Alfred Hitchcock
"Difamação" / "Notorious"
(EUA – 1946) – (101 min. – P/B)
Ingrid Bergman, Cary Grant, Claude Rains, Louis Calhern, Leopoldine Konstantin.
“Notorious” / “Difamação”, como todos sabemos, é uma das obras-primas de Alfred Hitchcock e, nesta história de espionagem, vive uma das mais belas histórias de amor do cinema. Como não podia deixar de ser não se trata de um par, mas sim de um triângulo, composto por Devlin (Cary Grant), Alicia (Ingrid Bergman) e Sebastian (Claude Rains). E o célebre MacGuffin, como explicou Hitch, é uma amostra de urânio escondida numas garrafas de vinho. E nunca é demais referir que na época poucos sabiam a que se destinava o célebre urânio, chegando-se a falar que Hitchcock foi vigiado por agentes do FBI, quando se conheceu o argumento. Estamos assim perante um verdadeiro enredo de um filme de espionagem, género tão do agrado do Mestre do Suspense.
Alicia Huberman (Ingrid Bergman) assiste, no início do filme, ao julgamento do pai, um espião nazi entretanto descoberto e preso pelas autoridades americanas. Este tipo de relação familiar já nos tinha sido oferecida em “Correspondente de Guerra” / “Foreign Correspondent” (1942), porque na verdade todos sabemos que, durante a Segunda Guerra Mundial, foram muitos os espiões alemães a fazerem o seu trabalho no território do adversário, como Alfred Hitchcock nos mostrou também nessa outra película intitulada “Sabotagem” / “Saboteur” (1942). Iremos assim assistir à condenação de Huberman e à saída da sua filha do tribunal tentando, por todos os meios, fugir às perguntas dos jornalistas.
A condenação do seu pai leva-a a tentar encetar uma nova vida e será assim que a iremos encontrar a dar uma festa em sua casa para os amigos, refugiando-se no álcool para esquecer a perda do pai. Será também aqui que iremos encontrar Devlin (Cary Grant) pela primeira vez, cuja identidade desconhecemos. Alicia abandona a festa e decide andar pela estrada fora no seu carro e Devlin faz-lhe companhia, seguindo todos os seus gestos com a máxima atenção, porque ela acelera demasiado e está perfeitamente ébria, até que são detidos por um polícia e só então ficamos a saber, tal como Alicia, a verdadeira identidade de Devlin: um agente do governo encarregado de a vigiar. Mas com a passagem do tempo ambos se apaixonam, embora Devlin coloque o dever acima do amor e quando ele a informa que necessita dos seus serviços para vigiar um grupo de nazis suspeitos, que se encontram no Brasil, ela irá aceitar essa missão.
Alexander Sebastian (Claude Rains), antigo amigo do pai de Alicia, nutre uma profunda paixão por ela e quando se encontram ele não esconde os seus desejos. E será assim que Devlin irá mandar a mulher que ama para os braços de outro homem, depois dela ter aceite a perigosa missão. Iremos então assistir ao conflito interior que irá tomar conta de Devlin, que tal como Alicia aceita as sugestões dadas por Paul Prescott (Louis Calhern), o responsável pela espionagem americana no Rio de Janeiro, mantendo-se Devlin como o agente de ligação de Alicia.
Mas ao contrário de Devlin (Cary Grant), Sebastian (Claude Rains) não esconde o seu amor pela jovem e quando ele lhe propõe casamento tudo se irá complicar, embora Alicia (Ingrid Bergman) cumpra à risca as ordens que lhe são dadas: casar com o homem que não ama para descobrir o que se passa naquela casa em que se reúnem nazis. E nunca é demais lembrar o esforço de guerra feito pelos americanos na chamada política de boa vizinhança com os países da América Latina, onde algumas simpatias pelo regime de Hitler eram por vezes bem visíveis. E será assim que Alfred Hitchcock irá introduzir a chave do mistério que rodeia aquela casa, onde cientistas alemães se reúnem.
Alfred Hitchcock irá introduzir o “suspense” de forma lenta e gradual ao longo da película, ao acompanharmos o percurso de Alicia pela casa, sempre vigiada pela possessiva mãe de Sebastian (Leopoldine Konstantin), que segue a nora para todo o lado, em busca do segredo que desconhece. E será numa festa dada pelos Sebastian que Alicia revela a Devlin, então presente como amigo dela, que algo se encontra escondido na adega da casa, as célebres garrafas com urânio, e será nesta longa sequência, em busca do célebre MacGuffin, tratada por Hitchcock com enorme sabedoria, que Sebastian irá perceber que a sua mulher é uma espia. Decide então confessar o sucedido à mãe, ao mesmo tempo que esconde dos restantes cúmplices alemães a terrível descoberta porque, melhor do que ninguém, ele sabe que eles não irão ter contemplações com Alicia nem mesmo com ele, porque por ali não se olha a meios para atingir fins e cometer um erro dessa envergadura é imperdoável.
Até aqui a forma de agir de Devlin, para o espectador, é verdadeiramente antipática, porque se trata de um homem que trocou o amor por uma causa, mas quando ele percebe que a mulher que ama nunca irá sair daquela casa, tudo muda de figura, porque ela até está a ser envenenada, lentamente, com arsénico. Hitchcock cria então o verdadeiro clímax do filme nesse momento em que Devlin (Cary Grant) entra na casa para levar Alicia (Ingrid Bergman) dali para fora. E aqui Hitchcock, mais uma vez, decidiu sabotar a censura e o famoso código Hays, quando infringe as regras da duração de um beijo, estipuladas pelo infelizmente célebre censor, pondo Devlin a beijar de forma ininterrupta a bela e doente Alicia, no cimo das escadas, enquanto a tenta arrastar para fora da Mansão.
O par de amantes, ao ser descoberto, consegue no entanto sair daquele antro onde se encontram reunidos os conspiradores nazis, simplesmente porque Sebastian se recusa a confessar aos seus cúmplices que a sua mulher é uma espia, deixando-a por amor seguir o seu caminho, levada pelo seu rival, porque é mesmo disso que trata “Notorius” / “Difamação”: a luta de dois homens pela posse do corpo amado. E mais uma vez Alfred Hitchcock nos oferece a essência do seu cinema, criando ao longo de toda a película um suspense gradual, que irá atingir o seu clímax na sequência final.
“Difamação” / "Notorious" surge assim, como um dia afirmou François Truffaut, como “a quintessência de Hitchcock”. Uma obra que nos fascina cada vez mais com a passagem do tempo e onde a câmara do cineasta filma, como ninguém, os sentimentos das diversas personagens, basta ver como o olhar de cada um deles nos é oferecido para descobrirmos como muitas vezes o cinema consegue filmar a alma.
Rui Luís Lima
Alfred Hitchcock - (1899 - 1980)
ResponderEliminarClassificação: 5 estrelas (*****)
Estreia em Portugal: 11 de Outubro de 1947.
Uma das obras.primas de Alfred Hitchcock.