Sucesso"

Já “Working Girl”/ ”Uma Mulher de Sucesso”, uma deliciosa comédia desse cineasta de mulheres chamado Mike Nichols, demonstrou bem os atributos de Sigourney Weaver no difícil território da comédia, sendo o restante trio composto por Harrison Ford e Melanie Griffith.

"Os Caça-Fantasmas II"

Como as sequelas se tornaram moda em Hollywood e os executivos dos Estúdios começaram a ver nelas um negócio cheio de cifrões (veja-se só a verdadeira pilhagem a que é sujeita a memória do cinema pelos executivos do Estúdio, devido à falta de ideias originais), Ivan Reitman decidiu voltar a chamar os seus Caça-Fantasmas e fazer um “Ghostbusters II” / “Os Caça-Fantasmas II” e, como não podia deixar de ser, Sigourney regressou com eles.

"Alien 3 - A Desforra"

Mas os regressos não se iriam ficar por aqui já que, continuando esta lógica, o seu filme seguinte seria o “Alien 3 – A Desforra” do então desconhecido David Fincher, hoje em dia um dos nomes incontornáveis do cinema norte-americano. A perfeita atmosfera claustrofóbica, mas também filosófica, de que a película estava imbuída, tornaram-na como a antítese do filme realizado por James Cameron. Revelando-se Inesquecível a sequência final do filme de David Fincher em que Ripley a caminho do inferno ou redenção, se preferirem, olhando a morte que chega, num gesto derradeiro, acaricia a cria do Alien, que irá morrer com ela.

"Dave - Presidente Por Um Dia"

2. - Quando Ridley Scott decidiu empreender a aventura de Cristóvão Colombo e o seu descobrimento da América, foi Sigourney Weaver a escolhida para representar a Rainha Isabel. No ano seguinte, 1993, a actriz decide regressar à comédia na companhia de Kevin Kline construindo uma das mais deliciosas comédias de sempre em “Dave” / ”Dave – Presidente por Um Dia”, encontrando-se atrás da câmara o seu velho amigo Ivan Reitman, que consegue construir uma obra profundamente capriana tendo em conta a estrutura narrativa do filme e o próprio conteúdo do argumento

"A Noite da Vingança"

Mas se um dia alguém me perguntar qual o melhor filme de Sigourney Weaver, aquele em que ela demonstra todas as suas potencialidade e entra no corpo da personagem da forma mais intensa e criativa, só poderemos ter um nome e esse filme será sempre “Death and the Maiden” / “A Noite da Vingança” de Roman Polanski onde ela interpreta uma antiga presa política de um país da América Latina, casada com um dirigente progressista (Stuart Wilson) que também conheceu as atrocidades da ditadura e que um dia vê bater à sua porta para pedir auxílio um homem que os faz recordar o seu antigo carrasco (Ben Kingsley). Será ele o torturador?

Essa dúvida, que a irá atormentar, fará com que ela o sequestre a fim de obter a sua confissão, mas ao longo daquela longa noite em que tudo acontece: a luz falta, as comunicações estão cortadas e a chuva teima em cair, ela e nós ficaremos sempre na dúvida ou certeza de que a vítima encontrou finalmente o seu carrasco, que surge “indefeso” perante ela, revelando-se o marido um juiz de mãos atadas.

Esta espantosa actriz chamada Sigourney Weaver, possui neste filme uma das maiores interpretações da sua carreira.

"A Tempestade de Gelo"

Aqueles que leram a novela de Rick Moody, “A Tempestade de Gelo” irão perceber perfeitamente as razões porque Sigourney Weaver foi a escolhida para a adaptação cinematográfica levada a cabo por Ang Lee desta obra incontornável da Literatura Contemporânea. Mais uma vez a vamos encontrar ao lado de Kevin Kline em “The Ice Storm” / “A Tempestade de Gelo”, na companhia dessa outra grande actriz chamada Joan Allen.

Estamos perante a desagregação familiar tão característica desses anos 60/70, como tão bem retratou recentemente Robert Downey Júnior, numa entrevista, quando contou que aos sete anos fumou marijuana oferecida pelo pai. Como sabemos, nessa época era proibido proibir, mas após os excessos, os tempos mudaram radicalmente e como as sociedades são feitas de extremos nasceram os “yuppies” e os “workaolics”, para mais tarde surgir a mais famosa ideologia do século XXI, conhecida pelo belo nome de “politicamente correcto”.

Nesta película, cuja acção se passa em 1973, iremos também encontrar três nomes que hoje são bem conhecidos do grande público, Tobey Maguire (o famoso Homem-Aranha), Christina Ricci (dos filmes da Família Addams) e Elijah Wood (da trilogia de O Senhor dos Anéis). “A Tempestade de Gelo” / “The Ice Storm”, surge assim pela mão de Ang Lee como uma metáfora de uma outra tempestade, que desabou na vida de duas famílias, que viram o seu mundo ser estilhaçado e desaparecer para sempre.

"Alien: O Regresso"

3. - Muito antes de Jean-Pierre Jeunet pensar na sua “Amélie Poulain” e após o fim da sua colaboração com Marc Caro, o cineasta francês tentou a aventura americana com mais um capítulo da saga “Aliens”. Os Estúdios concordaram com o projecto e as personagens criadas por Dan O’Bannon foram ressuscitadas para mais uma aventura. Mas Ripley, como todos sabíamos, estava morta e a presença de Sigourney Weaver era fundamental, para o sucesso de bilheteira tão desejado pelos Estúdios Americanos. Assim os argumentistas não tiveram mãos a medir e mudaram a acção para 200 anos depois, criando um clone da temível Ripley, que desta forma irá continuar a sua luta interminável contra os temíveis e poderosos Aliens. Nascia assim “Alien: Resurrection” / “Alien: O Regresso”.

"O Mapa do Mundo"

O ano de 1999, marca de certa forma, a estreia do realizador Scott Elliot no grande écran, num filme intimista, passado na América profunda, onde vamos encontrar Sigourney Weaver e Julianne Moore. “A Map of the World” / “O Mapa do Mundo”, revela-se um filme espantoso de contenção e sofrimento das suas protagonistas, num daqueles casos de injustiça, que muitas vezes poderão levar falsos culpados às cadeias e mesmo que a sua inocência seja mais tarde provada, as marcas ficarão para sempre gravadas nas suas memórias.

A história de Alice Goodwin é uma dessas histórias e se Scott Elliott não chega àqueles momentos sublimes alcançados por Alfred Hitchcock em “The Wrong Man” / “O Falso Culpado”, onde Henry Fonda tem uma das suas maiores interpretações de sempre, oferecendo-nos o seu olhar de vítima inocente, em “A Map of the World” / “O Mapa do Mundo”, Sigourney Weaver consegue transportar não o silêncio de Henry Fonda, mas sim o seu grito de revolta e impotência resignando-se às regras do jogo do seu advogado para poder provar a sua inocência, embora a sua vida naquela comunidade esteja destruída para sempre pela mentira e mesmo quando a verdade é reposta, será inevitável recomeçar tudo de novo num outro local, regressando às suas origens citadinas e esquecendo essa falsa tranquilidade oferecida pela paisagem campestre.

"Matadoras"

Dois anos depois a actriz decide regressar à comédia, ao aceitar participar em “Heartbreakers” / “Matadoras” de David Minskin, ao lado de Jenniffer Love Hewitt. Esta dupla irá viver de “pequenas” golpadas: após contraírem matrimónio, conseguem obter rápidos divórcios e conquistarem grandiosas compensações materiais, mais conhecidas como heranças.

Um dos momentos inesquecíveis do filme é a caracterização de Gene Hackman nesse multimilionário tabagista incurável, assim como todo o diálogo de Sigourney Weaver no restaurante russo. Mas nada melhor do que descobrir a película e dar umas saborosas gargalhadas, porque a comédia é um género em constante evolução e um verdadeiro “tour de force” para muitos actores.

"A Vila"

Chegamos assim a esse polémico filme de M. Night Shyamalan, considerado por alguns o herdeiro de Alfred Hitchcock, mas quando a nós um cineasta que repentinamente vê o seu olhar cinematográfico confinado a um beco sem saída. “The Village” / ”A Vila” é um daqueles filmes que pretende no final surpreender o espectador, mas devido à forma como a acção se desenrola e a insistência do cineasta em fazer aparições à Hitchcock, leva a interrogarmo-nos sobre essa questão tão simples: será que Hitchcock tem herdeiros?

Alfred Hitchcock confessava que gostava de ter breves aparições nos seus filmes e a primeira vez que tal sucedeu foi porque o intérprete/figurante se atrasou e o cineasta disse “eu trato já do assunto” e fez assim a sua primeira aparição. Depois, como os espectadores ficaram deliciados com a sua presença, ele continuou mas, como confessou, tinha sempre o cuidado de surgir logo no início dos filmes, para que a atenção do espectador não ficasse “desfocada” da história e como alguns sabem, após a planificação cuidada do filme, Alfred Hitchcock achava o acto de filmar algo de “secundário”, mas regressando a “The Village” / “A Vila”, mais uma vez Sigourney Weaver dá conta do recado, apesar do “macguffin” do cineasta se encontrar bem distante da arte do suspense com que Hitchcock encantou plateias de todo o mundo.

"Exodus: Deuses e Reis"

Como muitas das actrizes da sua geração e não só, Sigourney Weaver oferece a sua voz ao cinema de animação e são inúmeros os filmes, desde “Wall-E”, passando por “A Lenda de Despereaux” e “À Procura de Dory”.

Por outro lado, em termos cinematográficos, a sua vida não pára e são inúmeros os filmes em que a temos visto, desde “Avatar” de James Cameron, passando pela comédia “Louco com a Liberdade” / “Crazy on the Outside” realizado pelo conhecido actor Tim Allen ou o filme histórico de Ridley Scott “Exodus: Deuses e Reis” / “Exodus: Gods and Kings” e até o universo do cinema de terror a teve como protagonista em “Red Lights – Mentes Poderosas” / “Red Lights”, ao lado de Robert de Niro.

"Caça-Fantasmas"

Como não podia deixar de ser também o pequeno écran a viu como estrela, a actriz não resistiu à chamada para ser uma das protagonistas da mini-série “Political Animals”.

Sigourney Weaver é uma daquelas actrizes cujo valor interpretativo é inquestionável. A sua presença numa película é uma mais-valia, para qualquer cineasta, por isso mesmo ela é uma das grandes estrelas do cinema e o brilho das suas interpretações é a verdadeira luz que ilumina o Cinema.

Rui Luís Lima

domingo, 25 de agosto de 2024

Rádio - Espaço 3P!


Rádio: Espaço 3P!

Ao longo da noite, nessa época em que ficava a ler pela madrugada dentro, um dos programas que escutava de forma assídua era o “Espaço 3P” e os “3P” significavam “Produções Publicitárias Portuguesas”, tratando-se de uma produtora que alugava espaço radiofónico no FM do antigo RCP e ao longo dessas madrugadas na adolescência escutava a denominada Música Popular Anglo Americana, mas também era possível ouvir reportagens sobre Festivais de Cinema e Festivais de Jazz, que começavam a estar em voga, tanto “cá dentro”, como “lá fora”.

Como estes textos são feitos de memórias, apenas me recordo do nome do Joel Nelson, mas foram inúmeras as vozes que por aqui passaram, marcando os meus dias da Rádio, oferecendo-me a música de James Taylor, Joni Mitchell, Leonard Cohen, Don McLean, Tim Hardin, Neil Young, Joan Baez, entre muitos outros ou seja o bom gosto musical passava por aqui e marcou a minha memória para sempre!

Rui Luís Lima

James Taylor
"Your Smiling Face"

sábado, 24 de agosto de 2024

Melanie - “Peace Will Come (According To Plan)"


Melanie
“Peace Will Come (According To Plan)"
45 RPM.
Buddah Records
Ano: 1970

1 - “Peace Will Come (According To Plan)"
2 - “Stop! I Don’t Wanna’Hear It Anymore”
3 – “Close To It All”

Em finais dos anos sessenta, do século xx, o movimento hippie estava bem em voga na América e em Greenwich Village surgiu uma jovem a tocar nos célebre clubes de música folk e de protesto, apenas com a sua guitarra e uma voz fora do vulgar, sendo também a autora das diversas composições, chamava-se Melanie e será na Europa, em 1969, que irá conhecer o sucesso ao atingir o primeiro lugar no Top Francês.

Depois seguiu-se a Holanda e por fim a própria nação que a viu nascer, essa América que no Festival de Woodstock lhe vai oferecer o maior auditório da sua carreira.

Melanie Safka
(1947 - 2024)

Os sucessos sucedem-se e as gravações também quase a ritmo vertiginoso, nesses inícios de Setenta e foi assim com naturalidade que a sua voz chegou ao nosso país e às respectivas Estações de Radio, levando-me a descobrir a sua música, até que chegou esse dia em que convenci a minha mãe a entrar na loja do Valentim de Carvalho na Rua Nova do Almada, para comprar este EP de Melanie, com três faixas, sendo a principal o famoso “Peace Will Come (According To Plan), que preenchia a totalidade do lado A, enquanto o lado B do EP era composto pelos temas “Stop! I Don’t Wanna Hear It Anymore” e “Close To It All”.

Já na década de oitenta Melanie passou a assinar os seus trabalhos com o nome de Melanie Safka. Continua ainda a dar alguns espectáculos, mesmo depois de ter ultrapassado a bonita idade de 70 anos. Melanie partiu a 23 Janeiro 2024, mas a sua música e os seus poemas permanecem bem vivos para todos aqueles que se recordam dela!

Rui Luís Lima