“O Bom Pastor” / “The Good Shepherd”
(EUA – 2006) – (167 min. / Cor)
Matt Damon, Angelina Jolie, William Hurt, John Turturro,
Robert De Niro, Bully Crudup, Michael Gambon, Austin Williams, Joe Pesci.
São muitos os casos de actores que passam para detrás das câmaras, nascendo nessa viragem muitos cineastas. Raoul Wash talvez seja um dos primeiros casos, obrigado a trocar a interpretação pela realização, mas um dos casos mais bem-sucedidos é, sem dúvida alguma, Robert Redford um dos grandes actores da História do Cinema que um dia ao realizar o seu primeiro filme “Gente Vulgar” / “Ordinary People” viu o seu esforço coroado de Óscares. Outro nome a seguir é, evidentemente, George Clooney que nos ofereceu na segunda realização em “Boa Noite e Boa Sorte” / “Good Night and Good Luck” uma obra assombrosa. Já Kevin Spacey ao realizar “Bobby Darin”, criou um musical que deve ser descoberto por todos. Poderíamos falar em casos como Stanley Tucci ou John Turturro, actores conhecidos de muitos, que vão construindo uma obra de cineastas pela calada da noite. E só para terminar esta introdução nunca nos poderemos esquecer desse grande actor e cineasta, um dos pais do cinema independente, chamado John Cassavetes, que aplicava o dinheiro ganho nas interpretações em filmes realizados por outros, para investir na execução dos seus projectos cinematográficos, construindo uma das mais belas obras de um cineasta.
Não é a primeira vez que Robert de Niro assina a realização de uma película, já que se estreou atrás das câmaras nesse filme mágico intitulado “Uma Rua em Nova Iorque” / “A Bronx Tale” (1993) escrito e interpretado pelo actor Chazz Palminteri, tendo até mais tarde dado uma ajuda na realização a Frank Oz, no célebre filme “The Score” onde encontrávamos uma tripla chamada Marlon Brando, Robert de Niro e Edward Norton, o retrato perfeito de passagem de testemunhos na interpretação entre três gerações.
Mas chegar até à realização de “O Bom Pastor” não foi fácil. Inicialmente o cineasta pretendido era John Frankenheimer, infelizmente a morte veio buscá-lo e depois Francis Ford Coppola trabalhou durante algum tempo no projecto, sendo nessa altura a personagem de Edward Wilson interpretada por Robert de Niro, daí o facto de Coppola surgir como produtor executivo nos créditos da película. Porém o projecto não avançou e seria o próprio Robert de Niro, ao fim de dez anos, a conseguir concretizá-lo surgindo também como realizador.
“O Bom Pastor” oferece-nos o retrato da fundação da CIA, nascida da criação da OSS durante a Segunda Guerra Mundial e será através de Edward Wilson (Matt Damon) que iremos saber como tudo se passou. Logo no início do filme se percebe que ele é uma personagem cinzenta que procura saber como falhou a primeira grande operação da CIA no exterior, já que o FBI trata dos assuntos internos. Essa operação foi a célebre crise da Baía dos Porcos, com a tentativa da invasão da ilha de Cuba levada a efeito por exilados cubanos, mas preparada e comandada pela CIA. Fidel Castro era uma “persona non grata” (veja-se o filme realizado sobre ele por Oliver Stone já editado em dvd) e teria que ser derrubado rapidamente. Como todos sabemos a operação falhou e iremos descobrir ao longo do filme como o KGB tomou conhecimento da acção, através dessa personagem chamada Ulisses (Oleg Stefan), o agente de serviço do KGB.
Da mesma forma que o MI6 britânico recrutava os seus espiões na elite da Universidade de Cambridge, os americanos escolheram a Universidade de Yale para formarem a sua Agência e será aqui que iremos encontrar o jovem Edward Wilson, através de diversos flashbacks, que irá aceitar a missão de uma vida, tornando-se uma personagem cinzenta, colocando a nação acima da família, chegando mesmo a sacrificá-la. Ele transforma-se num marido e pai ausente, desde o dia do casamento e ao longo da vida a CIA será a sua casa.
As actividades da CIA já foram por diversas vezes documentadas no cinema, basta recordar filmes como “Os Três Dias do Condor” de Sidney Pollack com Robert Redford no protagonista ou o recente “Syriana” de Stephen Gaghan, interpretado por George Clooney, mas nunca até hoje ninguém se tinha debruçado sobre a fundação da Agência de Espionagem e Robert de Niro oferece-nos um olhar perfeito sobre a forma de agir dos serviços de espionagem norte-americanos, através do olhar de Edward Wilson, repare-se na forma como ele conduz a história, dando particular atenção aos pequenos gestos e ao cinismo que se vive entre os membros da Agência, atente-se na forma de agir da personagem criada por William Hurt (Phillip Allen), aliás baseada em parte em Allen Dulles, chefe dos serviços de contra-espionagem, da mesma forma que Bill Crudup, o agente britânico Arch Cummings, se baseia na famosa toupeira Kim Philby. Recorde-se que os serviços de Sua Majestade foram os mais permissíveis à entrada de agentes duplos, aliciados pelo KGB.
No argumento construído por Eric Roth, o mundo da espionagem é um universo masculino, sendo a personagem de Angelina Jolie/Margaret um simples contraponto da solidão em que vive o marido Edward Wilson, a sua solidão é idêntica à do marido, embora na de Edward se corra um risco permanente de vida, repare-se nos encontros entre Ulisses e Edward (The Mother, o nome com que o agente do KGB baptizou Edward) em territórios neutrais para, na troca de impressões, fazerem o seu jogo de chantagem.
“The Good Sheperd” surge assim como uma película perfeita sobre o mundo dos espiões, tão perfeita como esse magnífico livro escrito por John Le Carré, “O Espião Perfeito”, infelizmente nunca adaptado ao grande écran, embora tenha sido adaptado para a televisão (passou em Portugal na RTP-2, bem escondido do grande público).
Nos dias de hoje, ao sabermos de certas actividades desta Agência de Espionagem interrogamo-nos sobre quem efectivamente controla as suas actividades, o Presidente Americano ou o o Congresso dos Estados Unidos? A resposta é-nos dada no final do filme, quando o superior de Edward Wilson o avisa que irão certamente ter visitas para supervisionar o trabalho deles, mas que nem tudo será revelado, porque ali quem mais ordena é o Director. E basta recordar as teses apresentadas por Oliver Stone no seu “JFK” para obtermos algumas respostas.
“O Bom Pastor” é o retrato mais-que-perfeito de uma organização que cresceu no mundo da espionagem, temida e odiada por muitos, oferecendo-nos a sua história através dessa personagem criada por Matt Damon de forma sóbria e contida. Este “The Good Sheperd” surge como o outro lado da moeda do “Jogo de Espiões” / “Spy Games” (de Tony Scott) e revela-nos um cineasta chamado Robert de Niro acima de qualquer suspeita.
Rui Luís Lima
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