sábado, 9 de novembro de 2024

Os Livros e a Biblioteca!


Os Livros e a Biblioteca!

Em cada casa existe uma biblioteca, por muito poucos que sejam os livros, que por ali habitam e muitas vezes quando retiramos um livro do móvel e olhamos a capa, de imediato essa maravilhosa máquina denominada memória oferece-nos essa viagem ao passado, que muitas vezes nos ajuda a compreender o presente.


A capa do livro, muitas vezes, até parece que nos sorri, nascendo então esse desejo de abrir o livro e começar a ler as palavras que o escritor um dia decidiu oferecer-nos, perpetuando desta forma o seu labor literário, tantas vezes efectuado durante a noite, pela madrugada fora, em busca da escrita perfeita.


“O mar está novamente agitado hoje, com rajadas de vento que despertam os sentidos. Em pleno Inverno, a Primavera começa a sentir-se. Toda a manhã o céu esteve de uma pureza pérola; há grilos nos recantos sombrios; o vento despoja e fustiga os grandes plátanos… “. Assim começa o primeiro volume de “O Quarteto de Alexandria” – “Justine” que Lawrence Durrell decidiu oferecer ao mundo, uma obra que influenciou decididamente a literatura e que nos relata a passagem do tempo, através do olhar/vida de quatro personagens nessa Alexandria que fascinou tantos escritores.


Na nossa biblioteca temos livros que amamos ao correr do tempo, livros que chamamos de cabeceira, porque a sua leitura nos oferece um enorme prazer, como é o caso de Lawrence Durrell, a obra monumental de Marcel Proust, a brilhante escrita de Umberto Eco, sempre com esse olhar bem incisivo sobre a sociedade contemporânea ou o labor literário e a magia de Philippe Sollers e assim criamos esse hábito de abrir um livro e ler um pouco antes de o sono nos convidar ao sonho.


E como é belo adormecer a ler palavras fascinantes como estas, escritas por Proust no seu quarto forrado a cortiça devido aos ataques de asma: “Os lugares que conhecemos só pertencem ao mundo do espaço em que os situamos para maior facilidade. Não eram mais que uma delgada fatia por entre impressões contíguas que formavam a nossa vida de então; a recordação de uma determinada imagem não passa da nostalgia de um determinado momento e as casas, as estradas, as avenidas, são infelizmente fugazes, como os anos.”.


O tempo, esse grande escritor, oferece-nos um olhar que se transfigura à medida que vamos navegando no universo literário e sempre que retiramos um livro da estante, entramos nesse território do sonho, que nos é oferecido pelo escritor e descobrimos esse enorme prazer do texto de que um dia nos falou Roland Barthes.


Nas páginas que constituem o livro descobrimos personagens que nos fascinam e são muitas as vezes, em que ficamos simplesmente maravilhados com a sua existência, por vezes até as reencontramos num écran de cinema, mas quase sempre acabamos por descobrir um herói diferente daquele que habitava o universo do escritor. Os traços da personagem criada pelo escritor estão ausentes da tela e sentimos a fraude perante o nosso olhar. Resta-nos então regressar à leitura do livro e apaziguar os sentimentos, (re)vivendo essa arte da escrita que tanto nos fascina.


Muitas vezes ao entrar em casas de amigos, o meu olhar dirige-se de imediato na direcção da biblioteca, em busca dos títulos dos livros, no intuito de descobrir as águas em que eles se encontram a navegar e não é raro encontrar aquela obra que sempre desejei ler, mas que nunca tive até então oportunidade, muitas vezes porque o livro está esgotado. E de imediato sinto o desejo de o pedir emprestado, porém, sinto-me inibido em fazer o pedido, apesar da amizade que nos une. Desejo então tornar-me um copista da Idade Média fechado numa sala a queimar a vista à luz da vela, enquanto transcrevo as palavras mágicas oferecidas ao mundo pelo escritor, para que elas perdurem para as gerações que estão para nascer para a leitura.


Decido procurar o livro que tanto desejo ler, nas livrarias, mas só encontro as novidades editoriais e quando pergunto pelo seu paradeiro respondem-me que está esgotado ou foi retirado do catálogo e nesse momento sinto a tristeza invadir-me. Mas não desisto da busca e percorro os alfarrabistas, mas a resposta permanece negativa. Encho-me de coragem e peço o livro emprestado e passo um fim-de-semana na sua companhia, roubando horas ao sono, perfeitamente deliciado e ao chegar à última página, sinto-me feliz e tranquilo, apesar de saber que esse livro maravilhoso vai regressar para a biblioteca dos meus amigos. Na semana seguinte trocamos impressões sobre a obra, mas ao sair, sinto um vazio, apesar da minha memória ter ficado mais completa, porque li aquele livro, embora sinta a sua falta na minha biblioteca, até que nasce esse dia em que ele se encontra comigo num outro país, numa daquelas livrarias em que o universo das letras habita o espaço perfeito.


Regresso a casa feliz e de imediato mergulho na sua leitura e quando a termino, ofereço-lhe um lugar na minha biblioteca. Ele ali fica sorrindo, convivendo com os irmãos numa harmonia perfeita, essa harmonia tantas vezes esquecida por este estranho mundo que nos rodeia.

Rui Luís Lima

1 comentário:

  1. Como nos demonstrou Umberto Eco e Jorge Luis Borges a Biblioteca, seja pública ou a que criamos nas nossas casas é o perfeito retiro do leitor amante dos livros em papel, onde temos um lugar para convivermos com os autores e os livros que nos acompanham na nossa vida de leitores.

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