Alfred Hitchcock
“O Caso Paradine” / “The Paradine Case”
(EUA – 1947) – (125 min. - P/B)
Gregory Peck, Alida Valli, Louis Jordan, Ann Todd, Charles Laughton.
Como a maioria sabe, deve-se a David O’Selznick a ida de Alfred Hitchcock para a América, estreando-se com o célebre “Rebecca” e nem sempre foi fácil a colaboração entre estes dois homens, mas ofereceram-nos filmes inesquecíveis. “O Caso Paradine” / “The Paradine Case” encerra a associação entre o poderoso produtor e o Mestre do Suspense. Estamos no ano de 1947 e mais uma vez é Selznick que impõe os actores, aliás veja-se a forma como o nome de Alida Valli surge em destaque no genérico, simplesmente com um Valli de grafia diferente, que se destaca de imediato dos restantes nomes do elenco, embora nem venha em primeiro lugar.
O argumento de “O Caso Paradine” nasce de uma novela escrita pela esposa do cineasta, Alma Reville, tendo Alfred Hitchcock investido todo o seu saber neste filme em que logo de início nos deparamos com a figura sedutora de Alida Valli, mas que nos transmite também uma certa inocência, perante a tranquilidade com que recebe a acusação que lhe é feita pela polícia: ter morto o marido, o Coronel Paradine, um homem muito mais velho do que ela e cego, de quem ela era os olhos.
O caso é entregue a um advogado famoso pelos seus resultados em tribunal de seu nome Anthony Keane (Gregory Peck), cuja vida familiar com a esposa Gay (Ann Todd) é o retrato perfeito da harmonia conjugal. Porém, quando Anthony Keane conhece na prisão Mrs. Paradine, todos os alicerces em que se baseia a sua vida conjugal parecem ceder e depois de lhe prometer que irá conseguir provar a sua inocência, recorde-se que ela é acusada de ter envenenado o marido, decide construir uma defesa em que acusa Andre Latour (Louis Jourdan), o antigo criado e homem de confiança do Coronel Paradine, com quem este serviu no Exército, como o autor do envenenamento.
E aqui desde logo percebemos como o advogado Anthony Keane (Gregory Peck) se encontra fascinado, tal como o espectador, por aquela mulher que clama inocência, mas que possui no seu interior um segredo que pretende esconder de todos.
Durante a visita que Keane faz à casa onde viviam os Paradine tenta falar com o criado, para saber um pouco mais e assim o poder incriminar, mas Andre Latour esquiva-se à conversa, desaparecendo. Ao regressar a Londres, recorde-se que a acção da película se passa em Inglaterra, Anthony Keane transmite à sua cliente o que pretende fazer: apresentar Latour como responsável da morte do Coronel Paradine.
Para sua grande surpresa, e de imediato, Maddalena-Anna Paradine recusa-se a aceitar essa opção e ordena que Latour não seja chamado a depor. A partir de então Anthony Keane (Gregory Peck), perdidamente apaixonado pela mulher acusada, percebe que tem de lutar em duas frentes, conquistar Mrs. Paradine e incriminar André Latour (Louis Jordan) no tribunal, ao mesmo tempo que se afasta cada vez mais da esposa, que de imediato percebe o fascínio que o marido sente pela acusada.
A forma como Alfred Hitchcock joga com a luz, onde as sombras das diversas personagens surgem como a sua própria consciência em dilema profundo e a maneira como nos mostra, num plano sequência genial, a entrada de André Latour (Louis Jordan) no tribunal (1), marcam esteticamente “O Caso Paradine” / “The Paradine Case”, ao mesmo tempo que o olhar de Alida Valli fala o tempo todo com o advogado durante o julgamento, implorando primeiro para deixar em paz Latour, para depois o fuzilar quando este acusa Latour de ser o responsável pela morte do coronel Paradine, numa derradeira tentativa de Keane para salvar a mulher por quem se apaixonou, esquecendo tudo o que aprendeu nos tribunais, ao mesmo tempo que abandona a sua esposa (Ann Todd), que sofre sentada nas galerias a assistir ao julgamento
À medida que o tempo passa, percebemos como é complexa a relação de Mrs. Paradine com André Latour (num excelente desempenho de Louis Jourdan), mas para o que ninguém estava preparado, nem o próprio Anthony Keane, é para a revelação de Maddalena-Anna Paradine, quando tem conhecimento do suicídio de Latour. E aqui Alfred Hitchcock oferece-nos a auto-destruição da carreira de um homem, com o discurso que Anthony Keane faz (fabuloso Gregory Peck), após Mrs. Paradine confessar ser ela a autora do crime.
Maddalena-Anna Paradine e André Latour estavam apaixonados e eram amantes, mas ele nunca concordou em eliminar o Coronel Paradine das suas vidas. Por outro lado ela transforma-se de Ré em Acusadora, quando condena, perante o tribunal, o seu advogado Anthony Keane de se encontrar apaixonado por ela e de ter destruído a vida de um inocente, no supremo clímax da película, onde o ódio e a impotência são bem visíveis no rosto dos protagonistas.
Durante largo tempo “O Caso Paradine” / “The Paradine Case” foi um dos filmes menos falados de Alfred Hitchcock, o que na verdade se trata de uma enorme injustiça, porque nele descobrimos uma das mais complexas histórias de amor que nos foi dado ver por Alfred Hitchcock em toda a sua carreira, basta recordar “Vertigo” ou “Notorious”, mas só para vermos o desempenho verdadeiramente felino de Alida Valli, a queda no abismo de Gregory Peck e o remorso de Louis Jordan, vale a pena descobrir esta película.
(1) – Alfred Hitchcock contou desta forma a François Truffaut a construção do célebre plano: “Filmei esse plano em dois takes. A câmara está sobre Alida Valli e, por cima do ombro dela vê-se ao longe Louis Jourdan que entra e passa por trás dela, dirigindo-se para o banco das testemunhas. Comecei por fazer uma panorâmica de 360 graus, a mostrar Jourdan a andar da porta até ao banco, mas sem Alida Valli. A seguir filmei o grande plano de Alida Valli diante dum écran de transparência, sentando-a numa cadeira giratória para conseguir o “revolving effect”. Quando a câmara a abandona para voltar a Louis Jourdan, tive que a fazer desaparecer da tela. Foi complicadíssimo de filmar, mas muito interessante”.
Rui Luís Lima
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