O melhor lugar para se ver um filme, como todos sabemos, é a sala de cinema e desde muito cedo aprendi isso, apesar de devorar filmes no televisor a preto e branco, desde que me conheço. E de todas as salas de cinema que frequentei, aquela que me deixou mais saudades, porque hoje já se encontra encerrada, como muitas outras por este país fora, é o cinema Quarteto. O primeiro Multiplex de Lisboa, que nasceu a 21 de Novembro de 1975 pela mão do Pedro Bandeira Freire, que ofereceu um novo mundo a todos os cinéfilos da capital.
"Há Lodo no Cais" - Elia Kazan
Na época não fazia a mínima ideia onde se situada a Rua Flores de Lima, perto da Avenida dos Estados Unidos da América, mas rapidamente cheguei lá no primeiro fim-de-semana, logo após a abertura e como sempre fui adepto das primeiras sessões, ali estava eu perfeitamente indeciso perante a maravilhosa oferta que os meus olhos contemplavam, terminando por optar em ir ver primeiro o “Há Lodo no Cais” / “On the Waterfront” de Elia Kazan para, após o final da película, me refugiar na outra sala ao lado para ver o “Sacco e Vanzetti” de Guiliano Montaldo, que possuía na banda sonora a célebre balada da Joan Baez, uma das minhas cantoras folk preferidas.
"Sacco e Vanzetti" - Giuliano Montaldo
Recordo-me do célebre bilhete e do programa que nos oferecia as críticas sobre os quatro filmes em exibição. E a partir de então o cinema Quarteto passou a ser a minha casa cinematográfica.
"Intimidade" - Woody Allen
Por ali, como muitos da minha geração, descobri as novas vagas, graças a esse distribuidor chamado António Cunha Telles e ao seu Animatógrafo, como também à Doperfilme dirigida pelo escritor Almeida Faria (o Estúdio 444 era outra das minhas salas preferidas, a par do Cinema Universal).
"A História de Adele H." - François Truffaut
O Novo Cinema Alemão era uma das cinematografias que fazia as minhas delícias: Fassbinder, Herzog, Wenders, Schlondorff, Straub e tantos outros tinham-me sempre como espectador. Mas as retrospectivas de Milos Forman e Rossellini encheram-me as medidas, assim como o cinema independente americano: Amos Poe, Jim Jarmusch, Susan Seidelman, entre outros.
"Celeste" - Percy Adlon
Mas, como sempre, há aqueles filmes cuja primeira visão nos marcam para sempre e recordo-me do ar silencioso do público a sair da sessão de “Intimidade” / “Interiors” do Woody Allen ou o que senti quando saí da sala após ter visto “A História de Adéle H” do François Truffaut, profundamente fascinado com a beleza da Isabelle Adjani (o Truffaut apaixonou-se por ela ao vê-la na televisão e fez-lhe a corte durante a rodagem do filme, sem sucesso). Mas quando vi a Eva Mattes em “Celeste” de Percy Adlon, sobre a vida de Proust, nunca mais me esqueci dela, apesar de já a conhecer dos filmes do Werner Herzog.
"Janela Indiscreta" - Alfred Hitchcock
Na verdade naquela sala era fácil uma pessoa apaixonar-se pelas actrizes. Depois foram aqueles cinco Hitchcocks que estavam fora de circulação e que passaram por lá, originando enchentes atrás de enchentes. E quando o Pedro Bandeira Freire criou as famosas sessões duplas das 23h30 à sexta-feira, eu, que nem era noctívago, lá me encontrava com regularidade, mais aquele grupo de amigos do cinema e foram inúmeras as vezes que regressámos a pé a casa, a conversar sobre os filmes, porque entretanto os transportes públicos tinham “recolhido à cama”. Nessa época Lisboa não era uma cidade perigosa de madrugada.
"Andrei Rublev" - Andrei Tarkovski
Quando olho na estante os fascículos editados pelo cinema Quarteto dessas sessões, intituladas a Memória do Cinema, de imediato sou assaltado por inúmeras recordações desse tempo que já não regressa porque esse Templo do Cinema, ao fim de mais de vinte e cinco anos de actividade, fechou as portas.
"Ao Correr do Tempo" - Wim Wenders
Quando revejo filmes, seja no dvd ou na televisão, recordo-me geralmente da sala em que os vi pela primeira vez e os filmes do Quarteto representam uma bela fatia das minhas recordações cinéfilas. Como essa tarde chuvosa em que vi de uma assentada o “Andrei Rublev” de Andrei Tarkovski e de seguida entrei na sala ao lado para descobrir o “Ao Correr do Tempo” / “Im Lauf der Zeit”de Wim Wenders. Ou essa sessão esgotada, como muitas outras, em que todos vimos pela primeira vez “O Contrato” / “The Draughtsman’s Contract” de Peter Greenaway e muitos se interrogavam sobre a música que se escutava da autoria de Michael Nyman, baseada em Henry Purcell, compositores que iria descobrir e amar: um minimalista e o outro barroco.
"O Contrato" - Peter Greenaway
A minha memória do cinema não é feita só de filmes, mas também das salas onde os vi pela primeira vez, a maioria delas infelizmente já extintas. O cinema Quarteto era um magnífico Templo dedicado à Sétima Arte.
Rui Luís Lima
Poderei dizer que esta foi a sala de cinema onde mais vezes entrei para ver filmes ou melhor via sempre os quatro filmes que por lá estavam em exibição, tal era a minha confiança no gosto cinéfilo de Pedro Bandeira-Freire (1939 - 2008), que ofereceu a diversas gerações de espectadores o gosto pelo cinema. Confesso que guardo as melhores recordações desse tempo.
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