Alfred Hitchcock
"Downhill"
(Inglaterra – 1927) – (84 min. – Mudo)
Ivor Novello, Robin Irvine, Isabel Jeans, Annette Benson, Ian Hunter.
A obra de Alfred Hitchcock do período mudo possui dois momentos profundamente marcantes nas películas “Blackmail” / “Chantagem” e “The Lodger” / “O Inquilino Misterioso”, contando a última com a presença desse grande actor do mudo chamado Ivor Novello. O nome poderá não dizer nada a muitos, mas se referirmos a obra-prima de Robert Altman, “Gosford Park” e a personagem interpretada por Jeremy Northam, vamos encontrá-lo a vestir a pele precisamente de Ivor Novello e, como devem estar recordados, as suas conversas abordam sempre o cinema.
A primeira colaboração de Ivor Novello com Alfred Hitchcock foi precisamente em “O Inquilino Misterioso” / “The Lodger”, obtendo um sucesso estrondoso, por essa mesma razão o produtor decidiu tentar repetir o êxito e ofereceu a Hitch um argumento escrito pelo próprio Novello, por sinal bastante distante da qualidade do argumento de “The Lodger”, que teve a mão do Mestre do Suspense na sua adaptação para cinema.
Ivor Novello, para além de oferecer aos produtores excelentes resultados de bilheteira e ser um fabuloso actor, escreveu ao longo da vida diversas peças, muitas delas adaptadas para o cinema, no caso de “Downhill”, a sua terceira peça, vamos encontrar o herói, o jovem Roddy Berwick (Ivor Novello) a jogar râguebi na universidade, ele é um dos melhores jogadores da equipa e como tal saudado calorosamente por todos no final do jogo, mais tarde vai até à cidade com um colega e uma rapariga que encontram numa loja, como vê os seus avanços reprimidos por Roddy decide acusá-lo de assédio (reparem que estamos em 1927) e ele é expulso da Universidade, o colega não conta a verdade dos factos e pouco depois Roddy sai de casa dos pais, em virtude destes não acreditarem na sua inocência, para trás deixa um mundo de riqueza e bem-estar, iniciando-se o seu calvário.
Vamos encontrá-lo pouco depois a trabalhar como gigolo no “Moulin Rouge”, a levar cinquenta francos por cada dança e aqui Alfred Hitchcock dá mostra da sua mestria, pela forma como filma o ar angustiado de Roddy, presa de todas aquelas mulheres em busca de um momento de prazer, a beleza não abundava por aquelas paragens, diremos mesmo ser inexistente e o dinheiro ganho ficava sempre para a “dama” que explorava o salão. Ele não resistiu mais à miséria humana e procurou abrigo em Marselha em pleno “bas-fond”, já vítima da fome e do medo, com a morte a rondar de perto, sendo a forma como Alfred Hitchcock nos oferece esse retrato, mais que perfeito, um dos momentos altos da película, depois repare-se como ele trabalha as alucinações de Roddy e por fim quando é ajudado e regressa a Inglaterra, a forma como ele é introduzido de novo na sua cidade é simplesmente magnifica, o retrato nocturno de Londres invade a memória do protagonista levando-o à porta da casa onde nasceu.
Voltando a “Downhill”, a queda no abismo não surge de imediato, sabemos primeiro que Roddy vive em condições difíceis, embora namore a actriz principal, terminando por casar com ela ao herdar dinheiro de uma tia. Porém Julie (Isabel Jones), em poucos dias, consegue delapidar-lhe a fortuna, dar as boas-vindas ao adultério e ainda ficar-lhe com a casa, lançando Roddy nas ruas da amargura e do desespero.
Poderíamos dizer que estamos perante um daqueles argumentos tantas vezes repetidos no período mudo, mas atrás da câmara temos Alfred Hitchcock, a transformar uma peça quase banal numa obra cinematográfica a ter em conta. Repare-se na forma enganadora como Hitch nos apresenta Roddy no Teatro, levando-nos a supor que ele se transformara em empregado de mesa e, pior ainda, em ladrão ao guardar no bolso a cigarreira da senhora. Estamos assim perante esse tema tantas vezes surgido na obra de Alfred Hitchcock, intitulado o falso culpado, já patente em “The Lodger” e que teria o seu momento supremo em “The Wrong Man”, com um fabuloso Henry Fonda.
“Downhill” é um daqueles momentos do cinema mudo que é urgente descobrir, sendo o terceiro filme de Alfred Hitchcock, embora nas contas dele o considere o segundo já que nunca se afeiçoou a “The Pleasure Garden”, considerando sempre “The Lodger” a sua primeira película como realizador. Contas à parte, “Downhill” possui já no seu interior as marcas que irão definir um estilo inconfundível, por outro lado descobrimos a forma brilhante como Hitchcock transforma um argumento banal numa obra que nos prende à cadeira, especialmente na segunda parte da película.
Por estas razões, “Downhill” merece uma visita do cinéfilo, especialmente porque o cinema dos primórdios é um “género” muito pouco divulgado, mesmo em DVD, e não se esqueça desse grande actor chamado Ivor Novello, (re) descobrir o cinema mudo é uma das aventuras mais gratificantes da História do Cinema.
Rui Luís Lima
Nesta película do cinema mudo de Hitchcock temos mais uma maravilhosa interpretação de IvorNovello, um dos mais famosos actores britânicos do período mudo do cinema.
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