"Eva" / "All About Eve"
(EUA – 1950) – (138 min. - P/B)
Bette Davis, Anne Baxter, George Sanders, Celeste Holm,
Gary Merril, Hugh Marlowe, Thelma Ritter, Marilyn Monroe.
Em 1949, Joseph L. Mankiewicz tinha ganho os Oscars para melhor realizador e argumentista com a película “Letter to Three Wives” / “Carta a Três Mulheres” e no ano seguinte iria repetir a façanha com este “All About Eve” / “Eva”, revelando-se como o cineasta da palavra, o maior de sempre na História do Cinema. Recorde-se que o seu irmão Herman Mankiewicz foi o responsável pelo argumento de “Citizen Kane” / “O Mundo a Seus Pés”, ou seja essa arte de bem escrever vivia no interior da família e nunca ninguém até hoje escreveu como Joseph L. Mankiewicz, um verdadeiro génio. Michael Caine, numa recente entrevista, confessava que o cineasta exigia que o texto fosse dito sempre como estava escrito no papel e se o actor falhava uma palavra que fosse, quase no final dum take de cinco minutos, fazia-os repetir tudo novamente, porque a palavra era a sua arte suprema.
Conhecedor profundo do meio cinematográfico, Joseph L. Mankiewicz decidiu abordar o universo teatral, nesta obra-prima chamada “All About Eve” / “Eva”, em que nos relata a história de uma actriz de sucesso Margot Channing (Bette Davis), que é idolatrada por todos os que a rodeiam e pelo público em geral, incluindo uma jovem fan que assiste todas as noites às suas representações. Essa jovem de poucas posses, chamada Eve Harrington (Anne Baxter), irá vampirizar o talento da actriz consagrada, roubando-lhe o papel principal na peça que Margot mais deseja fazer, obtendo desta forma o galardão máximo na arte de representação.Mas Joseph M. Mankiewicz, como Mestre da Palavra, vai-nos oferecer a história destas duas mulheres através de um longo “flashback”, que se irá tornar na própria essência do filme e, como ninguém, começa a contar-nos a história através de um narrador, o temível crítico teatral Addison DeWitt (George Sanders, que ganhou o Óscar), a pessoa que melhor conhece o instinto predador de Eve Harrington e será com um cinismo perfeitamente perturbador que iremos conhecer essa mulher que a todos enganou, usando-os à medida dos seus desejos para atingir a fama.A forma escolhida logo no início do filme por Joseph L. Mankiewicz, para nos apresentar as diversas personagens da história que, num jantar, assistem à consagração de Eve Harrington é de uma subtileza profundamente maravilhosa e intrigante e quando seguimos com o narrador para a entrada dos bastidores onde, ao frio e à chuva, Eve aguarda a saída de Margot para lhe pedir um autógrafo, iremos assistir à macabra ascensão da jovem aspirante a actriz.
Eve (Anne Baxter), nessa noite, conquista a simpatia Karen (Celeste Holm), a mulher do dramaturgo, que a irá levar a conhecer Margot e é nesse encontro em que a falsa modéstia conquista o afecto de Margot, que as cartas começam a ser jogadas. Todos admiram a sua fragilidade excepto a assistente de Margot, a vivida Birdie (Thelma Ritter), que desde o primeiro momento não vai em histórias piedosas. Mas Margot, tal como Karen (Celeste Holm), abre-lhe o coração e a porta de sua casa, começando Eve a trabalhar como secretária para Margot, demonstrando uma eficiência e dedicação que deixam todos maravilhados. Mas, por detrás da sua falsa modéstia, vive o desejo de um dia ser tão famosa como a estrela que é idolatrada por si.
Lentamente, vai conquistando a afeição de todos os que a rodeiam, incluindo o famoso crítico DeWitt (George Sanders, sempre magnifico), que finge acreditar na sua história, enquanto investiga o seu passado, até chegar esse dia em que ele a informa saber tudo acerca do seu passado e estar pronto a desmascará-la perante todos os seus amigos. Mas ela irá contornar esse obstáculo com uma subtileza admirável, terminando por ser ela a tê-lo na mão. Sempre ostentando o ar mais ingénuo possível, ela vai subindo os degraus um a um, até conseguir o papel de actriz substituta de Margot Chaning.
Depois, só lhe resta arranjar forma de se estrear no palco, o que se irá concretizar através da cumplicidade de Karen, que esvazia o depósito do carro do marido, conseguindo desta forma que Margot não esteja presente nessa noite ao teatro, ficando bloqueada numa estrada deserta sem gasolina. Todos os críticos teatrais irão estar presentes nessa noite na sala de espectáculo, porque receberam um telegrama a convidá-los para assistir à peça e, de imediato, os jornais no dia seguinte falarão no nascimento de uma nova estrela.
Joseph L. Mankiewicz conta-nos esta história de ascensão de uma forma perfeita, usando a palavra como o principal elemento da película, fazendo da direcção de actores uma Arte soberba, em que bebemos lentamente os maravilhosos diálogos, a maior parte das vezes repletos de segundos sentidos, onde o cinismo navega no interior do vocabulário, como se fosse uma personagem.
Bette Davis possui aqui uma das maiores interpretações da sua carreira, da mesma forma que Anne Baxter revelou todas as suas potencialidades precisamente nesta película, depois temos um naipe de actores (ditos secundários) cujo contributo é de uma perfeição absoluta. Até Marilyn Monroe, que possui aqui um pequeno papel na figura de Miss Casswell, uma aspirante a actriz, parece já estar possuída pela imagem que a irá tornar um mito, basta olharmos para a sequência em que ela surge ao lado de DeWitt, para percebermos como tudo começou.
E o filme termina como se iniciou, nesse jantar de gala em que são atribuídos os famosos Prémios dessa Arte que é o Teatro e, mais uma vez, com toda a sua falsa ingenuidade, Eve Harrington irá agradecer o apoio de todos aqueles que usou e traiu, mencionando cada um deles com um cinismo que até faria acordar um morto. E como sucedia, tantas vezes, nesses anos, ela irá confessar nessa noite que vai deixar o mundo do Teatro, a quem tanto deve, para partir para Hollywood, em busca duma carreira no cinema, nessa outra terra prometida. Mas, ao chegar à suite do seu hotel, irá aí encontrar uma jovem que a admira, revelando-se esta uma espécie de alma gémea, disposta a seguir a estrada tortuosa anteriormente percorrida por ela, em busca dessa fama, por vezes tão efémera, conhecida pelo universo das moviestars!
Curiosamente, muitas vezes a ficção transforma-se em realidade e alguns anos depois da feitura deste filme, Bette Davis tinha um programa na televisão, que teve de abandonar durante o período de gravidez e os produtores escolheram, precisamente, Anne Baxter para a substituir. Quando Bette Davis se apresentou no Estúdio para retomar o seu lugar no famoso programa de televisão, os produtores disseram-lhe que talvez não fosse boa ideia, porque o público adorava Anne Baxter e eles não podiam perder o nível de audiência entretanto conquistado.
Re(ver) “Eva” / “All About Eve” é entrar pela porta grande da Sétima Arte e descobrir como o Cinema é uma Arte maravilhosa, que muitas vezes imita a vida, oferecendo-nos em cada fotograma essa magia que nos leva a identificar com as personagens que vemos no écran e que, por razões que até a própria razão desconhece, nos recordam pessoas com quem nos cruzamos ao longo da vida.
Nota: “All About Eve” / “Eva” conquistou Seis Oscars:
Melhor Filme;
Melhor Realizador;
Melhor Argumento;
Melhor Actor Secundário;
Melhor Guarda-Roupa;
Melhor Som.
Rui Luís Lima
Joseph L. Mankiewicz - (1909 - 1993)
ResponderEliminarClassificação: 5 estrelas (*****)
Estreia em Portugal: 17 de Dezembro de 1951.