Virginia Woolf
“As Ondas” / “The Waves”
Páginas: 240
Relógio D’Água
Sempre que estou junto do mar recordo-me deste maravilhoso livro de Virginia Woolf, porque ao escutar as sonoridades oriundas da orla marítima vejo as seis crianças deste livro a correrem no areal e a brincarem com os seus pensamentos e depois sinto que o narrador deste livro se revela como uma dessas crianças-nocturnas que habita o interior do ser humano, guardando as memórias de uma vida, para depois brincar com elas no interior dos sonhos.
Mas “As Ondas” também nos oferece uma certa musicalidade que só Virginia Woolf, no seu radicalismo de escrita, conseguiria fazer nascer. Uma outra escritora, Margueritte Yourcenar, referiu-se a esta obra-prima da Literatura em termos profundamente musicais, comparando-a à famosa Arte da Fuga de J. S. Bach.
Ao acompanharmos o percurso dos seis protagonistas do livro, três rapazes e três raparigas, terminamos por nos reencontrarmos no outro lado do espelho da vida, a rever o que tem sido a nossa passagem pela vida, sempre com as ondas no horizonte.
Estamos perante o mais belo romance desta genial escritora, que nunca foi à escola, porque era mulher, mas que deixou o seu nome, Virginia Woolf, gravado para sempre na História da Literatura.
Rui Luís Lima
Virginia Woolf
(1882 - 1941)
(...) Ao aproximarem-se da praia as ondas erguiam-se, tomavam forma e desfaziam-se arrastando pela areia um ténue véu de espuma branca. A ondulação detinha-se, partia de novo, suspirando como alguém que dorme e cujo sopro vai e vem sem que a sua consciência saiba. Pouco a pouco, a barra escura do horizonte clareou como as impurezas de um vinho antigo que se depositassem na garrafa, deixando transparecer o seu vidro. Lá ao fundo, também o céu se tornou translúcido, como se nele se houvesse desprendido um sedimento branco, ou o braço de uma mulher reclinada no horizonte erguesse ao alto uma lâmpada. Faixas de branco, amarelo e verde alongaram-se sob o céu como longas folhas de um leque. Depois a mulher ergueu a lâmpada ainda mais alto: o ar inflamado pareceu cindir-se em fibras vermelhas e amarelas, elevando-se da superfície verde num frémito ardente, como as chamas envoltas em fumo de uma fogueira. Pouco a pouco, todas as fibras numa única massa incandescente e o cinzento do céu transformou-se num milhão de átomos de um suave azul. A superfície do mar tornou-se transparente e as grandes linhas escuras quase desapareceram no ondular das águas e na sua cintilação. O braço que sustinha a lâmpada continuou a subir devagar até que uma grande labareda surgiu.
Um disco de fogo ardeu no rebordo do horizonte e o mar à sua volta tornou-se um esplendor de ouro. (...)
Virginia Woolf
in "As Ondas"
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