terça-feira, 24 de setembro de 2024

Kenji Mizoguchi - "O Conto dos Crisântemos Tardios" / “Zangiku Monogatari”


Kenji Mizoguchi
"O Conto dos Crisântemos Tardios" / “Zangiku Monogatari”
(Japão – 1939) – (144 min. - P/B)
Shotaro Hanayagi, Kakuko Mori, Kokichi Takada.

Esta obra de Kenji Mizoguchi, realizada em 1939, irá ser feita contra a orientação sugerida pelas entidades oficiais ou seja o chamado filme patriótico, já que a elite militar que então governava o Japão vê nesse género um excelente contributo ao esforço de guerra, nessa aventura militarista que ficou conhecida na História por guerra sino-japonesa, iniciada em 1937 e hoje em dia quase esquecida por todos, excepto os dois países envolvidos. Tal como muitos outros colegas de profissão, o cineasta japonês irá refugiar-se no filme histórico para não ser conotado com o regime.


Por outro lado. Kenji Mizoguchi irá oferecer-nos em “O Conto dos Crisântemos Tardios” / “Zangiku Monogatari” a sua visão da mulher na sociedade japonesa, ao contar-nos a história de amor de Otoku (Kakuko Mori), essa mulher que como tantas outras que irão surgir, mais tarde, nos seus filmes, irá sacrificar a sua vida pelo amor que nutre por Kikunosuke Onoue (Shotaro Hanayagi), um actor do Teatro kabuki, filho adoptivo de um dos maiores representantes do género, que vive à sombra do pai.


Otoku é a criada/ama que cuida do filho mais novo do grande actor e quando a sua paixão por Onoue é descoberta, acaba por ser despedida. Este decide então partir da casa paterna e, com o apoio do tio, começa uma nova carreira teatral longe do olhar paterno. Ao saber disso, Otoku segue-lhe o rasto e junta-se a ele, sempre no intuito de fortalecer a sua Arte Teatral. Mas, após a morte do tio que lhe oferecera guarida, Onoue e Otoku ficam por sua conta e risco, dormindo onde calha e sempre em companhias de Teatro de classe inferior, que se arrastam pelas cidades e aldeias sem eira nem beira, sendo a jovem Otoku a luz que lhe continua a iluminar a vida.


As condições em que vivem tornam-se cada vez mais difíceis e Otoku decide sacrificar o seu amor, deixando-o em troca do seu regresso a casa e a uma carreira de sucesso que só será possível graças à influência paterna. Perdoado pelo pai, Onoue transforma-se num actor de nomeada no interior do Teatro kabuki e, desconhecendo o paradeiro de Otoku, segue o seu caminho de sucesso, até chegar o dia em que descobre as razões que levaram Otoku a deixá-lo.


Kenji Mizoguchi opta neste filme pelo plano sequência, construindo a montagem no próprio plano, tal como fazia John Ford nos seus filmes, ao mesmo tempo que recusa a especificidade do grande plano, fugindo desta forma à tesoura dos censores, mas nada melhor do que lhe dar a palavra: «Comecei a utilizar a técnica do plano sequência em 1936, consistindo ela em nunca alterar o enquadramento durante toda a sequência enquanto a câmara permanece a uma certa distância. Adoptando este método não tive a mínima intenção de representar o estado estático de uma qualquer psicologia. Pelo contrário cheguei a ele espontaneamente, prosseguindo a procura de uma expressão mais precisa e mais específica dos momentos de grande intensidade psicológica. Fui levado a seguir uma técnica deste tipo pelo simples desejo de evitar o método clássico da descrição psicológica pelo abuso dos grandes planos.” E em “O Conto dos Crisântemos Tardios” / “Zangiku Monogatari”, o grande plano na verdade está ausente, ao mesmo tempo que os actores surgem e desaparecem do enquadramento durante o plano sequência, como vemos na conversa de Onoue com o pai, momentos antes de abandonar a casa paterna».


Curiosamente o cineasta escolheu dois actores célebres do Teatro kabuki para protagonistas, já que eles se movimentavam muito melhor perante a câmara do que os habituais actores de cinema, por outro lado a Arte deste Teatro é-nos oferecida em todo o esplendor ao longo do filme através de longas sequências. Na época, “O Conto dos Crisântemos Tardios” / “Zangiku Monogatari” teve uma recepção estrondosa do público japonês, revelando-se o maior êxito do cineasta.


Mais uma vez Kenji Mizoguchi nos oferece de forma magnífica o lugar da mulher japonesa na sociedade, recorde-se que a acção decorre em 1885, tal como irá fazer ao longo de toda a sua carreira, nos seus filmes onde a mulher teve sempre um papel de destaque, e nunca é demais recordar essa obra-prima que dilacera o espectador intitulada “A Vida de O’Haru” / “Saikaku Ichidai Onna”, onde descobrimos a mais trágica personagem feminina do cinema japonês de todos os tempos.


Kenji Mizoguchi, que nunca se casou, mas que sempre viveu no mundo das mulheres, na sua derradeira obra ofereceu-nos mais uma vez esse universo feminino que tão bem conheceu e amou, através dessa obra-prima inesquecível intitulada “A Rua da Vergonha” / “Akasen Chitai”, cuja história se desenrola no mundo contemporâneo e onde descobrimos diversos retratos das mulheres que acompanharam o cineasta ao longo da sua vida.

Kenji Mizoguchi
(1898 - 1956)

Oito décadas depois da sua feitura “O Conto dos Crisântemos Tardios” / “Zangiku Monogatari” , continua a oferecer-nos a magia de um dos maiores cineastas de sempre.

Rui Luís Lima

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