terça-feira, 16 de julho de 2024

Paul Auster - “4, 3, 2, 1”


Paul Auster
“4, 3, 2, 1”
Páginas: 870
Editora: Asa

Por vezes os escritores apaixonam-se pelas personagens que criam e terminam por regressar a elas das mais diversas maneiras. John Steinbeck, quando terminou a escrita de “Bairro da Lata” / “Cannery Row”, era um homem feliz, mas sentia que faltava ali uma personagem feminina para o seu herói, o Doc, e assim iria nascer anos depois o romance “Um Dia Diferente” / “Sweet Thursday”. Recorde-se que David S. Ward fez a adaptação cinematográfica das duas obras literárias e realizou o filme com Nick Nolte e Debra Winger nos protagonistas e contando com a voz de John Huston no narrador.

John Steinbeck

Já Jay McInerny, na sua obra-prima intitulada “Quando o Brilho Cai” / “Brightness Falls”, que infelizmente se encontra à muito esgotada no nosso país, revelando-se a sua reedição uma prova de carinho pela Literatura, que tão maltratada anda neste século XXI, recorde-se que a primeira edição portuguesa do livro (Asa) ostentava na capa as célebres Torres Gémeas, destruídas a 11 de Setembro num atentado de má memória. Mas regressando a “Brightness Falls”, de todos os seus romances o meu favorito, Jay McInerney decidiu dar continuação à vida dos seus heróis, Russell e Corrine, já por duas vezes, primeiro num conto e depois num novo romance.

Jay McInerney

E assim chegamos a Paul Auster e ao seu herói Archie Fergusson, cuja vida nos irá ser narrada pelo célebre escritor nova-iorquino, que aqui assina o seu mais longo romance, na edição original, em hard-cover, são mais de 1000 páginas, enquanto na edição nacional, para não afugentar os potenciais leitores, diminui-se o tamanho da letra e enfiou-se muito mais linhas numa página, esquecendo-se como seria importante para o leitor atento e fan de Paul Auster, como é o meu caso, o livro ter precisamente “mil cento e trinta e três páginas com espaçamento duplo” (pag.867). Por outro lado Paul Auster irá trabalhar a partícula “se” / “If”, que tantas vezes altera o nosso quotidiano e que tantas vezes ao olharmos para o passado nos interrogamos sobre o caminho que decidimos tomar ao chegar à célebre encruzilhada da vida ou por vezes é um simples gesto ou palavra, que altera o rumo dos acontecimentos, de forma soberba.

Alan Ayckbourn

Em 1982/83 o dramaturgo britânico Alan Ayckbourn escreveu uma série de oito peças para os mesmos personagens, intitulada genericamente “Intimate Exchanges”, partindo desse princípio em que um simples acontecimento, por vezes fortuito, alterava o comportamento e a vida dos personagens que tinha criado e assim todas as peças se iniciavam da mesma maneira, mas tinham sempre desenvolvimentos e desfechos bem diferentes para esses eleitos habitantes do Yorkshire, nascidos da sua escrita e o êxito foi tal que ultrapassou fronteiras e terminou por ser levado ao cinema pela mão do cineasta francês Alain Resnais, nascendo o conjunto memorável desses dois filmes intitulados “Smoking” / “No Smoking”, que em Portugal teve o título de "Fumar" / "Não Fumar" que contou na escrita do argumento cinematográfico com a célebre dupla Jean-Pierre Bacri/Agnès Jaoui de “O Gosto dos Outros” / “Le Gout des Autres”.

Paul Auster

Paul Auster, neste seu fabuloso “4, 3, 2, 1”, decidiu oferecer ao seu protagonista quatro destinos diferentes e uma bela surpresa no final deste inesquecível romance, por onde passa a história da América, desses anos sessenta e setenta, que cada vez mais estão a ser apagados da memória colectiva. Mas regressando ao romance de Paul Auster, apresento a minha sugestão de leitura de “4, 3, 2, 1”, porque tal como sucede com o fabuloso “Quarteto de Alexandria” / “The Alexandria Quartet” (1962) de Lawrence Durrell, que nos oferece diversas possibilidades de leitura nos quatro volumes que constituem a obra, devendo no entanto iniciar-se sempre com “Justine”, já no livro de Paul Auster tudo se inicia em “1.0”, para descobrirmos como o judeu russo Reznikoff chegou no ano de 1900 à América e como um pequeno lapso terminou por transformar o seu apelido em Fergusson.

Depois o escritor oferece-nos a vida desta família desdobrada por quatro, fruto desse destino que irá marcar o percurso dos diversos protagonistas do romance e assim a minha sugestão de leitura dos capítulos é de os lerem não em sequência, mas acompanhando em separado cada uma das 4 vidas de Archie Fergusson:

Fergusson 1 – Capítulos 1.1; 2.1; 3.1; 4.1; 5.1; 6.1; 7.1.
Fergusson 2 – Capítulos 1.2; 2.2.
Fergusson 3 – Capítulos 1.3. 2.3; 3.3; 4.3; 5,3; 6.3.
Fergusson 4 – Capítulos 1.4: 2.4: 3.4: 4,4: 5.4; 6.4; 7.4.

Paul Auster
(1947 - 2024)

Ao longo deste fabuloso romance o leitor, se for fan de Paul Auster, irá descobrir diversos traços biográficos do escritor com a personagem de Archie Fergusson, seja no gosto pelo cinema, como nas referências literárias, passando por essa cidade de Paris onde Paul Auster viveu durante alguns anos e depois temos sempre o encontro de uma das personagens da célebre “A Trilogia de Nova York” / “The New York Trilogy”, que tornou famoso Paul Auster e que reunia três novelas suas, algo que irá suceder com os primeiros escritos do Fergusson escritor.

"4,3,2,1" é uma obra única no interior do universo ficcional de Paul Auster!

Rui Luís Lima

1 comentário:

  1. Classificação: 5 estrelas (*****)
    Paul Auster - (1947 - 2024) - um nome incontornável no interior da literatura norte-americana!

    ResponderEliminar