quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Umberto Eco - "Diário Mínimo" / “Pastiches et postiches”


Umberto Eco
“Pastiches et postiches”
Páginas: 224
Le livre de poche
2005

Umberto Eco
"Diário Mínimo"
Páginas: 180
Difel

Ao longo da sua vida, Umberto Eco teve sempre uma enorme intervenção na imprensa, escrevendo inúmeros artigos ou crónicas, se preferirem, muitas vezes com uma mordacidade a que não resistimos sorrir e foi isso mesmo que me sucedeu quando comecei a ler este “Pastiches et postiches”, no comboio da linha de Sintra, rumo a Lisboa e quando levantei os olhos do livro a senhora sentada à minha frente olhou-me com ar bastante reprovador, censurando-me assim de forma silenciosa e veemente por estar a sorrir, àquela hora da manhã. Mas se vocês lerem as respostas dadas por um editor a lamentar recusar a edição de diversos livros que lhe foram enviados, irão certamente ler este belo livro, que em Itália teve o título de “Diario Minimo” e em Portugal também.

Umberto Eco
(1932 - 2016)

O editor leu diversas obras que lhe foram enviadas, solicitando publicação e carinhosamente deu as suas razões para a recusa, para abrir o vosso apetite literário poderei adiantar que a primeira se trata de “A Biblia” (autor(es) anónimos, um problema com os direitos de autor; depois temos Homero e a sua “Odisseia”, hum… o tal filme que não me queriam deixar ver em pequenino, no Chiado Terrasse; já “A Divina Comédia”, de um cavalheiro chamado Dante, tem demasiado Inferno e já há um livro de sucesso com esse título; por sua vez “A Religiosa” de um tal de Diderot convém recusar para impedir Jacques Rivette de “massacrar” a pobre Anna Karina; depois temos um tal “Don Quixote” (não confundir com o “Don Corleone” do Mario Puzo), escrito por Miguel de Cervantes, deve ser recusado para não comprometer a linha editorial, que tanto sucesso tem obtido junto do público leitor; por outro lado “Em Busca do Tempo Perdido” assinado pelo Parisiense Marcel Proust, denota uma enorme necessidade de rever toda a pontuação e de o próprio romance transmitir perigosamente a asma ao leitor; por sua vez “A Crítica da Razão Prática” de Emmanuelle Kant (o homem que muitas vezes é confundido com um relógio pelos vizinhos), o editor, por falta de tempo, pediu ao crítico Vittorio Saltini que desse uma “vista de olhos” e a resposta foi peremptória, aquilo não valia “grande coisa” e além disso o editor alemão insiste em que se publique o livro anterior e o que se encontra em elaboração na “Torre” do Filósofo, para além do problema dos títulos serem tão idênticos que irão confundir o leitor; já o romance policial “O Processo”, que um tal Max enviou a pedido do autor (segundo consegui apurar, chama-se Franz K.) possui umas tiradas à Alfred Hitchcock, por sinal bem agradáveis, mas os personagens deviam ter nomes bem precisos, fáceis para o leitor fixar e o mistério é tão confuso que até o próprio MacGuffin se sentiu perplexo com tanto abstraccionismo literário, pior do que o mal-amado Nouveau Roman; por último, “Finnegans Wake”, enviado por uma jovem americana a viver em Paris, na Rive Gauche, chamada Sylvia Beach, que deve ter trocado certamente os pacotes na expedição do correio em “Les Halles”, porque o volume em questão só tem o título em inglês, o “dialecto” usado no livro é desconhecido do departamento de inglês da editora e com J. R. Tolkien de férias na Terra do Nunca, não poderemos contar com a sua preciosa ajuda na decifração do enigma linguístico.


Na verdade entusiasmei-me ao escrever esta crónica e ao humor de Umberto Eco, acrescentei algumas palavras minhas, aqui e acolá, mas o melhor é lerem este delicioso livro de Umberto Eco, cujo segundo volume começa com a aventura de transportar um salmão em viagem, mas isso é outra história que terá de ficar para mais tarde, porque o comboio vai partir, repleto de uma babilónia de turistas!


Rui Luís Lima

2 comentários:

  1. Umberto Eco - (1932 - 2016) - neste livro oferece-nos um olhar bem crítico sobre os terrenos por onde navega a cultura referindo de forma bem humorada a revisão que esta tem sofrido pelos media através dos novos agentes culturais, alicerçados nas novas ideologias dominantes, ignoradando o passado nas mais variadas vertentes. Recorde-se que este livro virá a ter um segundo volume na mesma linha do primeiro onde o humor do célebre escritor respira por todas as linhas cativando o leitor da primeira à última página.

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