“A Fonte da Virgem” / “Junkfrukallan”
(Suécia - 1959) – (88 min. – P/B)
Max Von Sydow, Gunnel Lindblom, Brigitta Pettersson, Brigitta Vahlberg.
“A Fonte da Virgem” / “Junkfrukallan” é, certamente, um dos filmes mais desconhecidos de Ingmar Bergman e obteve o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, premiando o trabalho do cineasta numa época em que o seu conhecimento além fronteiras (Suécia) começava a ser um dado adquirido, já que obras como “Mónica e o Desejo” / “Sommaren med Monika” (1952), “O Sétimo Selo” / “Det Sjunde Inseglet” (1956) e “Morangos Silvestres” / “Smultronstallet” (1957) são anteriores.
Não é a primeira vez que Ingmar Bergman opta por uma história medieval, mais concretamente uma lenda medieval, sobre a violação e assassinato de uma jovem cuja missão divina era entregar umas velas na igreja, numa época em que o Cristianismo ainda se debatia com os mitos pagãos, no caso específico o Deus Odin. Mas o seu cruzamento e bondade perante os três pastores de cabras encontrados no trajecto irão ser fatais à sua inocência.
Mais uma vez Ingmar Bergman se interroga e confronta com Deus e o seu Universo criado, em que muitas vezes a maldade aniquila o amor pelo próximo. A expiação do pecado acabará por ser feita por todos, das mais diversas formas. Enquanto os pastores terminam por ser assassinados às mãos de Tore (Max Von Sydow, esplendoroso), após terem tentado vender o vestido ensanguentado da jovem Karin (Birgitta Pettersson), referindo que pertencia a uma irmã perdida devido à fome que atingia os campos. Já Ingeri (Gunnel Lindblom), um poço de sensualidade apesar da gravidez indesejada transportada no seu corpo, assume a responsabilidade da tragédia, porque impotente tudo presenciou e desejou, em virtude de a sua vida estar mais morta que viva.
A Fonte da Virgem” oferece-nos também a primeira colaboração entre o cineasta e Sven Nykvist, o genial director de fotografia que iria acompanhá-lo ao longo dos anos.
Quanto a esse poço de sensualidade chamado Gunnel Lindblom, recordamos ser ela a Anna de “O Silêncio” / “Tystnaden” possivelmente o filme de Ingmar Bergman mais vezes visto em sessões de cinema (reposições e ciclos de cinema) em Portugal e todos aqueles que se recordam do filme entendem perfeitamente como a palavra sensual se aplica a esta actriz de uma expressividade única, aliás o erotismo invade cada fotograma possuidor da sua presença.
Esta lenda, que Ingmar Bergman conhecia desde os seus tempos de estudante, era uma das adaptações mais desejadas pelo cineasta; pensada inicialmente para o teatro, ela acabaria por surgir no cinema através da escrita de Ulla Isaksson, perfeitamente despida de artifícios, oferecendo-nos com uma profunda religiosidade o pecado e a redenção, através de momentos únicos na cinematografia de Ingmar Bergman, o seu posicionamento interrogativo perante Deus e a Condição Humana dos seus Filhos.
Só para terminar, referimos dois momentos inesquecíveis da película: a luta de Tore (Max Von Sydow) com a árvore (*) e a “lavagem de pecados” infligido por este ao seu próprio corpo, antes de concretizar a vingança da morte da filha; a sequência final com a “peregrinação” em busca do local onde Karin morreu para cumprir a promessa de, naquele inóspito terreno, fazer nascer uma igreja, até que no momento em que levantam o corpo morto, nasce do interior da terra, como se fosse uma fonte, a água purificadora de todos os pecados.
“A Fonte da Virgem” é, sem dúvida, um dos mais belos momentos da filmografia Bergmaniana e um dos mais profundos diálogos com Deus.
(*) – Muitos anos depois, iríamos descobrir uma outra sequência mágica em que o intérprete seria uma árvore: referimo-nos ao plano inicial de “O Sacrifício” / “Offret”, derradeiro filme de Andrei Tarkovski, também ele usando um actor de Ingmar Bergman, no caso concreto, Erland Josephson.
Rui Luís Lima
Ingmar Bergman - (1918 - 2007)
ResponderEliminarClassificação: 5 estrelas (*****)
Estreia em Portugal: 11 cd Outubro de 1961.