quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Barbara Hershey - Uma Dama do Cinema!


Barbara Hershey - Uma Dama do Cinema!

1. Barbara Hershey não é um nome desconhecido dos amantes do cinema e a sua figura, por vezes tão frágil, tem sido uma constante ao longo dos anos, mesmo quando nos recordamos desse filme fabuloso chamada “Lantana” de Ray Lawrence, que passou perfeitamente despercebido do grande público apesar de ser um perfeito observatório da complexidade das relações humanas.

"O Verão Passado"

A sua filmografia é bastante extensa, assim como as suas participações no pequeno écran onde o número de filmes e séries é elevado. “Last Summer” / “O Verão Passado” (1969) de Frank Perry, “The Babymaker” (1970) de James Bridges ou esse extraordinário “Boxcar Bertha”/”Uma Mulher da Rua” (1972) do então desconhecido Martin Scorsese, são algumas das mais notadas películas de início de carreira, onde a sua jovem imagem a ia conduzindo ao longo do celulóide, acabando por ser “The Stunt Man – O Fugitivo” (1980) de Richard Rush a marcar a sua transição para o estado adulto de mulher madura, como foi referido por ela , nascendo então a actriz que todos conhecemos. Na época tentaram fazer dela uma Star à moda de Hollywood, mas Barbara Hershey resistiu confessando, como “por vezes era tão aborrecido ser-se bonita”.

"Uma Mulher da Rua"

Barbara Hershey, desde muito jovem, sentiu esse impulso interior de representar papéis alheios à sua vida, preenchendo um espaço criado por outros, dando-lhe vida. Era isso que sentia quando ia ao cinema (cumprindo esse “estado de alma” que Woody Allen tão bem retratou em “A Rosa Púrpura do Cairo” / “The Purple Rose of Cairo”) ou quando devorava as páginas de livros que lhe “caíam” nas mãos.

"O Ente Misterioso"

“The Entity”/”O Ente Misterioso” (1982) de Sidney J. Furie, termina por ser a primeira película em que Barbara Hershey surge como nome sonante do cartaz e o filme, “vagueando” entre o terror, a família e as ciências ocultas revela-se uma verdadeira surpresa, transportando consigo a memória da série-B.

"Os Eleitos"

Mas seria nessa epopeia espacial de nome “Os Eleitos” / “The Right Stuff” (1983), realizada por Philip Kaufmann, que ela surge pontuando a sua condição feminina numa “película de homens”: os astronautas, primeiros viajantes desse imenso território que rodeia o nosso planeta azul. Neste genial e inesquecível filme, Barbara Hershey está ao lado de Sam Shephard, revelando todas as suas potencialidades, sendo a sua figura portadora de um magnetismo indesmentível, aliás bem patenteado na memorável sequência da corrida a cavalo através do deserto.

"Ana e as Suas Irmãs"

O apelo da grande metrópole nova-iorquina também se fez sentir nela e em 1985 decidiu mudar-se para a margem do rio Hudson com o seu filho Tom de 13 anos, cujo pai é David Carradine, com quem viveu durante largos anos numa roulotte, sendo ambos conhecidos, na época, como os “hippies de Hollywood”, curiosamente o nome dado inicialmente ao filho de ambos foi Free e só quando decidiu partir para Nova Iorque é que alterou o nome do seu descendente.

A sua admiração por Woody Allen já vinha de longe, considerando-o o argumentista/cineasta desejado por qualquer actriz, tendo em conta o talento com que ele caracteriza as suas personagens femininas e foram muitas as actrizes que ficaram a dever a sua carreira ao realizador. Com “Hannah e as Suas Irmãs”/”Hannah and Her Sisters” chegou a vez de Barbara Hershey se estrear ao lado de Woody Allen, que nunca escondeu a sua simpatia por ela, ao mesmo tempo que estudava o comportamento da actriz dentro e fora do “set”, como é seu hábito.

Esta maravilhosa película de Woody Allen que se inicia no famoso dia de Acção de Graças e termina um ano depois, no mesmo dia da famosa comemoração norte-americana, revela-se como o retorno ao universo familiar, não na linha Bergmaniana de “Interiors”/”Intimidade”, mas sim no interior daquilo a que se chamou um compromisso entre a primeira fase do cineasta, sendo o humor o pólo atractivo, embora como não podia deixar de ser, um certo criticismo da chamada segunda fase, psicanalítica, também esteja presente, retomando esse caminho da complexidade das relações humanas, que Woody Allen sempre soube retratar com perfeição nos seus filmes.

Manhattan, magnificamente retratada por Carlo Di Palma é o cenário perfeito desta maravilhosa história de família com paixões, adultérios e muito amor para oferecer. A personagem interpretada por Barbara Hershey é profundamente comovente e a relação que estabelece com o cunhado Elliot (Michael Caine) é o verdadeiro motor do filme, apesar de todas as outras histórias que se vão cruzando, como era habitual nas películas de Woody Allen desse período.

"Raiva de Vencer"

2. - Ao interpretar a personagem Lee no filme “Ana e As Suas Irmãs” / “Hannah and Her Sisters” de Woody Allen, essa figura em estado de transição, terminou por se lhe colar ao corpo, sendo com naturalidade que a vamos encontrar nesse fabuloso filme de David Anspargh, intitulado “Hoosiers” / “Raiva de Vencer” (1986).

Nele vamos encontrar Gene Hackman na sua melhor forma, na figura de um professor em fuga do passado que escolhe a América profunda para reiniciar a sua vida e encontrar em Myra Fleener (Barbara Hershey) a barreira (in)transponível para atingir os seus objectivos: levar a equipa de basquetebol de uma escola da América profunda à final nacional na grande metrópole.

A juntar a esta dupla fantástica iremos ter o extraordinário Dennis Hooper, a interpretar o pai alcoólico do melhor jogador da equipa. De referir que todas as sequências dos jogos estão filmadas de forma mais que perfeita.

"Gente Estranha"

Sempre a oferecer o seu talento aos cineastas com quem trabalha, Barbara Hershey termina por finalmente ver o seu trabalho reconhecido no Festival de Cannes, ganhando o prémio para a Melhor Intérprete Feminina, em 1987, na película de Andrei Konchalovsky ,“Shy People” / ”Gente Estranha”, rodada nos pântanos da Louisiana e que marca também a estreia fulgurante de Martha Plimpton no cinema, ao ponto de roubar todas as cenas a Jill Clayburg, que no filme interpreta a personagem da sua mãe.

A forma como Barbara Hershey interpreta essa figura solitária e combativa exilada nos pântanos é na verdade inesquecível. Um dos grandes filmes de Andrei Konchalovsky que é urgente redescobrir, incluindo a sua fase soviética e recordamos que ele é o autor de filmes como “Siberíada” (o “1900” soviético), “Comboio em Fuga” / “Runaway Train”, “Os Amantes de Maria” / “Maria’s Lovers” e “Duet for One” / “Dueto Só para Um”.

"Um Mundo à Parte"

O Festival de Cinema de Cannes nunca repete as opções cinematográficas de um ano para o ano seguinte, mas no ano de 1988 quebrou-se essa regra de ouro com a película “A World Apart” / “Um Mundo à Parte” (1988) de Chris Menges e Barbara Hershey voltou a ganhar o Prémio para a Melhor Interpretação Feminina, numa película que abordava o “apartheid” e a tristemente célebre política de segregação racial condenada em todo o mundo.

"A Última Tentação de Cristo"

Quando Martin Scorsese conseguiu finalmente levar a bom termo a adaptação cinematográfica do romance de Nikos Kazantzakis, “A Última Tentação de Cristo” / “The Last Temptation of Christ” (1988), cuja adaptação foi da responsabilidade de Paul Schrader, muitos se interrogaram quem iria ser a intérprete da principal personagem feminina da película: Maria Madalena. E quando o nome de Barbara Hershey foi referido, todos compreenderam que não havia melhor escolha. Na verdade a sua interpretação em “The Last Temptation of Christ” é novamente inesquecível e marca de forma superior a obra do cineasta, tendo em conta a forma como ela introduziu a sua imagem nessa figura Bíblica que é Maria Madalena!

A película é um dos filmes mais religiosos e humanos de todos os tempos e a famosa Tentação de que fala o romance de Kazantzakis é o simples desejo de Jesus Cristo de decidir do seu destino, possuindo mulher e filhos e exercendo a sua profissão na paz interior alcançada, não por decisão Suprema de Deus, mas por vontade própria.

"A Paixão de Júlia"

3. - Chegamos assim aos anos noventa do século xx e Barbara Hershey começa a diversificar a sua actividade, começando a surgir em telefilmes e séries, enquanto na área do grande écran decide alterar as regras do jogo, apostando tanto na comédia como no drama, ao mesmo tempo que opta quer por produções dos Estúdios quer por produções de baixo orçamento e até de cinema independente, como foi o caso de “Frogs and Snakes” (1998) desse cineasta incontornável do cinema independente chamado Amos Poe.

Quando Mário Vargas Llosa escreveu o romance autobiográfico “A Tia Júlia e o Escrevedor”, editado em Portugal pela editora D. Quixote, nunca pensou que muitos anos mais tarde ele fosse adaptado ao cinema e logo por um grande Estúdio. Mas assim aconteceu e a célebre Tia Júlia seria Barbara Hershey, enquanto o papel do futuro escritor, conhecido entre os familiares por Varguitas foi entregue a Keanu Reeves, já essa figura incontornável do romance, o “amigo radiofónico dos argentinos” iria ter Peter Falk como protagonista.

No entanto o argumento foi alterado de uma forma inconcebível, já que a Argentina e os Argentinos, que eram as vítimas predilectas das crónicas de Pedro Carmichael (Peter Falk)foi substituída pela Albânia e os albaneses, enquanto o filme recebia o título de “Tune in Tomorrow…” , que em Portugal foi “baptizado” de “A Paixão de Júlia”. Quem leu o livro e viu o filme percebe que os Estúdios Americanos tiveram receio de um protesto ou conflito diplomático por parte do país sul-americano e com um país como a Albânia sentiram-se perfeitamente à vontade para levarem avante a produção, sem terem receios de problemas jurídicos. A película perdeu bastante desse humor bem corrosivo que respira nas páginas do maravilhoso romance do escritor peruano, mas os actores conseguiram caracterizar de forma perfeita as personagens, sem pôr em causa os heróis criados por Mario Vargas Llosa.

"Reporter Indiscreto"

“The Public Eye” / “Reporter Indiscreto” (1992) é uma das melhores produções de Robert Zemeckis, dirigida por Howard Franklin, cuja história se situa nos anos quarenta na América, com um Joe Pesci espantoso, muito diferente das personagens interpretadas anteriormente nos filmes de Martin Scorsese, tendo a seu lado Barbara Hershey a vestir a pele da “femme fatale”. Uma obra que recomendamos vivamente, onde a memória do “film noir” respira por todos os fotogramas. Recorde-se que a Sétima Arte está repleta de pérolas desconhecidas que bem merecem ser encontradas pelos pescadores de pérolas cinéfilos.

"Retrato de Uma Senhora"

Depois foi a vez de contracenar com Michael Douglas em “Um Dia de Raiva” / “Falling Down” (1993) e surgir no filme menos “valorizado” de Jane Campion, intitulado “The Portrait of a Lady”/”Retrato de Uma Senhora”, baseado no conhecido romance de Henry James. A sua Madame Serena Merle é na verdade inesquecível!

"Filha de Soldado Nunca Chora"

E quando o cinema volta a beber a sua magia na literatura, vamos encontrá-la ao lado de James Jones ou diremos antes Kris Kristofersen, que interpreta a figura do escritor James Jones nesse filme espantoso de James Ivory intitulado “A Soldier’s Daughter Never Cries”/”Filha de Soldado Nunca Chora”, que infelizmente passou de forma silenciosa nos nossos écrans e que bem merece ser redescoberto!

"Lantana"

Continuando sempre em actividade tanto em séries de televisão como “Chicago Hope”, “The Mountain” ou “Era Uma Vez” / “Once Upon a Time” e mantendo a sua presença em telefilmes e películas distantes das “Majors”, vamos descobri-la numa das melhores películas realizadas neste novo século da responsabilidade de Ray Lawrence e intitulada “Lantana”, uma produção australiana, que nos retrata uma história de equívocos e suspeitas, numa verdadeira teia de aranha, fruto perfeito de coincidências e de más interpretações, provocadoras de um fim inevitável, em que não há culpados mas simples suspeitos.

A interpretação de Barbara Hershey em “Lantana” é inesquecível na pele da psicanalista Valerie Somers, que não encontra resolução para as suspeitas que a atormentam, até que um dia a tragédia provocada pelo medo, irá trazer a solução final.

Barbara Hershey

Mantendo um Low profile nas escolhas dos filmes em que participa Barbara Hershey, também quis dar o seu contributo a uma das melhores séries de sempre da televisão, estamos a falar dessa incontornável personagem criada por Agatha Christie e que se chama Hercule Poirot, assim iremos encontrá-la no famoso filme “Um Crime no Expresso do Oriente” / “Murder on the Orient Express” da série Agatha Christie's Poirot, que tem em David Suchet o intérprete mais famoso do célebre detective criado pela escritora britânica.

Barbara Hershey permanece uma das grandes Damas do Cinema Norte-Americano e viajar com ela, através dos seus filmes, é uma verdadeira paixão cinéfila!

Rui Luís Lima

1 comentário:

  1. Foi com o filme "Mulher da Rua" realizado por Martin Scorsese que muitos irão fixar o nome de Barbara Hershey, que ao longo da sua vida nos ofereceu interpretações inesquecíveis, revelando-nos a sua arte como intérprete de obras que ficaram na memória de todos os que a viram, visitando os mais diversos géneros cinematográficos, embora fosse no drama que ela nos revelou o seu enorme talento, tendo sido por duas vezes premiada no Festival de Cannes com as películas "Um Mundo à Parte" e "Gente Estranha".

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