quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

Billy Wilder - "O Apartamento" / "The Apartment"


Billy Wilder
"O Apartamento" / "The Apartment"
(EUA – 1960) – (122 min. - P/B)
Jack Lemmon, Shirley MacLane, Fred MacMurry, Jack Kruschen.

Todos os filmes têm uma história, para quem os vê. E nunca nos esquecemos da tarde de sábado, em que soubemos que a RTP ía transmitir “O Apartamento” de Billy Wilder, nessa época em que o vídeo fazia as delícias do cinéfilo. Deixámos o filme a gravar e quando chegámos a casa, nessa noite, fomos vê-lo depois de jantar e de imediato ficámos apaixonados pela história de C.C. Baxter (Jack Lemmon) e da rapariga do elevador, Fran Kubelik (Shirley MacLaine). Mas infelizmente acabámos por descobrir que a fita da cassete-video não chegou para gravar a totalidade do filme. A nossa frustração foi enorme e só muitos anos depois o voltámos a ver, já na idade do dvd, numa edição inglesa.


Alguns anos depois tivemos a oportunidade de o (re)ver numa das sessões da Cinemateca e de imediato ficámos esmagados pelo “scope” e a genialidade de Billy Wilder, porque na verdade só na sala de cinema é possível amar um filme, os dvds servem na verdade, apenas, para revermos os filmes de que gostamos.


A forma como Billy Wilder nos apresenta C.C. Baxter, digna de um Orson Welles, usando a “voz-off” de forma genial, oferece-nos de imediato a leitura da personagem, um anónimo empregado de escritório que é bem conhecido das altas esferas, porque a chave do seu apartamento serve para os directores da empresa se encontrarem com as respectivas amantes, enquanto muitas vezes o pobre C.C. Baxter espera na rua, ao frio e à chuva, que eles saíam do seu apartamento. Já os vizinhos, que desconhecem o que se passa, pensam que ele é um verdadeiro D. Juan e quando o encontram a transportar as garrafas vazias das “farras”, interrogam-se sobre a capacidade do seu corpo em ingerir tanto álcool, como um dia comenta o seu vizinho do lado, o simpático Dr. Dreyfuss (Jack Kruscher), que até lhe pede para ele legar o seu corpo à ciência, quando a morte o vier buscar.


Mas C. C. Baxter (Jack Lemmon)é um pacato homem que vive sozinho, sem qualquer espécie de companhia, embora veja em Fran Kubelik (Shirley MacLaine), uma das raparigas dos elevadores da firma, a mulher que um dia desejava convidar para sair, desconhecendo que ela é a amante do seu patrão.


A vida atribulada desta personagem é-nos oferecida por Billy Wilder com uma candura infinita e quando o vemos numa azáfama no escritório a marcar e desmarcar encontros dos directores com as suas amantes, de forma a que não se encontrem uns com os outros, percebemos como é na verdade trágica a sua vida. Até que um dia é chamado ao Big Boss, para explicar porque razão é tão popular junto das chefias, ao mesmo tempo que lhe é perguntado o que existe no interior desse envelope que anda de uma lado para o outro nas altas esferas (o envelope com a chave do seu apartamento).


Ao ver-se entre a espada e a parede C. C. Baxter confessa o que se passa no seu apartamento mas, para seu espanto, Sheldrake (Fred MacMurry, em mais uma extraordinária interpretação) mostra-se compreensivo, ao mesmo tempo que lhe propõe uma condição irrecusável: a partir desse dia só ele, Sheldrake, irá ficar com a chave para se encontrar com a sua amante, dando em troca a promoção esperada a C.C. Baxter, oferecendo-lhe até um gabinete no famoso 27º andar da empresa; se não aceitasse a proposta seria despedido. C. C. Baxter acaba por aceitar, desconhecendo que a amante de Sheldrake é Fran Kubelik, essa rapariga do elevador que ele ama secretamente.


Iremos assim assistir à ascensão de C. C. Baxter na empresa, até chegar esse dia trágico em que irá descobrir Fran no seu apartamento, poucos momentos depois de ela se tentar suicidar com uma dose de comprimidos. Ele irá tudo fazer para a reanimar, sem qualquer resultado visível e será o seu vizinho e amigo Dr. Dreyfuss a conseguir salvar a jovem, depois de lhe fazer uma lavagem ao estômago.


A partir de então, Billy Wilder, que também assina o argumento, irá oferecer-nos os mais belos momentos do seu cinema, através desse amor secreto que começa a navegar no apartamento, entre estes dois seres à beira do abismo. Todas as sequências passadas com o par são de um misto de humor e ternura, poucas vezes vistos no cinema (os cozinhados de C.C. Baxter e as partidas de gin-rummy), mas por vezes também dolorosos, como sucede quando o cunhado de Fran a vai buscar ao apartamento. Por outro lado Sheldrake é a imagem do homem que pensa que o dinheiro tudo pode conquistar e quando dá uma nota de cem dollars para Fran comprar uma prenda de Natal, depois de passar a tarde com ela no apartamento, irá despoletar uma verdadeira crise de sentimentos na “rapariga do elevador”, que percebe finalmente ao que está destinada.


Porém a vida, como todos sabemos, possui as suas encruzilhadas e quando a mulher de Sheldrake descobre o que se passa com o marido, expulsa-o de casa, chegando assim a hora de Fran para subir na hierarquia social. Mas C. C. Baxter, que já não consegue esconder o seu amor pela jovem, ao saber que ela se vai casar com o patrão, recusa-se a voltar a emprestar a chave do apartamento e pede a demissão. E será com a chegada das doze badaladas da meia-noite a anunciar um novo ano que Fran Kubelik percebe que o seu destino não é com Sheldrake, mas sim com o tímido C. C. Baxter.


Que nos seja perdoada esta longa sinopse do filme, mas não resistimos e depois nunca é demais referir que a história deste par, personificado por Jack Lemmon e Shirley MacLaine, nos consegue comover profundamente, porque eles são o espelho perfeito das histórias que habitam o mundo contemporâneo e, como todos sabemos, são inúmeras as vezes em que vemos reflectida a nossa própria vida no grande écran do cinema.


Shirley MacLaine oferece-nos a sua melhor interpretação de sempre, mesmo quando nos recordamos dela em “Deus Sabe Quanto Amei” / “Some Came Running” e Jack Lemmon é na verdade inesquecível, ao vestir a pele deste pobre homem, que um dia pensou subir na vida, fazendo “pequenos favores” às chefias da empresa onde trabalhava.


“O Apartamento” / “The Apartment” foi nomeado para dez Oscars, tendo recebido cinco: melhor filme, realização, argumento, direcção artística e montagem. Mas nunca nos poderemos esquecer do elenco, que Billy Wilder reuniu e dirigiu com mão de Mestre, também eles merecedores da estatueta de Hollywood e depois há sempre a fotografia a preto e branco de Joseph LaShelle, que introduz o realismo nesta comédia dramática, com um saber maravilhoso.

Billy Wilder, Jack Lemmon 
& Shirley MacLaine

Mais uma vez, Billy Wilder nos oferece uma Obra-prima da Sétima Arte, onde o sorriso da comédia, nos convida a meditar sobre as pequenas tragédias do quotidiano, tantas vezes sofridas por essa gente anónima que se cruza connosco na estrada da vida. Aqui fica a nossa sugestão cinéfila para a passagem do ano, já que o filme termina precisamente nessa noite em que o mundo comemora o amanhã imediato!

Rui Luís Lima

1 comentário:

  1. Billy Wilder - (1906 - 2002)
    Classificação: 5 estrelas (*****)
    Uma obra-prima do cinema!

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