segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Sydney Pollack - (1934 - 2008) - O Último Cineasta Clássico!


Sydney Pollack - O Último Cineasta Clássico!

Sydney Pollack faleceu a 26 de Maio de 2008, na sua residência, devido a doença que lhe foi diagnosticada no ano anterior. A sua obra como cineasta irá permanecer eterna entre nós, assim como as suas aparições como actor, sendo sempre de destacar a sua participação em “Eyes Wide Shut” / “De Olhos Bem Fechados” de Stanley Kubrick e Husbands and Wifes” / “Maridos e Mulheres” de Woody Allen. A última vez que o encontrámos como actor no grande écran, como devem estar recordados, foi em “Padrinho… Mas Pouco” / “Made of Honor, no ano de 2008.

Sydney Pollack foi, sem dúvida alguma, o último cineasta clássico. A sua derradeira obra de ficção estreada entre nós foi “A Intérprete”, terminando a sua carreira com esse poderoso retrato do arquitecto Frank Gehry, intitulado “Esboços de Frank Gehry” já editado em dvd no nosso país. Aqui deixamos uma viagem pela sua obra cinematográfica.

"Chamada Para a Vida" / /
”The Slender Thread”

1. - Sydney Pollack, um dos herdeiros do Cinema Clássico, é um dos grandes nomes da Sétima Arte, distribuindo a sua obra pelos mais diferentes géneros. Como muitos outros colegas de profissão, também ele sentiu desde muito novo o apelo do cinema tendo, no entanto, passado primeiro pelo teatro e a televisão.

Antes de iniciar a sua carreira, estudou na Neighouhood Playhouse de Nova Iorque, sendo aluno de Sandfor Meisner, estreando-se depois no palco ao lado de Zero Mostel (um dos grandes actores do clã Mel Brooks), na peça “A Tone for Danny Fisher” para, mais tarde, trocar a representação pela encenação. A TV viria logo de seguida, quando os seus trabalhos como encenador começaram a chamar a atenção dos “médias”. Recrutado para o pequeno écran, voa rapidamente para o grande écran, sendo o seu primeiro trabalho a dobragem para inglês de “O Leopardo” / “Il gattopardo” de Luchino Visconti

"A Flor à Beira do Pântano" / 
”This Property is Condemned”

No ano de 1965 surge finalmente a sua primeira longa-metragem “Chamada Para a Vida”/”The Slender Thread” com Sydney Poitier (um actor então muito em voga) e Anne Bancroft (a célebre esposa de Mel Brooks), poderemos dizer que a época não era a melhor, o cinema americano estava em crise, mas Sydney Pollack seguiu em frente e 12 meses depois novo filme nascia, intitulado “A Flor à Beira do Pântano” / ”This Property is Condemned”, demonstrando já as suas capacidades como director de actores.

Ainda durante a década de sessenta realizaria “Os Caçadores de Escalpes” / ”The Scalphunters” e “O Castelo de Maldorais” / ”Castle Keep”, desenvolvendo um trabalho onde o romantismo e o social se interligavam.

"Os Caçadores de Escalpes" / 
”The Scalphunters”

Sydney Pollack iria transformar o livro de Horace McCoy “Os Cavalos Também se Abatem” / ”They Shoot Horses, Don’t They?”, num dos filmes mais surpreendentes da década, sabendo perfeitamente utilizar os meios de que dispunha para oferecer uma película de um rigor e força dramática maravilhosa. Aliás, Jane Fonda será sempre recordada pela sua interpretação nesta película.

“As Brancas Montanhas da Morte” / ”Jeremiah Johnson”, a sua obra seguinte, contando com Robert Redford no principal papel, é já portadora dos longos espaços e da solidão libertadora do Homem, num “western” de certa forma diferente de tudo o que tinha sido feito no cinema americano, encontrando-se aqui bastantes pontos de contacto com o futuro laureado “África Minha”.

"O Castelo de Maldorais" / 
”Castle Keep”

O sucesso e o reconhecimento eram generalizados e Pollack realiza depois “O Nosso Amor de Ontem” / ”The Way We Were”, de novo com Robert Redford (foram colegas na escola de actores) e uma Barbara Streisand na sua melhor interpretação de sempre.

Seguiu-se “Yakuza”, onde os códigos de honra e de sangue marcavam presença, partindo de seguida para a realização de um dos melhores policiais de sempre com a feitura de “Os Três Dias do Condor” / ”Three Days of the Condor”, oferecendo-nos uma narrativa de uma lucidez a toda a prova, transformando a película numa das obras mais comentadas do ano de 1975, ao mesmo tempo que se transformava numa das pedras basilares da sua filmografia. Muitos anos depois “Os Três Dias do Condor”, cujo protagonista é essa poderosa e temível “Instituição Americana” conhecida de todos como C.I.A., continua a não deixar ninguém indiferente.

"Os Cavalos Também se Abatem" / 
”They Shoot Horses, Don’t They?”

Com um prestígio mais que reconhecido no meio cinematográfico e dispondo de todos os meios necessários à feitura dos seus projectos cinematográficos, Sydney Pollack realiza “Um Momento, Uma Vida” / ”Bobby Deerfield” (1977), “O Cow-Boy Eléctrico” / ”The Electric Horseman” (1979) e “A Calúnia” / ”Absence of Malice” (1981), este último contando com um Paul Newman na sua melhor forma, perante uma Sally Field que começava a brilhar no cinema socialmente comprometido.

"As Brancas Montanhas da Morte" / 
”Jeremiah Johnson”

2. - Quando se começa uma carreira no palco, mais tarde ou mais cedo as saudades dele renascem e assim sucedeu com Sydney Pollack, passando para a frente da câmara em “Tootsie”, ao lado de Dustin Hoffman e Jessica Lange.

“Tootsie” oferece-nos uma crítica feroz e mordaz às famosas “soap” (as célebres telenovelas norte-americanas que se arrastam anos e anos e que assim ficaram denominadas, devido aos produtos vendidos pelos seus patrocinadores, quando foram lançadas na Televisão) e ao papel do actor como individuo dentro e fora do palco.

"O Nosso Amor de Ontem" / 
”The Way We Were”

Dustin Hoffman é obrigado a “travestir-se” para fugir ao desemprego e apaixona-se por uma colega de profissão (Jessica Lange), que vê nele/nela a sua melhor amiga. Encontramo-nos assim de volta ao tema da máscara: quem se esconde por detrás dela? Embora a máscara, neste caso concreto, se refira ao corpo na sua potencialidade.

Com “Tootsie”, Sydney Pollack voltou às primeiras páginas da Imprensa, para depois um silêncio profundo invadir o seu nome. Era a fase da longa e complexa produção de “África Minha”/”Out of Africa”, onde todos iríamos descobrir as memórias de Karen Blixen, escritora dinamarquesa que surpreendeu tudo e todos na sua época.

"Yakuza"

Três anos durou a feitura deste filme admirável, cujos custos rondaram os trinta milhões de dollars, assumindo Sydney Pollack a produção do mesmo, para desta forma controlar todo o processo e impedir a interferência de terceiros na película que tão arduamente preparara. Os actores foram o inevitável Robert Redford, actor favorito de Sydney Pollack, quase um “alter-ego” do cineasta e Meryl Streep.

Mas se grande parte do êxito desta película, que obteve cinco Oscares, incluindo o de melhor filme e melhor realização, se deve ao trabalho dos actores (esquecidos pela Academia), ele só foi possível devido ao clima romântico e emocional que Sydney Pollack vai criando em cada fotograma, obrigando-nos a viver as imagens e as vidas dos seus protagonistas, esse par apaixonante constituído por Karen e Dennys.

"Os Três Dias do Condor" / 
”Three Days of the Condor”

“África Minha”/ “Out of Africa” marcou decididamente o apogeu de uma carreira, iniciada vinte anos antes. O cineasta, com esta obra, oferece-nos um dos mais belos romances cinematográficos do século xx.

Depois da chuva de Oscares e com uma visibilidade a nível planetário, tudo indicava que Sydney Pollack iria descansar, mas ele decidiu fazer mais uma vez uma daquelas obras que nos deixam perfeitamente fascinados na sala escura do cinema olhando maravilhados o écran mágico. Falo evidentemente desse seu filme, infelizmente ainda pouco amado pelo público, intitulado “Havana”.

"Um Momento, Uma Vida" / 
”Bobby Deerfield”

No elenco temos mais uma vez Robert Redford, o jogador de poker, que nos faz recordar esse Icon chamado Humphrey Bogart ou direi melhor o dono desse clube em Casablanca, e a sueca Lena Olin, (que anteriormente trabalhara com Ingmar Bergman), na figura da esposa do resistente que luta contra o regime de Batista, podendo também ela chamar-se Ilsa e ser esposa de um “tal” Viktor Laszlo fugido dos nazis e que se refugia em Casablanca para adquirir o tal visto que lhe possibilita chegar a Lisboa, para então partir para os EUA. E, para além deste par, nunca nos poderemos esquecer desse grande actor chamado Raul Julia na figura do revolucionário cubano.

Sydney Pollack com “Havana” refez a história de “Casablanca”, com a mesma intensidade desse mítico filme da Sétima Arte. Infelizmente os espectadores não fizeram dele o êxito que bem merecia, mas se nos recordarmos da história no “Box Office” de “Casablanca”, o sorriso no nosso rosto é a sinceridade da memória.

"O Cowboy Eléctrico" / 
”The Electric Horseman”

Como alguns se devem recordar, “Casablanca” teve imensos problemas ao longo da sua produção, primeiro no que diz respeito ao elenco, Ingrid Bergman foi uma segunda escolha e Humphrey Bogart a terceira escolha. O argumento era alterado diariamente e ninguém sabia, incluindo os actores, como iria terminar o filme.

Na época da sua estreia foi apenas “mais um” dos muitos filmes produzidos pelos Estúdios de Hollywood para apoiar o esforço de guerra e rapidamente caiu no esquecimento, como muitas outras películas desse período. E seria no início de sessenta, quando a cinéfilia começou a nascer e a dar os seus frutos, que um grupo de estudantes britânicos “descobriram” neste filme a essência do melodrama, fazendo dele o “cult-movie” por excelência e o filme da vida de muitos milhões de espectadores.

"A Calúnia" / 
”Absence of Malice”

“Havana” é na verdade um novo “Casablanca” moderno, só que desta vez a história é passada na ilha de Cuba e nele estão contidas todas as variantes da obra de Michael Curtiz. Por outro lado tanto Robert Redford como Lena Olin estão perfeitos e sedutores nas figuras outrora protagonizadas por Humphrey Bogart e Ingrid Bergman e claro não nos podemos esquecer de Raul Julia, perfeito no homem dedicado a uma causa.

Já o final que nos oferece “Havana” é tão belo como o protagonizado por Claude Rains e Humphrey Bogart, a diferença é que desta vez temos o herói na praia olhando o horizonte e essa ilha perdida ao longe, onde ficou o grande amor da sua vida, e aqui descobrimos em todo o seu esplendor a essência do melodrama.

"Tootsie - Quando Ele Era Ela" / 
"Tootsie"

3. - Durante muito tempo se falou de “Havana” como um falso “remake” de “Casablanca” até que Sydney Pollack decidiu fazer um verdadeiro “remake”, de um outro filme protagonizado por Humphrey Bogart e Andrey Hepburn, só que antes realizou um dos mais espectaculares “policiais” da história do cinema. Referimo-nos a essa obra intitulada “A Firma”/”The Firme”, com um surpreendente Tom Cruise no protagonista, muitos furos acima da personagem criada em “Missão Impossível” e com um Gene Hackman ao seu melhor nível. Esta firma de advogados, de que nos fala a película, era muito mais do que isso, mas o nosso herói só o irá descobrir quando a sua vida começa a correr perigo.

"África Minha" / 
"Out of Africa"

Curiosamente, muitos anos depois, Sydney Pollack e Tom Cruise voltam a encontrar-se no mesmo lado da câmara ou seja são intérpretes dessa obra-prima de Stanley Kubrick, intitulada “Eyes Wide Shut” / “De Olhos Bem Fechados”. Sydney Pollack é o enigmático multi-milionário Victor Ziegler que irá “manipular” e explicar com “carinho” a Bill Harford (Tom Cruise) as regras do jogo (que tão bem retratou Jean Renoir noutra obra-prima do cinema), em que a verdade nunca vem ao de cima ou seja como diria outro grande nome do cinema Mr. John Ford, a propósito de “O Homem que Matou Liberty Vallance”, se a verdade é a lenda então que se publique a lenda.

Aqueles que ainda não conheciam o Sydney Pollack actor e recordamos que ele começou como actor, ou só o conheciam de pequenos “cameos”, ficaram certamente surpreendidos com o seu trabalho nessa comédia maravilhosa, mas em muitos casos bem real, criada por Woody Allen intitulada “Maridos e Mulheres” / ”Husbands and Wives”, onde descobrimos o quotidiano de dois casais na sua forma mais simples, sendo o duelo travado ao longo do filme entre Jack (Sydney Pollack) e Sally (Judy Davis), um dos trabalhos mais empolgantes que o cinema nos ofereceu, nesse género tão difícil que é a comédia.

"Havana"

Em 1995, como referimos anteriormente, Sydney Pollack concretiza o sonho de realizar um verdadeiro “remake”, optando por esse conto de fadas chamado “Sabrina” e que no mundo deu origem aos famosos sapatos usados pela protagonista do filme: Audrey Hepburn.

No papel que pertencera a Humphrey Bogart vamos encontrar Harrison Ford e na personagem interpretada por Audrey Hepburn aparece a bela Julia Ormond. Assim vamos descobrir o mundo maravilhoso que Sabrina vê escondida, pendurada nas árvores, a desfilar perante o nosso olhar de uma forma perfeita. Greg Kinnear na figura do galã e mulherengo Linus Larrabee veste a pele outrora usada por William Holden, de forma perfeita.

"A Firma" / 
"The Firm"

Iremos ao longo do filme assistir ao romance entre Sabrina (Julia Ormond) e Linus (Greg Kinear), que leva a família do segundo a pedir a intervenção do irmão mais velho, o frio e insensível homem de negócios David Larrabee (Harrison Ford), que irá deixar cair a sua “máscara de ferro” perante o amor, a ingenuidade e a sensibilidade da bela Sabrina. Nesta maravilhosa comédia Sydney Pollack consegue na verdade ser um herdeiro da Arte desse Grande Mestre chamado Billy Wilder.

4. - Ao longo dos anos Sydney Pollack exerceu sempre com perfeição esse seu outro trabalho, que muitas vezes passa despercebido do grande público, que é a função de produtor executivo, ao mesmo tempo que ía alicerçando os pilares para a construção de um novo melodrama bem situado no universo contemporâneo e cujos actores escolhidos foram Harrison Ford e Kristin Scott Thomas.

"Sabrina"

Desta feita a história é bem diferente, já que aqui se trata de duas pessoas que são traídas pelos respectivos cônjuges, que irão encontrar a morte num acidente de aviação, deixando a nu as suas vidas duplas.

Enquanto Dutch Van Den Droeck (Harrison Ford) tudo faz para descobrir as razões que levaram a mulher a trai-lo, sentindo uma impotência crescente a invadi-lo devido ao facto de ser sargento da polícia, ele que tinha como profissão vigiar os passos dos outros, nunca conseguira perceber como a esposa o enganava.

"Encontro Acidental" / 
“Random Hearts”

Já a política Kay Charles (Kristin Scott Thomas), em plena campanha eleitoral, tudo faz para que o sucedido não interfira com as suas ambições políticas. Mas o sargento Dutch transforma-se quase num louco, em busca da traição da esposa e do amante da mulher e tudo quer saber, desde as razões para a traição, até conhecer os locais onde se encontravam os dois amantes. Ao contrário dele, Kay fica indiferente a tudo até que se vê arrastada por Dutch para um passado que pretende eliminar da memória. Terminando por descobrir em Dutch o conforto que nunca tinha encontrado no marido. Mas a obsessão do polícia em saber sempre mais acerca da traição da esposa acaba por destruir o romance que nascia entre eles.

“Encontro Acidental” / “Random Hearts” surge assim como o outro lado do melodrama, com premissas bem diferentes do habitual, mas conduzindo toda a sua estrutura para essa rede de paixões cruzadas, que sempre tem caracterizado o Cinema Clássico e não será por acaso que Sydney Pollack é considerado por muitos, um dos grandes Herdeiros do Cinema Clássico Norte-Americano.

"A Intérprete" / 
”The Interpreter”

Neste ano de 2005 Sydney Pollack terminou dois filmes perfeitamente distintos, um é uma obra de ficção e o outro um documentário intitulado “Sketches of Frank Gehry” no qual se fala da vida e obra do, possivelmente, mais famoso Arquitecto Norte-Americano depois do mais que célebre Frank Lloyd Wright. Que o digam Nicolas Ray ou King Vidor. Aquela célebre casa da cascata é uma verdadeira pérola da Arquitectura. Mas voltemos ao documentário de Sydney Pollack, nele podemos encontrar também diversos depoimentos acerca da obra do Arquitecto, na voz de Dennis Hooper ou Julian Schnabel entre outros.

A última obra de ficção de Sydney Pollack chama-se “A Intérprete” / ”The Interpreter” e pela segunda vez Nicole Kidman vai-se encontrar com o cineasta. O escolhido para interpretar o papel do agente foi o laureado Sean Penn, que anteriormente fora inesquecível na película “Mistic River” de Clint Eastwood. Desta feita estamos perante um atentado político em que uma intérprete das Nações Unidas escuta sem querer uma conversa que nunca deveria ter ouvido para seu bem. A partir de então nasce o “thriller” perfeito, sendo Sean Penn o agente dos serviços secretos encarregado de descobrir o que se passou na realidade e impedir o atentado.

Sydney Pollack
(1934 - 2008)

Sydney Pollack, um dos Herdeiros do Cinema Clássico ou se preferirem o Último Cineasta Clássico é possuidor de uma obra cinematográfica que se filia perfeitamente na designação de “Cinema de Autor” e se alguém tiver dúvidas, faça a viagem que aqui lhe recomendamos pela filmografia do cineasta, que permanece bem actual neste novo milénio que cada vez mais teima em esquecer o passado e não se esqueça também de descobrir o actor que sempre viveu no interior de Sydney Pollack.

Rui Luís Lima

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